PERDER PARA GANHAR-26ºT.C.-B

PERDER PARA GANHAR

26º DOMINGO DO TEMPO COMUM-ANO B

26/09/2021


Acesse as leituras de hoje neste link:

https://www.paulus.com.br/portal/liturgia-diaria

1ª Leitura: Números 11,25-29

Salmo Responsorial 18(19)-R- A lei do /senhor Deus é perfeita, alegria ao coração.

2ª Leitura Tiago 5,1-6

Evangelho Marcos 9,38-43.45.47-48

"38.João disse-lhe: “Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu nome, e lho proibimos”.* 39.Jesus, porém, disse-lhe: “Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim. 40.Pois quem não é contra nós, é a nosso favor. 41.E quem vos der de beber um copo de água porque sois de Cristo, digo-vos em verdade: não perderá a sua recompensa. 42.Mas todo o que fizer cair no pecado a um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que uma pedra de moinho lhe fosse posta ao pescoço e o lançassem ao mar! 43.Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o fogo inextinguível""45.Se o teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o fora; melhor te é entrares coxo na vida eterna do que, tendo dois pés, seres lançado à geena do fogo inextinguível""47.Se o teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor te é entrares com um olho de menos no Reino de Deus do que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo, 48.onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga."


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE

Arcebispo de Sorocaba SP

Ouvimos hoje: se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. Quem não fica perturbado com esta ameaça tão severa de Jesus.

O escândalo na Bíblia significa duas coisas: tropeço e obstáculo. No primeiro significado, indica algo que faz cair, que desvia do caminho, que leva ao pecado e à perdição. No segundo significado indica algo que impede e fecha o acesso, um muro que torna inacessível algo. Jesus quando fala de escândalo pensa nesses dois significados. Quando ele fala de escandalizar um destes pequeninos deseja dar a entender o primeiro significado. Trata-se de desviar os pequeninos do caminho da salvação, de fazê-los cair no pecado, de arrastá-los pelo exemplo, palavras e engano ao mal. Quando ele fala do olho, da mão e dos pés que escandalizam, quer destacar o segundo significado. Trata-se de algo que impede a entrada no Reino, de um obstáculo à salvação.

No caso do escândalo dos pequeninos há ainda o agravante de que o pecado de fazer cair no pecado envolve os fracos e os vulneráveis. Este escândalo é tão grave aos olhos de Jesus que ele usa a imagem de uma crueza incomum para indicar o castigo de tal pecado. O castigo para tal pecado é pior do que colocar uma pedra de moinho ao pescoço e ser jogado no mar!

Será que isso não é exagerado. Escandalizar os pequeninos que creem em Cristo é assim tão grave? Basta olhar ao nosso redor para descobrir como nós estamos nesta situação de escândalo ativo, continuado, organizado que inspirou a ameaça de Cristo. Quantos pequenos que creem em Cristo perdem a fé por causa de programas de televisão, filmes, jogos, conversar, espetáculos e até de aulas...

É só ouvir as letras de algumas músicas que nossas crianças e adolescente ouvem para perceber como eles são bombardeados com o que obsceno, imoral, feio e imbecil a todo momento, continuamente e em todo lugar. E se alguém ousa reclamar é taxado de obscurantista, carola, beato, intolerante. Fala-se a todo momento de que a arte deve ser livre, como se a arte tivesse a permissão de humilhar e ofender os cristãos, de vilipendiar o sagrado. Fala-se de realismo, como se a realidade fosse toda e somente a aberração sexual e a violência.

Temos motivo para tremer vivendo numa sociedade como a nossa que perverte os inocentes! Se não quisermos a condenação de Cristo precisamos com urgência oferecer às novas gerações a alternativa de viver com alegria o que é moral, o que é belo, o que é verdadeiro. Se não tivermos o cuidado de uma higiene mental e moral cotidiana e vigilante, a nossa sociedade receberá o castigo que já está às nossas portas.

Não podemos esquecer também do outro escândalo que é o de impedir as pessoas chegarem à fé. Quem é que coloca os maiores obstáculos para as pessoas crerem em Cristo. Nós mesmos! Muitos não têm fé por causa dos próprios cristãos que não vivem com coerência a própria fé. Se nó professamos a fé e prometemos viver o evangelho e depois, na vida, somos injustos com o próximo, insensíveis diante das necessidades e da dor, nós impedimos que as pessoas tomem a sério a Palavra de Jesus. É verdade que há também pessoas que não tem fé por preguiça ou por maldade. Mas há muitos que combatem a fé exatamente por causa do contratestemunho cristão.

Peçamos ao Senhor perdão por causa dos escândalos: dos escândalos que pervertem os pequenos e que nós permitimos que ainda aconteçam e dos obstáculos que nós pomos aos que não têm fé. Que a humilhação provocada pela consciência do pecado nos conduza à conversão urgente. Que a Palavra de Deus proclamada para abater e destruir, abata o nosso orgulho e a nossa falsa boa imagem de nós mesmos. Sobre a nossa humilhação e sobre o nosso arrependimento a Palavra de Deus tem o poder de fazer florir a conversão e a coragem para combater os escândalos e para não sermos nós o empecilho que impede o acesso à fé em Cristo.


Lutamos pela mesma causa

Com frequência, nós cristãos não conseguimos superar uma mentalidade de religião privilegiada que nos impede de apreciar todo o bem que é promovido em áreas longe da fé. Quase inconscientemente tendemos a pensar que somos os únicos portadores da verdade, e que o Espírito de Deus só age através de nós.

Uma falsa interpretação da mensagem de Jesus conduziu-nos, por vezes, a identificar o reino de Deus com a Igreja. Segundo esta concepção, o reino de Deus só se realizaria dentro da Igreja, e cresceria e estender-se-ia na medida em que cresce e se estende a Igreja.

E, no entanto, não é assim. O reino de Deus estende-se mais além da instituição eclesial. Não cresce só entre os cristãos, mas entre todos aqueles homens e mulheres de boa vontade que fazem crescer no mundo a fraternidade. Segundo Jesus, todo aquele que «expulsa demônios em seu nome» está evangelizando. Todo o homem, grupo ou partido capaz de «expulsar demônios» da nossa sociedade e colaborar na construção de um mundo melhor está, de alguma forma, a abrir caminho ao reino de Deus.

É fácil que também a nós, assim como aos discípulos, nos pareça que não são dos nossos, porque não entram nas nossas igrejas ou frequentam os nossos cultos. No entanto, segundo Jesus, «aquele que não está contra nós está a nosso favor».

Todos os que de alguma forma lutam pela causa do homem estão conosco. «Secretamente, talvez, mas na realidade, não há um só combate pela justiça – por mais equívoca que seja a sua origem política – que não esteja silenciosamente em relação com o reino de Deus, mesmo que os cristãos não o queiram saber. Onde se luta pelos humilhados, pelos esmagados, pelos fracos, pelos abandonados, aí combate-se na realidade com Deus pelo seu reino, saiba-se ou não, ele sabe-o» (Georges Crespy).

Nós cristãos devemos valorizar com alegria todas as conquistas humanas, grandes ou pequenas, e todos os triunfos da justiça que se alcançam no campo político, econômico ou social, por mais modestos que nos possam parecer. Os políticos que lutam por uma sociedade mais justa, os jornalistas que se arriscam para defender a verdade e a liberdade, os trabalhadores que conseguem uma maior solidariedade, os educadores que se esforçam por educar para a responsabilidade, mesmo que nem sempre pareçam ser um dos nossos, «estão a nosso favor», porque estão a trabalhar para um mundo mais humano.

Longe de nos acreditarmos portadores únicos da salvação, nós cristãos devemos acolher com alegria essa corrente de salvação que abre caminho na história dos homens, não só na Igreja, mas também junto a ela e mais além das suas instituições. Deus está a atuar no mundo.

Há mais espiritualidade no nosso corpo

Com sua presença e ternura, Jesus, no Evangelho de hoje, quebra as atitudes preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam proibições que impedem a manifestação da vida. Para Ele, toda pessoa que favorece a vida, em qualquer situação, é uma “aliada”, está “a nosso favor”. Ou seja, do Reino não se exclui ninguém; todos estão convidados. Todo aquele que sinceramente busca o bem e se compromete com a vida, está a favor do Reino.

Jesus reprime a postura sectária, preconceituosa e excludente de seus discípulos, e adota uma atitude aberta e inclusiva, onde o mais importante é libertar o ser humano de tudo o que lhe oprime. O estreitamento de mentalidade do discípulo João colide com a abertura do coração de Jesus.

Para o Mestre, o que conta é o bem que se faz. Jamais uma simples pertença grupal, uma simples afinidade ou mesmo proximidades culturais e cultuais, podem substituir o bem que se deve praticar. Conta o bem que só pode ser feito em nome de Deus; só Ele é a fonte única do bem. Deus só está presente onde se pratica o bem. O bem que se faz não é, em hipótese alguma, contradição a Deus. A força do bem é a condição única para alargar o horizonte e superar toda atitude preconceituosa estreita. E o bem se torna valor absoluto, definindo a condição do verdadeiro discipulado. Ser discípulo de Jesus, portanto, é compreender a vida como altar de ofertas para o bem.

O Mestre da Galileia revela o simples e, aparentemente, tão insignificante ato de oferta de um copo d’água como remédio que cura a rigidez do pré-conceito e vence a incapacidade de perceber a ternura acolhedora em cada gesto oblativo e sua importância na construção da vida e na recriação da dignidade humana. Vale um copo d’água que se dá. Vale pela importância sempre primeira do outro, não importa quem quer que seja, fazendo valer o princípio norteador do coração amoroso de Deus.

Jesus rompe toda tentação sectária em seus seguidores. Ele não constituiu seu grupo para controlar sua salvação messiânica. Ele não é rabino de uma escola fechada, mas Profeta de uma salvação aberta a todos. Jesus não é monopólio de ninguém. Todo aquele que está a favor do ser humano está com Jesus. Todo aquele que trabalha pela justiça, pela paz, pela liberdade... está em profunda sintonia com Ele. Há uma infinidade de pessoas de boa vontade que trabalham por uma humanidade mais digna, mais justa e livre. Nelas está atuando o Espírito de Jesus. Devemos senti-los como amigos e aliados, nunca como adversários.

O(a) seguidor(a) de Jesus deve ser sempre fermento de unidade e nunca causa de discórdia e exclusão. Jesus, como bom Mestre, aproveita da ocasião para denunciar o veneno que mata toda possibilidade para a vivência do bem, do amor, da verdade: é a presença do“escândalo”, tanto no nível pessoal quanto comunitário. De fato, como no tempo de Jesus, também vivemos em uma sociedade de escândalos, que utiliza e destrói os pequenos. Há escândalos de gastos militares, de mentiras políticas generalizadas, de riqueza ostentosa fruto da exploração dos mais frágeis, de corrupção e violência, de poder despótico...

Assim, o evangelho deste domingo situa o grande pecado que consiste em “escandalizar” os pequenos (utilizar, fazer cair, perverter, abusar) no plano social, religioso, econômico, sexual... Trata-se do domínio de vidas e consciências. Nesse contexto Jesus introduz a referência simbólica da mão, do pé e do olho que escandaliza ou destrói os outros, acrescentando que o seu seguidor é capaz de “cortar” a mão ou o pé ou de arrancar o olho, a fim de conservar-se “inteiro” para o Reino (não destruir os outros).

É preciso, portanto, redescobrir a espiritualidade do corpo e de todos os seus membros e órgãos, para sermos presenças compassivas, construtivas e amorosas. A resposta de Jesus é clara: “Corta tua mão, corta teu pé, arranca teu olho..., renuncia-te a ser o centro para que o outro possa viver e crescer!”. O corpo é mediação de comunhão, de encontro..., e todos os seus membros devem ser “cristificados”, ou seja, devem inspirar-se na corporalidade de Jesus. O ser humano é aqui pés, mãos e olhos, em visão ternária que se revela muito significativa. É evidente que o texto poderia ter acrescentado outros exemplos de membros vitais: língua, ouvidos... Mas, os três aqui citados condensam a totalidade humana no plano do fazer, decidir, desejar e são exemplo de um modo de proceder “cristificado” para toda a comunidade cristã.

Em primeiro lugar, “conhecemos Jesus pelos pés”; como peregrino, Ele sempre rompeu distâncias e fronteiras, fazendo-se próximo de todos para curar, animar, elevar, colocar o outro de pé. Jesus revela que cada passo deve ser uma oração e cada caminhar é um rosário de contas que marcam os caminhos da vida com a fé do caminhante.

Na última Ceia, quando Jesus se coloca aos pés dos seus discípulos, não se trata apenas de um gesto de humildade, mas sobretudo, de um gesto de cura e de amor. Porque não se pode amar alguém e olhá-lo de cima. E também não se trata de olhá-lo de baixo para cima, sendo-lhe submisso. É preciso colocar-se a seus pés para ajudá-lo a reerguer-se. Igualmente decisivas sãos as mãos; elas adquirem uma infinidade de formas (mãos estendidas, enérgicas, punho fechado, mãos abertas...). Quando estendemos os braços e tocamos o outro espontaneamente descobrimos a compaixão e a riqueza que existe em todos nós.

Jesus não ama à distância; Jesus demonstra seu amor abraçando, abençoando, tocando... Tocar ou nos sentir tocados é, em determinadas circunstâncias, a linguagem mais inteligível do amor. A religiosidade popular está repleta de atitudes que testemunham o fato de que, para quem tem o coração à flor da pele, “orar e tocar” são uma só e mesma coisa. Orar tocando é como reeditar as palavras de S. João: “Aquele que nossas mãos tocaram, disso damos testemunho” (1Jo. 1,1).

Por fim, o olhar é o recurso não verbal mais expressivo e sincero que possuímos: com um simples olhar podemos transmitir desde o ódio até uma declaração de amor ou de amizade. Os olhos são o “reflexo da alma”; muitas coisas que estão acontecendo no nosso interior vão se expressar na maneira como olhamos. “Cristificar” o olhar é entrar no fluxo do olhar compassivo de Jesus; com seu olhar intenso e penetrante Ele conseguia despertar a dimensão mais nobre e original em cada pessoa. Seus olhares falavam por si sós, pois transmitiam sentimentos, desejos e afetos, sem necessidade de usar nenhuma palavra.

A revelação bíblica nos diz que Deus vem ao nosso encontro pelo mais cotidiano, mais banal e próximo dos portais: os cinco sentidos, os membros e os órgãos de nosso corpo. Eles são grandes entradas e saídas da nossa humanidade vivida. É preciso aprender a reconhecê-los como “lugares teológicos”, isto é, como território privilegiado não apenas da manifestação de Deus, mas como possibilidade de relação com Ele.

A vida é o imenso laboratório para a atenção, a sensibilidade e o espanto que nos permite reconhecer em cada instante os passos do próprio Deus em nossa direção, suas mãos providentes e cuidadosas que nos sustentam, seu olhar compassivo que nos acolhe. O corpo que somos é uma gramática de Deus: nele aprendemos a andar como Deus, a tocar como Deus, a olhar como Deus...

Para meditar na oração:

Este é um momento para examinar minhas mãos, meus pés e meus olhos: eles são mediação para o encontro ou para o escândalo na relação com os outros?

- Que tenho de arrancar-me, que devo “perder” para não escandalizar, ou seja, para que os outros possam viver?

- Que deve a Igreja arrancar de si mesma para não servir de escândalo aos pequenos?

- E nossa sociedade em geral, nossa política e economia neoliberal... que terá de arrancar e cortar para que os pobres possam viver com mais dignidade?