RELIGIOSIDADE ESTÉRIL-22º TC-B

RELIGIOSIDADE ESTÉRIL

22º DOMINGO COMUM-ANO B

29/08/2021

Acesse as leituras de hoje neste link:

https://www.paulus.com.br/portal/liturgia-diaria

1ª Leitura: Deuteronômio 4,1-2.6-8

Salmo Responsorial 14(15) R-Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará?

2ª Leitura: Tiago 1,17-18.21b-22.27

Evangelho de Marcos 7,1-8.14-15.21-23

Naquele tempo: 1Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. 2Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. 3Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. 4Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. 5Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: 'Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?' 6Jesus respondeu: 'Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. 7De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. 8Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. 14Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: 'Escutai todos e compreendei: 15o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. 21Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. 23Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem.' Palavra da Salvação.


DOM JÚLIO ENKI AKAMINE

Arcebispo de Sorocaba SP

Jo 6,60-69

Há uma lei que governa a nossa relação com Deus: o amor de Deus é gratuito e se antecipa às nossas escolhas ou aos nossos méritos (“fui eu que vos escolhi”). Mas, mesmo sendo eleitos sem nosso merecimento, não podemos ficar inertes e passivos frente à escolha de Deus. A escolha de Deus espera e reclama a nossa acolhida da escolha. A lei da vida cristã consiste nisso: dom e responsabilidade.

O Evangelho mostra como, para os apóstolos, chegou o momento de dar a resposta ao chamado de Jesus: “vós também quereis ir embora?” Os discípulos não eram obrigados a permanecer com Jesus e, de fato, muitos abandonaram Jesus. Ficaram os Doze que formarão a Igreja, mas eles não podem mais permanecer como antes, sem compromisso. De agora em diante eles devem ter consciência de que escolheram Jesus para a vida ou para a morte. “Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos firmemente que tu és o Santo de Deus”.

A partir dessa escolha, os discípulos sabem que o coração não é mais livre para todos os afetos. Há afetos que não vêm de Deus, mas do maligno, pois são afetos que desviam de Deus, são amores desordenados que dividem o coração. Uma vez que escolhemos, o nosso coração não pode mais estar dividido por afetos que não nos conduzam a Deus.

Todos os dias encontramos alguém que “se afastaram e não mais andam com Jesus” porque julga sua palavra muito dura. Por exemplo: acha que a exigência da indissolubilidade matrimonial é muito dura e antiquada; acha que o carregar a cruz não deve ser levado assim tão a sério; que julga a proibição de não poder servir a Deus e ao dinheiro “de uma moral católica atrasada”; que considera a exigência da fidelidade (quem olhar com cobiça para uma mulher já cometeu adultério com ela) muito exagerada.

Nós vivemos em tempo diferente da dos nossos pais: não é possível mais viver como cristão por uma tradição herdada. Nossa época cobra de nós um cristianismo consciente e responsavelmente assumido.

Vemos mais do que nunca quão urgente é escolher, decidir-se, posicionar-se de um lado ou de outro, antes que seja tarde demais, antes sejamos nós postos pelo Senhor à sua esquerda!

Nós já escolhemos Deus no batismo. Essa nossa escolha precisa ser sempre de novo reafirmada nos sacramentos e no testemunho da vida.


O peso de uma religiosidade estéril

O evangelho deste domingo seleciona só alguns versículos do cap. 7 de Marcos, carta magna da liberdade cristã, no plano da refeição e do amor (relações humanas). Que todos tenham direito à alimentação e se amem, com todo o coração. Trata-se, pois, de educar e sanar o coração, não através de mais leis, mas através de mais liberdade e verdade de amor.

Neste sentido, o relato de hoje nos situa no centro da dinâmica cristã, no lugar onde o(a) seguidor(a) de Jesus, muitas vezes centrado(a) na lei, a partir de seu interior se abre (por impulso da memória de Jesus) à grande liberdade cristã na refeição e no amor.

De fato, para muitos, sua relação com Deus se reduz ao cumprimento de algumas práticas religiosas, à participação em alguns ritos e festas, segundo as normas e tradições estabelecidas por sua própria religião. O ensinamento de Jesus liberta de muitas obrigações e orienta ao culto verdadeiro. É uma mensagem que nos livra de tantas ataduras e ritualismos, da repetição mecânica de tradições e normas do passado, e orienta à novidade de um culto verdadeiro, a partir do coração.

Marcos ressalta que os fariseus e alguns mestres da lei “se reuniram em torno de Jesus”. Não são pessoas interessadas em conhecê-lo. Como fiéis cumpridores da lei, já haviam percebido o perigo que Jesus representava por suas transgressões em relação ao sistema religioso. Vieram de Jerusalém, o centro do poder religioso, para investigar a conduta do Mestre de Nazaré. Tinham reconhecido as coisas extraordinárias que Ele fazia, e tinham tentado desacreditá-lo frente ao povo, atribuindo seus poderes ao “chefe dos demônios”. Querem criar ao redor de Jesus um cerco de suspeitas e rejeição.

Agora, escribas e fariseus unidos encontram outra transgressão da lei nos discípulos de Jesus: eles comem sem lavar as mãos. Convivendo com Jesus, eles tinham assimilado sua liberdade. Na multiplicação dos pães (relato anterior), Jesus ofereceu pão para a vida de todos, sem exigir purificações prévias, porque a pureza e a cura vêm d’Ele. Mas, para a comissão investigadora vinda de Jerusalém, comer sem lavar as mãos não era uma falta menor. Estava em jogo todo um sistema de separação entre o que é puro e o que é impuro.

Há alimentos puros que todos podem comer, e outros impuros, que são proibidos. E as pessoas precisam se purificar antes de comer. Assim ensinaram os antepassados e assim manda a lei. Segundo os encarregados da religião, não se pode relativizar a autoridade sagrada da tradição.

A reação de Jesus é muito dura, e põe em evidência que a relação com Deus não passa através do uso de alimentos puros ou ritos de purificação, de culto formal e vazio. Os escribas e fariseus são a encarnação dos destinatários da denúncia profética de Isaías: “este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. Os responsáveis da instituição criaram, em nome de Deus, um sistema de poder, com ritos que os privilegiavam, obrigações que discriminavam e separavam, e um controle social intolerável. Os pobres não podiam cumprir com todas as normas, e por isso eram considerados “povo maldito”.

Uma consequência muito clara que aparece aqui consiste em que, com muita frequência, na conduta de muitas pessoas há uma enorme distância entre a observância dos ritos sagrados, por uma parte, e a fidelidade à honestidade, à bondade, à justiça... por outra parte. E aqui nos deparamos com tantas pessoas que são fielmente observantes das leis e ritos religiosos, mas, ao mesmo tempo, são pessoas que são profundamente desumanas na relação com os outros; deixam muito a desejar em sua conduta ética.

Segundo os relatos evangélicos, é visível que Jesus não teve enfrentamentos nem com os romanos, nem com os pecadores, os samaritanos, os estrangeiros, etc...Os conflitos de Jesus surgiram precisamente com os mais fiéis cumpridores da religião: sacerdotes, mestres da lei e fariseus.

Jesus não rejeitou o culto religioso. O que Jesus fez foi deslocar o centro da religião e esse centro não está nem no templo e nem nas suas cerimônias, nem no sagrado e nem em seus rituais. O centro da experiência religiosa, para Jesus, está em fazer o que fez o mesmo Deus, que sempre “desce” e se aproxima de todos os seus filhos e filhas. Deus está presente em cada ser humano, seja quem for, pense como pense, viva como viva. Só reconhecendo esta realidade surpreendente e vivendo-a, como viveu o próprio Jesus, estaremos no caminho que nos leva ao centro do verdadeiro culto a Deus.

Os líderes religiosos apresentam “mãos limpas” porque não as usam para o serviço aos outros; são “mãos assépticas” porque não se “contaminam” no contato com as pessoas. Eles se mostram incapazes de ver as mãos como mediação para uma nova humanização, reduzindo-as e atrofiando-as devido a seus esquemas religiosos e morais. Suas mãos carregam censuras, traficam destruição, encarnam a falsidade... Suas mãos são temidas porque fecham o futuro, excluem e espalham o medo, pesam porque julgam...

Aqui, no embate com Jesus, eles não fazem nenhuma referência ao anterior evento da “multiplicação dos pães” e nada dizem sobre a refeição de Jesus com a multidão; eles não se preocupam com aqueles que não comem, mas observam a compostura daqueles que comem. Sua visão míope foge do essencial para permanecer no periférico. Desviam a atenção para o terreno de seus domínios, uma moral superficial, descompromissada. Assim, pois, centram sua atenção em alguns dos discípulos para captar uma irregularidade em sua forma de comer, pois eles comem com “mãos impuras”.

Jesus nos coloca a todos diante deste dilema: o que vem em primeiro lugar, os ritos religiosos ou o compromisso com a vida dos mais vulneráveis e excluídos? O mais importante é o ritual religioso ou a experiência humana de encontro, convivência, serviço...? Para Jesus, o culto verdadeiro a Deus não passa pelas cerimônias pomposas, centradas na exterioridade e aparência, mas pelo coração e pela vida. É uma mensagem que Marcos envia também à sua comunidade.

Jesus insiste, com uma indicação que quer ser universal: “Escutai todos e compreendei”. Todas as coisas são puras. A impureza, o que separa de Deus e dos outros, não vem dos alimentos que são comidos, daquilo que vem de fora e vai ao estômago.

A impureza pode sair só de dentro, do centro da pessoa, do coração do ser humano. Isso impede a relação sadia com Deus, ferindo as relações humanas. O coração do ser humano é capaz do melhor (compaixão, solidariedade, bondade, serviço, amor...) mas, quando petrificado e fechado, é capaz do pior (más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, devassidão, inveja, calúnia, orgulho...). São os chamados “pecados de raiz”, ou seja, endurecimentos, fechamentos e fixações... que impedem a energia vital, a misericórdia de Deus, fluir livremente. São bloqueios e empecilhos colocados por nós mesmos e que interceptam a relação com Deus, com os outros e com as criaturas, portanto, com a plenitude da vida, e cortam nossas próprias potencialidades de vida.

Quando falamos de “pecados de raiz” queremos destacar a necessidade de uma conversão radical.

Indiferença progressiva

A crise religiosa vai-se decantando pouco a pouco em direção à indiferença. Normalmente, não se pode falar propriamente de ateísmo, nem mesmo de agnosticismo. O que melhor define a posição de muitos é uma indiferença religiosa onde já não há questões, nem dúvidas, nem crises.

Não é fácil descrever esta indiferença. A primeira coisa que se observa é a ausência de inquietação religiosa. Deus não interessa. A pessoa vive na despreocupação, sem nostalgias nem qualquer horizonte religioso. Não se trata de uma ideologia. É, mais bem, uma «atmosfera envolvente» onde a relação com Deus fica diluída.

Há vários tipos de indiferença. Alguns vivem nestes momentos um afastamento progressivo; são pessoas que se vão distanciando cada vez mais da fé, cortam laços com o religioso, afastam-se da prática; pouco a pouco Deus vai-se apagando nas suas consciências. Outros vivem simplesmente absorvidos pelas coisas de cada dia; nunca se interessaram muito por Deus; provavelmente receberam uma educação religiosa débil e deficiente; hoje vivem esquecidos de tudo.

Em alguns, a indiferença é fruto de um conflito religioso, vivido por vezes em segredo; sofreram medos ou experiências frustrantes; não guardam uma boa recordação do que viveram em crianças ou adolescentes; não querem ouvir falar de Deus, pois isso magoa-os; defendem-se esquecendo-o.

A indiferença de outros é, antes, o resultado de circunstâncias diversas. Deixaram a pequena povoação e hoje vivem de forma diferente num ambiente urbano; casaram com alguém pouco sensível ao religioso e mudaram de costumes; separaram-se do seu primeiro cônjuge e vivem numa situação de casal não "abençoado" pela Igreja. Não é que estas pessoas tenham tomado a decisão de abandonar Deus, mas na verdade as suas vidas vão-se afastando Dele.

Há ainda outro tipo de indiferença encoberta pela piedade religiosa. É a indiferença de quem se habituou a viver a religião como uma «prática externa» ou uma «tradição rotineira». Todos devemos ouvir a queixa de Deus. Jesus recorda-nos com palavras tomadas do profeta Isaías: «Este povo honra-me com os lábios, mas os seus corações estão longe de mim».

Marcos 7,1-23 - Sobre o puro e o impuro

Carlos Mesters e Mercedes Lopes

O evangelho deste final de semana fala dos costumes religiosos da época de Jesus, muitos dos quais já tinham perdido seu sentido. Até atrapalhavam a vida do povo, ameaçando as pessoas com castigo e inferno. Enxergavam pecado em tudo. Por exemplo, comer sem lavar as mãos era considerado pecado. Mesmo assim, estes costumes eram conservados e ensinados, ou por medo, ou por superstições. Vamos conversar sobre isso!

Situando

Olhemos de perto a atitude de Jesus frente à questão da pureza. Anteriormente, Marcos já tinha tocado neste assunto. Em Marcos 1,23-28, Jesus expulsou um espírito impuro. Em Marcos 1,40-45, ele curou um leproso. Em Marcos 5,25-34, curou uma mulher considerada impura. Em vários outros momentos, Jesus tocou em doentes e deficientes físicos, sem medo de ficar impuro. No evangelho de hoje, Jesus ajuda o povo e os discípulos a aprofundar este assunto da pureza e das leis do puro e do impuro.

Desde séculos, os judeus, para não contrair impureza, eram proibidos de entrar em contato com os pagãos e de comer com eles. Mas, nos anos 70, época de Marcos, alguns judeus convertidos diziam: “Agora que somos cristãos, temos que abandonar estes costumes antigos que nos separam dos pagãos convertidos!” Outros, porém, achavam que deviam continuar a observar as leis de pureza. A atitude de Jesus ajudava-os a superar este problema.

Comentando

Marcos 7,1-2: Controle dos fariseus e liberdade dos discípulos

Os fariseus e alguns escribas, vindos de Jerusalém, observavam como os discípulos de Jesus comiam pão com mãos impuras. Aqui há três pontos que merecem ser assinalados:

1) Os escribas são de Jerusalém, da capital. Significa que tinham vindo para observar e controlar os passos de Jesus.

2) Os discípulos não lavam as mãos para comer. Significa que a convivência com Jesus os levou a criar coragem para transgredir normas que a tradição impunha ao povo, mas que já não tinham sentido para a vida.

3) O costume de lavar as mãos, que continua sendo uma norma importante de higiene até hoje, tinha tomado para eles um significado religioso que servia para controlar e discriminar as pessoas.

Marcos 7,3-4: A tradição dos antigos

A “tradição dos antigos” transmitia as normas que deviam ser observadas pelo povo para ele conseguir a pureza exigida pela lei. A observância da pureza era um assunto muito sério. Eles achavam que uma pessoa impura não poderia receber a bênção prometida por Deus a Abraão. As normas de pureza eram ensinadas para abrir o caminho até Deus, fonte da paz. Mas, na realidade, em vez de ser fonte de paz, elas eram uma prisão, um cativeiro. Para os pobres, era praticamente impossível observá-las. Eram centenas de normas e leis. Por isso, os pobres eram desprezados como gente ignorante e maldita, que não conhece a lei (João 7,49).

Marcos 7,5: Escribas e fariseus criticam o comportamento dos discípulos

Os escribas e fariseus perguntam a Jesus: Por que os teus discípulos não se comportam conforme a tradição dos antigos e comem o pão com as mãos impuras? Eles fingem estar interessados em conhecer o porquê do comportamento dos discípulos. Na realidade, criticam Jesus por ele permitir que os discípulos transgridam as normas de pureza. Os fariseus formavam uma espécie de irmandade cuja principal preocupação era observar todas as leis de pureza. Os escribas eram os responsáveis pela doutrina. Ensinavam as leis referentes à observância da pureza.

Marcos 7,6-13: Jesus critica a incoerência dos fariseus

Jesus responde, citando Isaías: Este povo me honra só com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Insistindo nas normas de pureza, os fariseus esvaziavam os mandamentos da lei de Deus. Jesus cita um exemplo concreto. Eles diziam: o fulano, que oferecer os seus bens ao Templo, não pode usar esses bens para ajudar os pais necessitados. Assim, em nome da tradição, esvaziavam o quarto mandamento, que manda amar pai e mãe. Até hoje, tais pessoas parecem muito observantes, mas é só por fora. Por dentro, o coração delas fica longe de Deus. Como diz o canto: “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e vive à beira das calçadas. E a gente quando o vê passa adiante, às vezes para chegar depressa à Igreja!” No tempo de Jesus, o povo, na sua sabedoria, não concordava com tudo o que se ensinava. Esperava que, um dia, o messias viesse indicar outro caminho para alcançar a pureza. Em Jesus se realiza esta esperança.

Marcos 7,14-16: Jesus abre um novo caminho para o povo se aproximar de Deus

Ele diz para a multidão: “Não há nada no exterior do ser humano que, entrando nele, possa torná-lo impuro.” (Marcos 7,15). Jesus inverte as coisas: o impuro não vem de fora para dentro, como ensinavam os doutores da lei, mas sim de dentro para fora. Deste modo, ninguém mais precisa se perguntar se é pura ou impura esta ou aquela comida, esta ou aquela bebida. Jesus coloca o puro e o impuro num outro nível, no nível do comportamento ético. Ele abre um novo caminho para chegar até Deus e, assim, realiza o desejo mais profundo do povo.

Marcos 7,17-23: Em casa, os discípulos pedem explicação

Os discípulos não entenderam bem o que Jesus queria dizer com aquela afirmação. Quando chegaram em casa, pediram uma explicação. Jesus estranhou a pergunta dos discípulos. Pensava que eles tivessem entendido a parábola. Na explicação aos discípulos, ele vai até ao fundo da questão da pureza. Declara puros todos os alimentos. Ou seja, nenhum alimento que de fora entre no ser humano pode torná-lo impuro, pois não vai até o coração, mas vai para o estômago e acaba na fossa, e, conforme o pensamento da época, o que entrava na fossa não era considerado impuro. Mas o que torna impuro, diz Jesus, é aquilo que sai de dentro do coração para envenenar o relacionamento humano. E ele enumera: prostituição, roubo, assassinato, adultério, ambição, etc.

Assim, de muitas maneiras, pela palavra, pelo toque e pela convivência, Jesus foi ajudando as pessoas a conseguir a pureza. Pela palavra, purificava os leprosos, expulsava os espíritos impuros e vencia a morte, que era a fonte de toda a impureza. Pelo toque em Jesus, a mulher excluída como impura ficou curada. Sem medo de contaminação, Jesus comia junto com as pessoas consideradas impuras.

Alargando

As leis da pureza no tempo de Jesus

O povo daquela época tinha uma grande preocupação com a pureza. A lei e as normas de pureza indicavam as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus e se sentir bem na presença dele. Não se podia comparecer diante de Deus de qualquer jeito. Pois Deus é Santo. A Lei dizia: “Sede santos, porque eu sou santo” (Levítico 19,2). Quem não era puro não podia chegar perto de Deus para receber dele a bênção prometida a Abraão.

A lei do puro e do impuro (Levítico 11 a 16) foi escrita depois do cativeiro da Babilônia, cerca de 800 anos depois do Êxodo, mas tinha suas raízes na mentalidade e nos costumes antigos do povo da Bíblia. Uma visão religiosa e mítica do mundo levava o povo a apreciar as coisas, as pessoas e os animais a partir da categoria da pureza (Gênesis 7,2; Deuteronômio 14,13-21; 24,8-9; Números 12,10-15).

No contexto da dominação persa, nos séculos V e IV antes de Cristo, diante da dificuldade para reconstruir o templo de Jerusalém e para a própria sobrevivência do clero, os sacerdotes que estavam no governo do povo da Bíblia ampliaram as leis de pureza e a obrigação de oferecer sacrifícios de purificação pelo pecado. Assim, depois do parto (Levítico 12,1-8), da menstruação (Levítico 15,19-24) ou da cura de uma hemorragia (Levítico 15,25-30), as mulheres tinham que oferecer sacrifícios para recuperar a pureza. Pessoas leprosas (Levítico 13) também deviam oferecer sacrifícios. Uma parte destas oferendas ficava para os sacerdotes (Levítico 5,13).

No tempo de Jesus, tocar um leproso, comer com publicano, comer sem lavar as mãos, etc., tudo isso tornava a pessoa impura, e qualquer contato com esta pessoa contaminava os outros. Por isso, as pessoas “impuras” deviam ser evitadas. O povo vivia acuado, sempre ameaçado pelas tantas coisas impuras que ameaçavam a vida. Era obrigado a viver desconfiado de tudo e de todos.

Agora, de repente, tudo mudou. Através da fé em Jesus, era possível conseguir a pureza e sentir-se bem diante de Deus sem que fosse necessário observar todas aquelas leis e normas da “tradição dos antigos”. Foi uma libertação! A Boa Nova anunciada por Jesus tirou o povo da defensiva e do medo. Devolveu-lhe a vontade de viver, a alegria de ser filho e filha de Deus, sem medo de ser feliz!

Há pecado quando o amor é ferido

Enzo Bianchi

Tradução Moisés Sbardelotto.

Depois dos trechos retirados do capítulo sexto do Evangelho segundo João, a catequese sobre Jesus como “palavra e pão da vida”, voltamos à leitura cursiva do Evangelho segundo Marcos. Nós o havíamos deixado no relato da primeira multiplicação dos pães (cf. Mc 6,30-44) e o reencontramos na leitura de alguns trechos do capítulo sétimo, que recolhe palavras de Jesus que são um eco de controvérsias com os fariseus e escribas.

Trata-se de palavras certamente transmitidas e atualizadas pelas Igrejas, mas que continuam sendo sempre Evangelho de Jesus Cristo e nada mais do que isso. No entanto, deve-se confessar que, diante dessas palavras, que parecem ser uma ruptura com o judaísmo, os comentaristas se dividem entre aqueles que as interpretam como discursos proferidos pela Igreja do fim do primeiro século em polêmica contra os fariseus, o judaísmo mais presente e “combativo”, e aqueles que, pelo contrário, insistem na ruptura radical, no desconhecimento por parte de Jesus da Lei que o precedia.

Não é fácil fazer discernimento sobre essa leitura, mas tentemos tal operação buscando não ser devedores de ideologias judaizantes nem, por outro lado, marcionitas.

O que Jesus quer dizer? Diante de “fariseus e alguns mestres da Lei que vieram de Jerusalém”, portanto, de autoridades oficiais do judaísmo, ele entra em polêmica, chega a atacá-los diretamente, porque julga o olhar deles, a sua espionagem sobre ele e os seus discípulos como um comportamento não conforme à vontade de Deus.

Os discípulos de Jesus, de fato, vão à mesa sem antes terem feito a ablução ritual das mãos, mandato que está na Torá e se dirige apenas aos sacerdotes que devem fazer a oferta, o sacrifício (cf. Ex 30,17-21). No tempo de Jesus, havia movimentos que radicalizavam a Lei, grupos intransigentes e integralistas que pediam que seus membros se comportassem como os sacerdotes oficiantes do templo, que multiplicavam e radicalizavam as prescrições da Lei, com uma obsessão particular pelo tema da pureza.

Entre estes, haviam os chaverim (companheiros, amigos) e os perushim (separados, fariseus) – identificados por alguns como um único movimento – cuja legislação casuística minuciosa levará à formação da Mishná.

Jesus deixava os seus discípulos livres dessas observâncias que não haviam sido pedidas por Deus, mas pelos intérpretes da palavra de Deus, tornando-se “tradições”. E, quando os homens produzem tradições, eles querem que elas sejam “a tradição” e, por isso, dão a ela a mesma autoridade atribuída à palavra de Deus.

Isso ocorria naquela época, assim como ocorre nas Igrejas hoje! Os Evangelhos nos testemunham que, sobre muitos temas, Jesus se expressou contestando essas tradições que alienam os fiéis, que não estão a seu serviço, mas criam uma falta de liberdade e, muitas vezes, acabam erigindo barreiras, para traçar limites e fronteiras entre os seres humanos.

Quanto ao caso em questão nesta página, deve-se reconhecer que a mesa, de lugar de partilha, de comunicação, de exercício do amor, de aliança, havia se tornado no judaísmo progressivamente um lugar de divisão e de excomunhão do outro: o estrangeiro pagão, o pecador, o impuro não podiam participar dela junto com o judeu piedoso.

Assim, a impureza dos alimentos proibidos a Israel impossibilitava aos judeus sentarem-se à mesa junto com quem pertencia aos povos pagãos, porque todo não judeu era considerado koinós, profano, e akáthartos, impuro (cf. At 10,28).

Mas, para Jesus, essas distinções não se sustentam, e quem as faz não conheceu o pensamento do Senhor. Por isso, diante da repreensão dirigida pelos fariseus aos seus discípulos, Jesus responde atacando-os com a própria palavra de Deus contida nos profetas: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Is 29,13).

Jesus veio para libertar daquela religião que é uma fábrica de imagens de Deus e dos seus preceitos que os seres humanos de todas as culturas deram a si mesmos. E atenção: Jesus não quer contradizer a Lei nem a tradição, mas sempre sabe voltar à intenção do Legislador, Deus, como faziam os profetas, para que a Lei seja acolhida no coração, com liberdade e amor.

Jesus acolhe as palavras da aliança de Deus com Moisés, mas não acolhe os 613 preceitos da tradição sem fazer um discernimento, até porque ele sabe muito bem que, se os preceitos se multiplicam, aumentam também as possibilidades de não os observar, portanto se multiplicam as oportunidades de hipocrisia.

Além disso, “a palavra do Senhor permanece para sempre” (Is 40,8; 1Pd 1,24), enquanto a tradição evolui com as mudanças culturais, com as gerações e, embora carregada de venerabilidades por causa da sua antiguidade, continua sendo humana, invólucro e revestimento da palavra do Senhor.

É a tudo a que Jesus se refere quando afirma, dirigindo-se aos seus interlocutores: “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”; e logo depois, até mesmo: “Vós anulais a Palavra de Deus com a tradição que transmitis” (Mc 7,13).

Depois, dirigindo-se à multidão, explica: “Escutai todos e entendei em profundidade, refleti, sede inteligentes! Não há nada fora do homem que, ao entrar nele, possa torná-lo impuro. Mas são as coisas que saem do homem que o tornam impuro”.

Os discípulos, porém, não entendem, e então Jesus, impaciente, deve lhes dar mais esclarecimentos: “Não entendeis que tudo o que entra no homem de fora não pode torná-lo impuro, porque não entra no seu coração, mas no seu ventre e vai para a fossa?”.

Desse modo, Jesus “declara puros todos os alimentos”, e pouco importa se tal esclarecimento saiu literalmente da sua boca ou foi gerado pela Igreja a partir do seu ensinamento...

Por fim, Jesus conclui com palavras que deveriam esclarecer a questão de uma vez por todas: “O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem”.

Deve-se notar que os pecados enumerados são todos contra o amor, contra o próximo, porque o pecado ocorre apenas nas relações entre cada um de nós e os outros; não por acaso, Jesus disse que seremos julgados somente sobre o amor aos outros (cf. Mt 25,31-46), sobre o coração e sobre a capacidade de relação, misericórdia, pureza, fidelidade.

O mal, a impureza está onde falta o amor e não em outros lugares onde os homens religiosos gostariam de encontrá-lo para manter viva a sua construção. O mal, a impureza não está nas coisas, mas está em nós, na nossa escolha entre o amor e o ódio, entre reconhecer o outro e afirmar apenas a nós mesmos, entre a nossa vontade de comunhão e a nossa vontade de separação.

Não esqueçamos, portanto, que podemos sentar à mesa dos pecadores, porque Jesus se sentou à mesa onde os pecadores eram comensais, a ponto de ser definido como “um comilão e beberrão, amigo dos publicanos e dos pecadores!” (Mt 11,19; Lc 7,34).

Não esqueçamos que para todos os homens e as mulheres a mesa é um lugar de comunhão, de reunião, de face a face, de relação, de celebração da amizade, do amor e do afeto. Por isso, não podemos excluir ninguém da mesa: se o fizermos, seremos excluídos da mesa do Reino!

Quanto à mesa eucarística, não está excluído dela quem é pecador, se se considerar como tal e estender a mão como um mendicante para o corpo do Senhor, enquanto deveriam ser excluídos dela aqueles que não sabem discernir o corpo de Cristo (cf. 1Cor 11,29) no irmão e na irmã, no pobre, no pecador, no último, em quem não tem dignidade.

Infelizmente, porém, é mais fácil fazer a ablução das mãos durante a liturgia eucarística, repetindo um versículo de um salmo, do que reconhecer o próprio pecado e dizer ao Senhor: “Eu não sou digno, mas, por misericórdia, entra na minha casa!”.

"Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes."


Thomas McGrath


Dt 4,1-2.6-9; Marcos 7,1-8.14-15.21-23 – Reflexão

O grande cantor e poeta Pe. Zezinho, scj, sintetizou em seus versos a essência das leituras de hoje e nossas comunidades cresceram cantando:​

Jesus Cristo me deixou inquieto/ nas palavras que ele proferiu/:

Nunca mais eu pude olhar o mundo/ sem sentir aquilo que Jesus sentiu.

Eu vivia tão tranquilo e descansado/ e pensava ter chegado ao que busque/

Muitas vezes proclamei extasiado/ que, ao seguir a lei de Cristo, eu me salvei/

Mas depois que meu Senhor passou/ nunca mais meu coração se acomodou.

Os fariseus eram considerados homens puros, fiéis seguidores da Lei. Andavam com a lei atada à cabeça e aos braços e, por isso, detinham o poder político e religioso.

Eram muitas as leis e preceitos que o povo deveria seguir. Se para nós os dez (ou quinze, com os da Igreja) mandamentos já são difíceis de seguir, o que dirá 613! Tantas leis acabam por excluir o povo pobre da participação politico-religiosa pois não conseguiam pagar um sacrifício para se purificar. Assim, os pobres eram tidos como gente ignorante e maldita que não conhece a Lei de Moisés.​

Jesus, ao defender seus discípulos que comiam pão com as mãos impuras, se declara contra as atitudes dos fariseus, chamados por Jesus de hipócritas, e assume o lado de todo o povo considerado impuro. As palavras de Jesus nos remetam ao profeta Isaías: "Ai daqueles que decretam leis injustas e promovem a exclusão dos que são fracos".

O Messias denuncia a atitude dos pastores que abraçavam os poderosos (lobos) e batiam com um pesado cajado (Lei) no povo (ovelhas). Foi uma libertação!

Já disse Frei Carlos Mesters: "A Boa Nova anunciada por Jesus tirou o povo da defensiva, do medo, e lhe devolveu a vontade de viver, a alegria de ser filho e filha de Deus, sem medo de ser feliz!"

A primeira leitura nos faz pensar sobre o momento que o nosso país vive. No dia 7 de setembro comemoramos a Independência do Brasil, e também, sairemos às ruas no Grito dos Excluídos em dias marcados pelo ódio e distanciamento. Infelizmente ao invés de gritar pedindo união nacional, temos gente pedindo o retorno d ditadura.

Ao ouvirmos no trecho tirado do Livro de Deuteronômio ‘Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!’, 'E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento?' nosso coração se enche de indignação pois é exatamente o contrário do que as outras nações pensam de nós. O nosso querido país infelizmente é conhecido pela pelo aumento de miséria, fome, desemprego, rejeição de grupos, desrespeito pela natureza, corrupção, roubo, ilegalidade e impunidade. Nossos governantes tratam os banqueiros e grandes empresários com todo carinho e compreensão, enquanto o povo é tratado com spray de pimenta quando lutam por seus direitos.

Infelizmente tantos/as dos nossos irmãos/as cruzam os braços e fecham os olhos para essa realidade. Vivemos uma espiritualidade sem compromisso com os necessitados – olhando para cima, procurando um Pai celestial, sem olhar de lado onde o Filho dele está encarnada no desespero de tantos/as semelhantes nossos. Estamos correndo o risco de sermos meros ouvintes da Palavra. É preciso tornar viva em nossa vida a Palavra de Deus fazendo a opção pela vida, lutando por nossos direitos, construindo o Reino de Deus. "A Igreja evangeliza-se a si mesma através da denúncia e da ruptura com o sistema que cria vítimas e do anúncio da Boa-Nova de um outro mundo que se está gestando no meio de nós" (Paulo Suess).

Na leitura do Evangelho de São Marcos Jesus critica a incoerência dos fariseus. Ele lembra o grande profeta Isaías: Este povo me honra só com os lábios, mas o seu coração está longe de mim (cf. Is 29,13). Insistindo nas normas da pureza, os fariseus esvaziavam os mandamentos da lei de Deus.

Falando para o povo de ontem e de hoje, Jesus disse:

“Tudo o que vem de fora e entra numa pessoa não faz com que ela fique impura, mas o que sai de dentro, isto é, do coração da pessoa, é que faz com que ela fique impura. Porque é de dentro, do coração, que vêm os maus pensamentos, a imoralidade sexual, os roubos, os crimes de morte, os adultérios, a avareza, as maldades, as mentiras, as imoralidades, a inveja, a calúnia, o orgulho e o falar e agir sem pensar nas consequências. Tudo isso vem de dentro e faz com que as pessoas fiquem impuras.

Tantas pessoas que parecem muito observantes, mas só por fora. Por dentro, o coração fica longe de Deus! Como diz o canto: “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e vive à beira das calçadas. E a gente quando vê passa adiante, às vezes, para chegar depressa à igreja!”. Os conterrâneos de Jesus na sua sabedoria, não concordava com tudo que se ensinava. Eles esperavam que, um dia, o Messias viesse indicar um outro caminho para alcançar a pureza. Em Jesus se realiza esta esperança. Vamos escutar o que ele pregou – nas suas palavras e principalmente por meio de suas ações.

TEXTO EM ESPANHOL

Dom Damian Nannini, Argentina

DOMINGO XXII DURANTE EL AÑO – CICLO "B"

Primera Lectura (Dt 4,1-2.6-8):

Este texto contiene un vivo llamado a escuchar la enseñanza sobre las leyes de Israel en toda su integridad, dando dos motivaciones fundamentales para ello. La primera es que este escuchar-obedecer la ley es condición necesaria para vivir y tomar posesión de la tierra prometida. La segunda es que estas leyes encierran una sabiduría superior a la de los demás pueblos, por ello al cumplirlas los israelitas se volverán sabios y prudentes.

Evangelio (Mc 7,1-8.14-15.21-23):

Esta sección de Mc 7,1-23 (y que la liturgia nos la ofrece entrecortada pues no se leen los vv. 9-13 y 16-20) está centrada en el tema de lo “impuro”. En efecto, el tema es introducido por la pregunta de los fariseos y escribas: "¿Por qué tus discípulos…comen con las manos impuras"? Entonces Jesús toma postura ante la cuestión y enseña cuál es la verdadera impureza, lo que constituye el punto central de toda la perícopa. La sección concluye con el v. 23 que señala una vez más el tema del verdadero origen de la impureza[1].

El texto comienza sin darnos una indicación geográfica, por lo cual podemos presuponer que Jesús sigue en Genesaret dónde estaba en la escena anterior (cf. Mc 6,53). Allí se le acercan algunos fariseos y escribas venidos de Jerusalén, quienes notan que los discípulos comían el pan "con las manos impuras", es decir, sin lavar. A continuación, el evangelista, según su oficio de narrador, brinda a sus lectores – no familiarizados con las costumbres judías – una serie de indicaciones y ejemplos para entender la narración.

Por nuestra parte notamos dos cosas necesarias para la comprensión del texto.

En primer lugar, que la distinción entre fariseos y escribas que hace Marcos no es del todo exacta pues había escribas dentro del grupo de fariseos, como el mismo evangelista nota en 2,16. El nombre de "fariseo" deriva del hebreo perûsîm y significa "separados", apodo posiblemente puesto por otros dado su estricta observancia de las reglas de pureza legal que los llevaba a apartarse-separarse de quienes no seguían estrictamente la ley, especialmente de los publicanos, pecadores y extranjeros. Los fariseos eran rígidos observantes de las leyes y de las tradiciones como lavarse antes de las comidas (cfr. Mc 7,3), diezmos, ayuno de los lunes y los jueves (cfr. Lc 18,12), oraciones y ritos. Más aún, bregaban por imponer estas tradiciones o costumbres a todo el pueblo de Israel. Dentro del grupo de los fariseos eran influyentes los miembros escribas, quienes interpretaban la Escritura a la luz de las tradiciones de los antepasados, adaptando las normas a la vida práctica. Estas tradiciones se referían principalmente a las costumbres y ritos que conformaban una especie de “ley oral” de la cual se consideraban sus guardianes e intérpretes[2]. Por todo esto se los llamaba también doctores de la ley, sabios o maestros (rabbí) y solían ser honrados por el pueblo y recibir los puestos de honor en la sinagoga (cfr. Mc 12,38-39).

Los fariseos, y en particular los escribas de este grupo, desde el comienzo del ministerio de Jesús tienen una actitud hostil hacia él y sus discípulos. Les cuestionan que coman con pecadores (cfr. 2,16); que no ayunen (cfr. 2,18); que arranquen las espigas en sábado (cfr. 2,24). La oposición llegó a un punto tal que se confabularon con los herodianos para matar a Jesús (cfr. 3,6).

En segundo lugar, notamos que el sentido de estos “usos y costumbres” de los fariseos y judíos en general va más allá de simples normas de higiene, como el lavarse las manos antes de comer. Se trata de una cuestión religiosa-cultual, por ello se habla de impureza y no de suciedad. En efecto, Israel es un pueblo separado y consagrado a Dios, por ello todos los aspectos de su vida deben reflejar esta santidad o pureza (cf. Lv 19,2; 22,31-33). De aquí la necesidad de la distinción entre lo puro y lo impuro; de lo que puede ofrecerse a Dios (puro) y lo que no se puede ofrecer por estar manchado (impuro), sean personas, animales, comidas u objetos. Porque además de los alimentos, también las personas y los utensilios para comer deben estar puros, o purificarse si han estado en contacto con algo impuro.

Después de estas aclaraciones (espero lo hayan sido), podremos entender mejor el cuestionamiento que hacen escribas y fariseos a Jesús por la conducta de sus discípulos: "¿Por qué tus discípulos no proceden de acuerdo con la tradición de nuestros antepasados (τὴν παράδοσιν τῶν πρεσβυτέρων), sino que comen con las manos impuras?" (Mc 7,5).

La respuesta de Jesús tiene cierta dureza y va a tono con el lenguaje de los profetas. De hecho, les aplica a los fariseos, llamándolos hipócritas (ὑποκριτῶν)[3], la frase de Isaías 29,13 que condena la dualidad o falta de integridad en la conducta de los israelitas contraponiendo lo exterior (los labios) a lo interior (el corazón); el mandamiento de Dios a las tradiciones humanas. En concreto y literalmente dice que “enseñan doctrinas o enseñanzas que son preceptos de los hombres” (διδάσκοντες διδασκαλίας ἐντάλματα ἀνθρώπων). Y luego Jesús añade que de este modo rechazan el mandamiento de Dios (τὴν ἐντολὴν τοῦ θεοῦ) para seguir las propias tradiciones o costumbres (τὴν παράδοσιν τῶν ἀνθρώπων) que se inventan con espíritu egoísta o acomodaticio (Mc 7,8). Al respecto comenta M. Galizzi[4]: “detengamos un poco en esta antítesis: labios-corazón, rendir culto-seguir preceptos humanos. En la primera antítesis, se describe la exterioridad, la apariencia, una vida no vivida en la intimidad del corazón. Cuando esto ocurre se es hipócrita, porque lo externo no se corresponde con lo que hay en el corazón, en los sentimientos y aspiraciones humanas. En la segunda, se describe un culto hipócrita porque está regido por preceptos humanos que dejan (7,8), quebrantan (7,9) y anula (7,13) los mandamientos de Dios. Las tradiciones, que tenían como objetivo ayudar en la observancia de la ley de Dios (lavarse las manos era un signo), en realidad han superado la ley. Por eso Jesús las condena”.

En el texto litúrgico omite unos versículos (7,9-13) dónde Jesús pone como ejemplo de la actitud hipócrita de los fariseos el que consagran a Dios sus bienes (corban) para no ayudar a sus padres anulando así el cuarto mandamiento de la ley de Dios.

Jesús se dirige luego a la gente para enseñarles su doctrina, para sentar su posición sobre esta cuestión. En concreto, Jesús declara que la pureza es ante todo una cuestión moral y, por tanto, depende de lo que el hombre hace, de lo que brota de su corazón entendido como sede de las decisiones. Nada de lo que entra en el hombre desde afuera (ἔξωθεν τοῦ ἀνθρώπου), como la comida, lo hace impuro; por el contrario, lo que sale del hombre (ἐκ τοῦ ἀνθρώπου), de su interior, es lo que lo hace impuro; y se concreta en acciones pecaminosas, ofreciendo una lista de vicios y pecados como ejemplo de las mismas. Como bien aclara J. Gnilka: “Es mucho más importante centrar la mirada en el propio corazón, del que sale todo aquello que mancha al hombre. En forma de secuencia de vicios – la única que aparece en los evangelios (y par Mt 15,18) – se describe lo que puede salir del corazón del hombre. La serie se compone de 13 vicios. Los malos pensamientos al comienzo son, al mismo tiempo, un compendio de todo lo que viene a continuación…En cuanto al contenido: robo, asesinato y adulterio se relacionan con el séptimo, quinto y sexto mandamientos del decálogo. Mt 15,18ss ha llevado más a rajatabla la armonización con el decálogo. Si exceptuamos los malos pensamientos y las malas miradas, los restantes vicios aparecen también en los catálogos del corpus paulinum (cf. Gal 5,19-21).”[5]

La posición que deja sentada Jesús en el marco de la controversia con los judíos es que la santidad o pureza moral es absoluta y esencial – y por tanto es la que realmente importa en la relación con Dios – mientras que la santidad o pureza ritual es relativa y no esencial.[6]

El versículo final es una conclusión, a modo de sentencia, de todo lo dicho hasta entonces: "Todas estas cosas malas proceden del interior (ἔσωθεν) y son las que manchan al hombre".

MEDITACIÓN:

En el documento preparatorio para el sínodo de los jóvenes, ellos mismos han manifestado que “necesitamos encontrar modelos atractivos, coherentes y auténticos”. Y también: “los jóvenes de hoy anhelan una Iglesia que sea auténtica”. Luego, en Cristo Vive n° 246 el Papa Francisco recogía las cualidades que los jóvenes esperan encontrar en un acompañante: “Las cualidades de dicho mentor incluyen: que sea un auténtico cristiano comprometido con la Iglesia y con el mundo; que busque constantemente la santidad; que comprenda sin juzgar; que sepa escuchar activamente las necesidades de los jóvenes y pueda responderles con gentileza; que sea muy bondadoso, y consciente de sí mismo; que reconozca sus límites y que conozca la alegría y el sufrimiento que todo camino espiritual conlleva”. Y la autenticidad aparece en primer lugar.

Este anhelo de los jóvenes coincide con el de Jesús, tal como nos muestra el evangelio de hoy. En efecto, Jesús reprocha en primer lugar a los fariseos por no ser auténticos sino hipócritas, porque lo que dicen con los labios no es lo que sienten con su corazón. Su vivencia de la fe es puramente exterior, ritualista; no adhieren de corazón al Señor

Al respecto decía el Papa Francisco en la audiencia del 25 de agosto de 2021: “¿Qué es la hipocresía? Se puede decir que es miedo de la verdad. La hipocresía tiene miedo de la verdad. Se prefiere fingir en vez de ser uno mismo. Es como maquillarse el alma, como maquillarse en las actitudes, como maquillarse en la forma de actuar: no es la verdad […] El hipócrita es una persona que finge, adula y engaña porque vive con una máscara en el rostro y no tiene el valor de enfrentarse a la verdad. Por esto, no es capaz de amar verdaderamente – un hipócrita no sabe amar – se limita a vivir de egoísmo y no tiene la fuerza de demostrar con transparencia su corazón.”

Junto a esto, Jesús acusa a los fariseos de haber anulado los mandamientos de Dios para seguir las tradiciones de los antepasados. Vale decir que Jesús denuncia la actitud de anteponer a la Palabra de Dios otras normas o prácticas de origen humano, no divino, y con esto terminan devaluando el mandamiento de Dios. Se trata de una actitud engañosa y acomodaticia, no auténtica, pues terminan falsificando la Palabra de Dios. Y nadie puede dudar de que esto es una tentación permanente de los creyentes y, por tanto, se trata de algo siempre actual, porque muchas veces nuestra fe se queda en las palabras y no nos entregamos de corazón al Señor; y otras tantas damos prioridad a modas religiosas por sobre las mismas palabras de Jesús en los Evangelios.

En segundo lugar, Jesús aborda la gran cuestión sobre lo que nos hace puros o impuros, esto es, sobre lo que nos vuelve agradables o desagradables a Dios; buenos o malos. Aquí Jesús declara la primacía de lo interior, del corazón. En efecto, Jesús nos enseña que el corazón es la morada del pecado, de aquí surgen los mismos, no de lo exterior. Pero también es cierto que el corazón es el lugar de la lucha entre la Palabra de Dios y la tentación; por tanto, es fundamental nuestra decisión por seguir al Señor evitando el mal y obrando el bien. Se trata de vivir la bienaventuranza de los limpios o puros de corazón, que son aquellos que no se contentan con la pureza exterior o ritual, sino que buscan la rectitud interior, la autenticidad, que excluye toda mentira y toda falsedad. Como bien comenta el P. Cantalamessa[7]: "la pureza de corazón no indica, en el pensamiento de Cristo, una virtud particular, sino una cualidad que debe acompañar todas las virtudes, a fin de que ellas sean de verdad virtudes y no en cambio «espléndidos vicios». Su contrario más directo no es la impureza, sino la hipocresía. La hipocresía es el pecado denunciado con más fuerza por Dios a lo largo de toda la Biblia y el motivo es claro. Con ella el hombre rebaja a Dios, le pone en el segundo lugar, situando en el primero a las criaturas, al público. «El hombre mira la apariencia, el Señor mira el corazón» (1 S 16, 7): cultivar la apariencia más que el corazón significa dar más importancia al hombre que a Dios".

Al respecto decía el Papa Francisco que Jesús “de esta manera subraya el primado de la interioridad, es decir, el primado del «corazón»: no son las cosas exteriores las que nos hacen o no santos, sino que es el corazón el que expresa nuestras intenciones, nuestras elecciones y el deseo de hacerlo todo por amor de Dios. Las actitudes exteriores son la consecuencia de lo que hemos decidido en el corazón y no al revés: con actitudes exteriores, si el corazón no cambia, no somos verdaderos cristianos”.

Y actualiza el texto con ejemplos muy concretos al decir: “Jesús quiere ponernos en guardia también a nosotros, hoy, del pensar que la observancia exterior de la ley sea suficiente para ser buenos cristianos. Como entonces para los fariseos, existe también para nosotros el peligro de creernos en lo correcto, o peor, mejores que los demás por el sólo hecho de observar las reglas, las costumbres, aunque no amemos al prójimo, seamos duros de corazón, soberbios y orgullosos. La observancia literal de los preceptos es algo estéril si no cambia el corazón y no se traduce en actitudes concretas: abrirse al encuentro con Dios y a su Palabra, buscar la justicia y la paz, socorrer a los pobres, a los débiles, a los oprimidos. Todos sabemos, en nuestras comunidades, en nuestras parroquias, en nuestros barrios, cuánto daño hacen a la Iglesia y son motivo de escándalo, las personas que se dicen muy católicas y van a menudo a la iglesia, pero después, en su vida cotidiana, descuidan a la familia, hablan mal de los demás, etc. Esto es lo que Jesús condena porque es un antitestimonio cristiano” (Ángelus 30 de agosto de 2015).

En fin, “Jesús denuncia aquí los males típicos de muchos hombres religiosos – los de su tiempo y los de cualquier otra época – para quienes es más importante servir al altar que a Dios, la obediencia legalista más decisiva que actuar según la voluntad divina, y la religión mucho más esencial que amar a Dios con todo el corazón, con toda la mente y con todas las fuerzas y al prójimo como a sí mismo”[8].

Vemos entonces que las dos cuestiones consideradas están íntimamente relacionadas. La actitud farisaica, que Jesús cataloga de hipócrita, se preocupa ante todo de lo exterior, de la apariencia, de las tradiciones de los antepasados, de la mirada y la aprobación de los hombres. Y al hacer esto, descuida lo interior, los mandamientos de Dios, la mirada y la aprobación de Dios, y niega el pecado que anida en su corazón, no lo combate, para terminar llevando una vida cristiana de labios para fuera. No es puro en su corazón, no verá a Dios.

PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):

Lo que sale de mí

Señor Jesús,

Purifica mi interior

Con tu Presencia.

Ten compasión de mí

Porque dentro mío ha quedado

El rastro del pecado,

Las heridas del camino.

Solo tu Amor infinito

Puede reparar lo dañado

Y hacerlo todo nuevo.

Necesito que guíes mis pasos

Para clavar en tu cruz

Mis frustraciones,

Mis pasiones, mis fracasos.

Te necesito a mi lado, y te ruego:

Pidas al Padre me envíe

Tu Espíritu Santo. Amén.



[1] Cf. J. Gnilka, El evangelio según San Marcos I (Sígueme; Salamanca 1992) 325.

[2] Cf. O. Vena, Evangelio de Marcos (SBU; Miami 2008) 149.

[3] “El significado original de esta palabra es “actor”, de donde viene su significado figurado, que designa a alguien que pretender ser quien no es, que juega un papel para engañar a los demás, que tiene dos caras, al igual que los actores del teatro griego, que se ponían máscaras […] La expresión “¡falsos!” se entendería muy bien en la cultura urbana de Argentina”, O. Vena, Evangelio de Marcos (SBU; Miami 2008) 150.

[4] Evangelio según san Marcos. Comentario exegético-espiritual (San Pablo; Madrid 2007) 144.

[5] El evangelio según San Marcos I, 332.

[6] Cf. J. Neusner – B. Chilton (ed.), In quest of the historical pharisees (Baylor University Press; Texas, 2007) 86.

[7] Primera predicación de cuaresma, 2007.

[8] E. Bianchi, Escuchad al Hijo amado, en él se cumple la Escritura, Sígueme, Salamanca 2011, 154.