O CEGO DE JERICÓ-30º TC

30º DOMINGO DO TEMPO COMUM -  ano A

29/10/2023

(Último domingo do mês missionário). 

(Atualizaremos esta página no sábado dia 28)

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO

1ª Leitura: Êxodo 22,20-26 

Salmo Responsorial 17(18)R- Eu vos amo, ó Senhor, sois minha força e salvação.  

2ª Leitura: 1 Tessalonicenses 1,5c-10 

Evangelho Mateus 22,34-40

Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então se reuniram, 35    e um deles, um doutor da Lei, perguntou-lhe, para experimentá-lo: 36    “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” 37Ele respondeu: “‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!’ 38  Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39        Ora, o segundo lhe é semelhante: ‘Amarás teu próximo como a ti mesmo’. 40    Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos”.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Mt 22,34-40

Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Quatro perguntas e quatro respostas mostram a crescente tensão com as autoridades judaicas (os fariseus, os herodianos e os saduceus). Três vezes Jesus é interrogado, a quarta é Ele que faz a pergunta e os deixa sem resposta. As perguntas e os interlocutores vão mudando: a primeira sobre o tributo a César (discípulos dos fariseus e herodianos), sobre a ressurreição (saduceus), sobre o preceito máximo (um fariseu com título de doutor), sobre o filho de Davi. Podemos classificar aproximadamente: a primeira é política, a segunda, teológica, a terceira, ética, e a quarta, messiânica.

Jesus ia vencendo os adversários que contra Ele se atiravam. Os fariseus ficaram tão impressionados que sentiram que o caso exigia outra reunião para traçar planos e mudar a estratégia. Por isso resolvem atacar a teologia com o objetivo de desacreditar Jesus.

Há uma maldade deliberada contra Jesus. A pergunta não é feita com a intenção de ser discípulo. Tratava-se de uma tentativa maliciosa de lançar Jesus no descrédito.

Mestre, qual é o maior mandamento da lei? Uma das principais disputas entre as várias facções rivais das escolas religiosas girava em torno da prioridade dos mandamentos. O doutor da lei certamente se orgulhava de seu conhecimento sobre essas questões e esperava deixar Jesus perplexo. Imaginava que Jesus era menos preparado do que ele por não ter frequentado suas escolas teológicas. 

Os fariseus enumeravam 248 (duzentos e quarenta e oito) preceitos afirmativos (tanto quantos os membros do corpo humano) e 365 (trezentos e sessenta e cinco preceitos negativos), tanto quanto os dias do ano; o que dá o total de 613 (seiscentos e treze preceitos), número das letras do decálogo, no original hebraico.

Jesus poderia ter teoricamente indicado diversas coisas como o mandamento mais importante: o dízimo, as cerimônias, a observância do sábado, a oração, etc. 

Dentre os 613 mandamentos, Jesus escolhe. A escolha não é aleatória, nem arbitrária. Ela é a escolha de Jesus sempre, em todas as ocasiões, em todas as ações, em todas as suas vontades, em toda a sua vida! A resposta de Jesus não se refere somente ao mandamento mais importante, mas busca o princípio que unifica a vida de Jesus e sua missão.

Tal como os marinheiros encontram sua posição pelo firmamento e descobrem o lugar em que estão, tal como os aparelhos de GPS indicam a posição e a direção de uma viagem, esse primeiro mandamento nos revela quem somos, qual é nossa vocação e destino. Como não somos (nem deveríamos ser) guiados pelas luzes de outros navios, assim nossa existência não é guiada pelos outros. Caminhamos com os irmãos, mas não para eles. Sem orientação nossa vida se torna um caos e nos perdemos em meio ao ativismo.

“Amarás o Senhor teu Deus” indica que somos criaturas, que nossa natureza é a de ser criaturas em relação de dependência ao Criador. É a linha vertical da nossa vida. Sobre ela repousa o sentido de nossa existência. 

Mais. “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19). Ser criatura de Deus não significa somente dependência, submissão e impotência; é também nossa dignidade, grandeza e vocação: refletir o amor que Deus é. Deus é amor e somos criados à sua imagem e semelhança.

Para amar Deus é necessário o amor elevado ao seu mais alto grau, com tudo que há em nós e somos: coração, alma, entendimento: “Amar Deus” é o maior mandamento não somente no sentido de uma prioridade em relação aos outros mandamentos. É o maior no sentido que de que dá valor a toda obediência. A vida assume significado porque Deus existe e é o destino de nossa existência e peregrinação desta vida. Se removermos Deus, perdemos nossa estrela guia e o sentido de tudo.

O segundo é semelhante a esse. Jesus ensina que são incompatíveis a devoção a Deus e o abuso contra nossos irmãos. O amor é a base de todas as nossas ações humanas razoáveis e dignas. O amor a Deus requer amor ao próximo.

Amar o próximo significa tratá-lo como fim e não como meio. Significa que deve ser respeitado por aquilo que é, devido ao valor de sua própria individualidade e pessoa, e não por causa do proveito e do benefício que podemos extrair de nossa amizade com ele.

Como a ti mesmo. Cuidar de nós mesmos é algo muito intenso e “espontâneo”. Damos atenção à nossa alimentação, à nossa educação, queremos ocupar uma boa posição na sociedade, que sejam respeitos os nossos direitos, evitamos os acidentes e as doenças. Até mesmo coisas ínfimas (o perfume, as roupas que usamos, os objetos que compramos, o carro que dirigimos), quando estão relacionadas à nossa pessoa, se tornam coisas importantes para nós.

Jesus nos ensinou que esse amor natural por nós deve ser transferido para os outros. Jamais seremos transformados segundo a imagem de Cristo, enquanto não aprendermos a amar os outros com a mesma intensidade, prontidão e espontaneidade com que amamos a nós mesmos.

Jesus nos ensinou a manter esses dois amores unidos: o amor a Deus é primeiro na ordem do preceito, o amor ao próximo é o primeiro na ordem prática. 



O salto para o encontro -Adroaldo Palaoro

 

A imagem do cego à beira do caminho de Jericó pode ser um ocasião privilegiada para "des-velar" (tirar o véu) o sentido do nosso seguimento de Jesus. Seguimento que implica, ao mesmo tempo, “ter os olhos fixos” em Jesus e “os ouvidos afinados” para escutar o clamor que vem das margens. Esta cena pode também ser um momento oportuno para “descer” em nossa interioridade e ali encontrar os “bartimeus” que nos habitam e que estão gritando por luz: feridas, fracassos, traumas, experiências não integradas, fatos não processados...

 

À beira do caminho, Bartimeu é o símbolo da marginalização: está fora do caminho, jogado na sarjeta, sem poder se mover, percebendo como os outros passam e dependendo deles. O contexto social e religioso já tinha determinado ao cego o seu lugar (a exclusão), mas ele não se resigna. Continua procurando superar sua situação apesar da oposição das pessoas. Sentiu, na passagem de Jesus por ele, a oportunidade única para expressar sua carência e gritou.

 

O cego nunca imaginaria que a Luz estaria passando a seu lado e que tinha chegado para ele a ocasião única de deixar-se iluminar por ela. Por isso, o único meio para expressar seu profundo desejo de sair de sua escuridão era a sua voz; pôs-se a gritar com todas as suas forças e a chamar o caminhante de “Filho de Davi”. Seus gritos despertaram uma reação negativa naqueles que acompanhavam Jesus e, em seguida, tentaram levantar diante do cego um muro de recriminações e proibições. Mas o cego continuou a gritar esperando que sua voz alcançasse Aquele que estava do outro lado do muro, antes que continuasse caminhando e afastando-se dele.


Mais uma vez, aparece a sutil ironia de Marcos: os que seguiam a Jesus eram um obstáculo para que o cego se aproximasse d’Ele. Os mais próximos a Jesus continuavam sem ver.

 

O cego imediatamente ouviu outra voz que se dirigia a ele e fazia saltar pelos ares a distância que os separava: “Chamai-o”. Em menos de uma linha se repete por três vezes o verbo “chamar”. O chamado antecede sempre ao seguimento.

 

O menor gesto de acolhida foi suficiente para o cego jogar o manto, dar um salto, andar tateando e com cuidado e se aproximar junto d’Aquele que o havia chamado. Agora confia, embora não veja ainda.

 

O manto representa o que havia sido até o momento: era seu refúgio que agora se converte em um estorvo. Ao jogar seu manto para o lado, poderíamos dizer que o cego abriu mão daquilo que o protegia e retira a máscara atrás da qual havia se escondido. Quer ir até o Mestre do jeito que é: com toda sua necessidade e impotência; levanta-se com um pulo, como que eletrizado pelo convite de Jesus.

 

Toda sua esperança está agora focada no “Filho de Davi”.

 

O Mestre não retira de imediato a cegueira de Bartimeu. Primeiro quer conhecê-lo, verificar suas reais motivações, se há um querer verdadeiro... Com sua pergunta -“o que queres que te faça?” -, Jesus o desafia a contar mais a seu respeito, dirige-se à sua vontade: o que você quer realmente?

 

Essa pergunta faz com que o cego entre em contato consigo mesmo e com seu anseio mais profundo.

 

Jesus, como um bom terapeuta, pergunta ao paciente: “O que você quer de mim? Por que me procurou? O que deseja alcançar? E o que deseja que eu faça?”. São questionamentos desse tipo que movem o paciente a voltar-se a si mesmo e a verificar se há um desejo profundo de sair de sua situação ferida. Assim, ele assume sua parte na responsabilidade pelo processo terapêutico ou de ajuda espiritual; ao mesmo tempo, a tarefa do terapeuta ou do acompanhante espiritual é claramente definida.

 

Quando Jesus se detém, chama Bartimeu e lhe dirige uma pergunta motivadora, abrindo-se ao diálogo e concedendo voz e palavra, na realidade Ele está afirmando que o mais decisivo não é a enfermidade, mas a humanidade da pessoa do cego. Sua pergunta desata outras tantas possibilidades e recursos que ainda estavam atrofiados no interior daquele homem.

 

A imagem do cego à beira do caminho se revela como instigante e provocativa: muitas vezes, nossa vivência do seguimento de Jesus pode cair no marasmo, sonolência, estagnação, medo, repetição, inércia e fixismo. Mas ela pode ser conduzida também com sabedoria e imaginação; há um momento em que é preciso “dar o salto”: isso requer coragem, ousadia, agilidade e mobilidade para ir adiante na longa jornada que a vida nos apresenta.

 

Nosso interior contém potencial para vencer a inércia e superar o medo do desconhecido, do fracasso, da desilusão... Carregamos sonhos e desejos, mas podemos correr o risco de convertê-los em uma contínua espera, em algo que não se materializa. Para alcançá-los, temos de saltar, temos de nos separar do solo para poder chegar até eles. Esse instante, ou esse tempo, produz-nos vertigem, o medo pode nos paralisar.

 

O solo são nossas seguranças, o conhecido, o que já temos. O solo é nossa realidade. Renegar o solo que nos sustenta é viver maldizendo nossa realidade, não a aceitando. Aquele que não conhece e não aceita o solo no qual pisa não pode saltar. Outros, no entanto, estão tão apegados ao solo que é impossível para eles dar o salto. A realidade para eles é como o asfalto nos dias calorosos de verão: os calçados ficam colados ao chão. Estão tão presos ao presente imediato, impedidos de serem ousados no salto criativo.

 

Para dar o salto ousado é preciso fazer como o cego Bartimeu: desvencilhar-nos de nosso manto, fardo inútil e peso que nos imobiliza à beira do caminho. É ele que impede nossa agilidade e mobilidade no seguimento de Jesus; são nossos apegos, nossas falsas seguranças, nosso comodismo... É preciso também recordar, ao mesmo tempo, que não podemos lamentar o solo que pisamos; ativar a atitude de gratidão por cada trecho do caminho, por cada salto feito, pelos momentos de risco e frios na barriga. No fundo, é preciso ter a tranquila certeza de que saltar é humanizador e plenificante.

 

É importante descobrir o real significado do salto que nos arranca do passado paralisante e nos lança na aventura que modela a vida pessoal, social, ética, religiosa, histórica... O salto inteligente estimula a criatividade e rejeita a mediocridade. Para isto, devemos suscitar e cultivar o legítimo “salto”, que é fenômeno inovador e fecundo. Isso implica pisar o solo com a confiança de que sabemos que a vida está cheia de novas possibilidades, de metas que ainda não superamos, de encontros que ainda não se realizaram, de chamados aos quais ainda não respondemos, de compromissos ainda não assumidos...

 

Construir a vida que queremos implica saber saltar, saber partir e deixar para trás nossa situação de comodidade, os lugares cotidianos onde nos movíamos como peixe na água, onde nos sentíamos seguros.

 

O salto lúcido mantém o olhar vigilante, de discernimento: em que direção saltar?

 

Para meditar na oração:

 

O salto autêntico reclama coragem àquele que está prostrado; de tempos em tempos, precisamos de saltos que nos ajudem a superar o medo e nos garantam a autonomia e a construção de nossa própria história.

 

Há um impulso interior que nos convida a saltar do conhecido ao novo: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica momentos de risco, mas também ali está a serena confiança de que podemos e queremos saltar. Não no vazio, mas no encontro.

 

A oração é o ambiente natural para concentrar-se e preparar-se para o grande salto da vida.

 

- O que lhe impede desapegar-se do “manto” que lhe dá a falsa sensação de segurança e conforto?

 

- Que saltos mais ousados você está precisando realizar neste momento de sua vida?

 

- “Faça memória” dos “saltos” que foram significativos em sua vida...

 

 Um grito incomodo- José Antonio Pagola

 

Jesus sai de Jericó a caminho de Jerusalém. Vai acompanhado pelos seus discípulos e por mais pessoas. De repente, escutam gritos. É um mendigo cego que, da beira do caminho, se dirige a Jesus: «Filho de David, tem compaixão de mim!».

 

A sua cegueira impede-o de desfrutar a vida como os outros. Ele nunca poderá peregrinar até Jerusalém. Além disso, fechar-lhe-iam as portas do templo: os cegos não podiam entrar no recinto sagrado. Excluído da vida, marginalizado pelo povo, esquecido pelos representantes de Deus, só lhe resta pedir compaixão a Jesus.

 

Os discípulos e seguidores irritam-se. Aqueles gritos interrompem a sua marcha tranquila em direção a Jerusalém. Não podem escutar em paz as palavras de Jesus. Aquele pobre incomoda. Há que silenciar os seus gritos. Por isso, «muitos o repreendiam para que se calasse».

 

A reação de Jesus é muito diferente. Não pode seguir o seu caminho ignorando o sofrimento daquele homem. «Detém-se», faz com que todo o grupo pare e pede-lhes para que chamem o cego. Os seus seguidores não podem caminhar atrás dele sem escutar as chamadas dos que sofrem.

 

A razão é simples. É dito por Jesus de mil maneiras, em parábolas, exortações e ditados soltos: o centro do olhar e do coração de Deus são os que sofrem. Por isso, Ele os acolhe e se vira para eles preferencialmente. A sua vida é, acima de tudo, para os maltratados pela vida ou pelas injustiças: os condenados a viver sem esperança.

 

Incomoda-nos os gritos dos que vivem mal. Pode irritar-nos encontrá-los continuamente nas páginas do evangelho. Mas não nos está permitido «mutilar» a sua mensagem. Não há Igreja de Jesus sem escutar os que sofrem.

 

Estão no nosso caminho. Podemos encontrá-los em qualquer momento. Muito perto de nós ou mais longe. Pedem ajuda e compaixão. A única postura cristã é a de Jesus perante o cego: «Que queres que faça por ti? ». Esta deveria ser a atitude da Igreja perante o mundo daqueles que sofrem: que queres que faça por ti?

  


Bartimeu, o cego de Jericó, discípulo modelo para todos nós-Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

 

Comentando

Finalmente, após longa travessia, chegam a Jericó, última parada antes da subida para Jerusalém. O cego Bartimeu está sentado à beira da estrada. Não pode participar da peregrinação que acompanha Jesus. Mas ele grita, invocando a ajuda de Jesus: “Filho de Davi! Tem comapixão de mim!” O grito do pobre incomoda. Os que acompanham Jesus tentam abafá-lo. Mas “ele gritava mais ainda!” E Jesus, o que faz? Ele escuta o grito, para e manda chamá-lo! Os que queriam abafar o grito incômodo do pobre, agora, a pedido de Jesus, são obrigados a ajudar o pobre a chegar até ele.

Bartimeu larga tudo e vai até Jesus. Não tem muito. Apenas um manto. Mas era o que tinha para cobrir o seu corpo (cf. Ex 22,25-26). Era a sua segurança, o seu chão! Jesus pergunta: “O que você quer que eu faça?” Não basta gritar.

Tem que saber por que grita! “Mestre, que eu possa ver novamente!” Bartimeu tinha invocado Jesus com ideias não inteiramente corretas, pois o título “Filho de Davi” não era muito bom. O próprio Jesus o tinha criticado (Mc 12,35-37). Mas Bartimeu teve mais fé em Jesus do que nas suas ideias sobre Jesus. Assinou em branco. Não fez exigências como Pedro. Soube entregar sua vida aceitando Jesus sem impor condições. Jesus lhe disse: “Tua fé te curou!” No mesmo instante, o cego recuperou a vista. Largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário (10,52).

Sua cura é fruto da sua fé em Jesus (Mc 10,46-52). Curado, Bartimeu segue Jesus e sobe com ele para Jerusalém. Tornou-se discípulo modelo para Pedro e para todos os que queremos “seguir Jesus no caminho” em direção a Jerusalém: acreditar mais em Jesus do que nas nossas ideias sobre Jesus! Nesta decisão de caminhar com Jesus estão a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz. Pois a cruz não é uma fatalidade, nem uma exigência de Deus. Ela é a consequência do compromisso assumido com Deus de servir às irmãs e aos irmãos e de recusar o privilégio.

Alargando

A fé é uma força que transforma as pessoas

A Boa Nova do Reino anunciada por Jesus era como um fertilizante. Fazia crescer a semente da vida que estava escondida no povo, escondida como fogo em brasa debaixo das cinzas das observâncias sem vida. Jesus soprou nas cinzas e o fogo acendeu, o Reino desabrochou e o povo se alegrou. A condição era sempre a mesma: crer em Jesus.

A cura de Bartimeu (Mc 10,46-52) explicita um aspecto muito importante da longa instrução de Jesus aos discípulos. Bartimeu tinha invocado Jesus com o título messiânico “Filho de Davi” (Mc 10,47). Jesus não gostava deste título (Mc 12,35-37). Porém, mesmo invocando Jesus com ideias não inteiramente corretas, Bartimeu teve fé e foi curado.

Diferentemente de Pedro (Mc 8,32-33), Bartimeu acreditou mais em Jesus do que nas ideias que tinha sobre Jesus. Converteu-se, largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário (Mc 10,52). A compreensão plena do seguimento de Jesus não se obtém pela instrução teórica, mas sim pelo compromisso prático, caminhando com ele no caminho do serviço, desde a Galileia até Jerusalém.

Quem insiste em manter a ideia de Pedro, isto é, do Messias glorioso sem a cruz, nada vai entender de Jesus e nunca chegará a tomar a atitude do verdadeiro discípulo. Quem souber crer em Jesus e fazer a “entrega de si” (Mc 8,35), aceitar “ser o último” (Mc 9,35), “beber o cálice e carregar sua cruz” (Mc 10,38), este, como Bartimeu, mesmo tendo ideias não inteiramente corretas, conseguirá enxergar e “seguirá Jesus no caminho” (Mc 10,52). Nesta certeza de caminhar com Jesus estão a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz.

  

Cura do cego de Jericó-Pe. Nelito Nonato Dornelas


1- Situando-nos

Jesus fez muitos milagres, curou doenças, multiplicou os pães, ressuscitou mortos, em meio a todas suas atividades para anunciar a Boa Nova do reino. Em primeiro lugar é bom que se diga que, esses sinais milagrosos, não eram para Jesus o aspecto principal de sua missão, pois, pode-se dizer que, para o poder que ele tinha, fez poucos milagres. Não era a isto que se dedicava. Para além dos milagres, está a preocupação final de Jesus não somente com o bem estar material das pessoas que curou, e sim o despertar da fé e a promoção da salvação dos pecados pessoais e sociais, a libertação moral e integral das pessoas. Ele manifesta isso nas palavras dirigidas ao cego Bartimeu: a tua fé te curou! O cego recupera a visão pela fé. A visão, pura e simples, não o teria levado, necessariamente, à fé, porque sua cura é fruto de sua fé em Jesus e não consiste apenas em recuperar a vista, mas em sua entrega ao seguimento pelo caminho. Seguir Jesus, na perspectiva do reino, é o horizonte para onde apontam os milagres.

No caminho para Jerusalém, cidade que mata impiedosamente seus profetas, Jesus caminha resolutamente e passa por Jericó, às margens do rio Jordão e a 30 km de Jerusalém. Vai se juntar a Jesus um acompanhante especial: um mendigo cego que estava sentado à beira do caminho, com seu manto estendido para recolher esmolas. Este homem, ao ficar sabendo que pelo seu caminho vinha Jesus, começou a gritar com força para superar o barulho da multidão e todos os obstáculos: Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!

Jesus mandou chamá-lo, contrariando a vontade de seus discípulos, que queriam silenciá-lo. À pergunta de Jesus, o quê quer que eu lhe faça? a resposta do cego é óbvia: Mestre, que eu enxergue!

Ao afirmar que sua fé o curou, Jesus queria deixar claro que a fé do suplicante desencadeia os favores divinos.

No mesmo instante o cego recobrou a vista e seguia Jesus pelo caminho, abandonando o manto, o único bem que possuía. O manto simboliza sua vida anterior, as falsas seguranças de sua pobre condição humana. Ele não necessita mais da sociedade estabelecida, por que inicia uma vida nova.

Ao abrir os olhos de Bartimeu, Jesus se revela a todo o povo de Israel, pois fazer um cego enxergar era sinal messiânico de destaque e Bartimeu tornou-se o representante do cumprimento dessa profecia. Jesus não lhe proíbe publicar o acontecido. Pelo contrário, ele segue Jesus, pois é chegada a hora de revelar seu messianismo, não somente aos iniciados, mas à multidão reunida em Jerusalém.

Jesus não faz nenhum gesto de cura, porque a fé do cego era de excelente qualidade. Como último milagre de Jesus, este fato tem um sentido catequético, pois na pessoa de Bartimeu, temos a figura do discipulado radical: verdadeiro discípulo é aquele que, pela fé, enxerga e segue a Jesus.

Este seu desejo de enxergar supera a profissão de fé de Simão Pedro que, após confessar Jesus como Messias, queria impedi-lo de sofrer. Supera os doze apóstolos que, disputavam entre si, quem seria maior no reino e também os filhos de Zebedeu que buscavam privilégio. Ele é o modelo de toda pessoa que precisa abrir os olhos, tomar consciência, comprometer-se e seguir Jesus até o fim.

2- Recordando a Palavra

Primeira leitura- Jeremias 31,7-9. A restauração da vida comunitária dos cegos, no tempo messiânico, é uma profecia que alimentou a esperança do povo de Israel e Samaria, deportados em 721 a.C. Foi reinterpretada também para ajudar aos exilados em 586 a.C.

Na profecia de Jeremias 3, 18, Deus mesmo reunirá as tribos dispersas e as consolará. A cura de cegos e coxos é a mais bela imagem da Utopia Messiânica: uma cidade onde não mais houvesse cegos e coxos mendigando e o povo respondendo à comiseração de Deus, cantando, saltando, dançando e pulando de alegria (Sl 118 e Mc 11,9).

Segunda leitura - Hebreus 5, 1-6. Jesus é o único escolhido entre os homens para ser sumo e eterno sacerdote, como mediador e pontífice entre Deus e a humanidade. O sumo sacerdote no Antigo Testamento deveria comiserar-se dos fracos, por ser ele também um ser humano rodeado de fraquezas. Mas esta vocação foi, muitas vezes, deturpada.

A eleição de Jesus dá pleno comprimento a estas exigências. Sua misericórdia mostra-se, sobretudo, na sua agonia, gemidos, gritos, suor e lágrimas. Sua vocação e eleição realizam o sentido messiânico expresso nos Salmos 2 e 110.

Evangelho - Marcos 10, 46–2.O último milagre de Jesus em Marcos está no final de sua caminhada a Jerusalém, na cura do cego de Jericó, o Bartimeu. Há um cumprimento das profecias messiânicas em Jesus, o filho de Davi.

aNa cura do cego, Jesus expressa sua compaixão por aquele que está à margem do caminho. Surge uma contradição: os discípulos continuam cegos e querem afastá-lo de Jesus e abafar seu grito. Aquele que era cego passa a enxergar e se faz discípulo de Jesus. Esta cegueira continuará nos discípulos, até mesmo na hora da cruz, pois foi um pagão que proclamou a profissão de fé em Jesus como o Filho de Deus (Mc 15,39).

3- Atualizando a Palavra

Nos domingos anteriores acompanhamos Jesus e os apóstolos na caminhada rumo a Jerusalém, que foi uma grande instrução sobre como seguir a Jesus e assumir a cruz. Vimos também que essa instrução encontrou cabeças duras impenetráveis.

O cego Bartimeu de Jericó é a expressão dos gritos da fé dos pobres e marginalizados. Essa fé o curou e o libertou de todas as amarras e mazelas, tornando-o modelo para quem assume o discipulado radical. Ao estar sentado à beira do caminho, cego e mendigando, sua situação lembra todos os que vivem à margem da sociedade, cuja sobrevivência depende da compaixão das pessoas. Depois de enxergar, iluminado por Jesus, ele não voltará mais à sociedade que o marginalizou, mas o seguirá no caminho.

A sociedade que manda o cego calar é a mesma que tenta silenciar o Mestre, eliminando-o. Fazem isso por medo, pois Jesus é aquele que aproxima os marginalizados, chama-os pelo nome, toca-os, liberta-os e com eles estabelece comunhão. Fazem de tudo para silenciar quem perturba as consciências adormecidas, agita e desestrutura tudo que está estabelecido, invertendo as regras do jogo e denunciando a cegueira de quem afirma enxergar. Estes são os profetas do agouro que tentam abafar o clamor de um povo, que se sabe criado para ser livre.

A cura de Bartimeu é um sinal, uma luz que se acende nas trevas da cegueira, símbolo da incredulidade. Ele representa o ser humano desamparado, cego e mendicante, mas, ao mesmo tempo, alguém resoluto e tenaz, que não se envergonha de gritar e reconhecer-se limitado e não deixa passar ao largo a oportunidade que lhe surge. Todos, em maior ou menor grau, estamos refletidos em Bartimeu, necessitados de luz, de alegria e de salvação. Resta-nos, clamar, ficar de pé, abandonar nosso manto, aproximar e alcançar a cura interior e exterior que nos capacita para a libertação.

A fé nos dá olhos novos para ver a vida. Necessitamos crer para ver, como no caso de Bartimeu, crer para curar a nossa cegueira. Uma fé que é capaz de curar a cegueira, não é cega, mas, pelo contrário, é luz que ilumina a vida do ser humano. Fé cristã é uma forma de nos colocarmos responsavelmente diante da vida, superando o fatalismo, o fanatismo e o egoísmo.

A história da humanidade está repleta de testemunhas, homens e mulheres, convertidas a Deus e ao serviço dos irmãos, que fizeram uma estremecedora experiência com a pessoa de Jesus e ganharam olhos novos para contemplar o mundo com os olhos de Deus.

Os sinais milagrosos de Jesus não têm por objeto solucionar o problema do mal no mundo. Não era essa a sua missão. Eram sinais de uma libertação mais radical que só pode ser compreendida através da fé. Nosso compromisso com a superação das causas da miséria e a dor, a favor da Justiça é carregada da consciência de que nossa contribuição insubstituível e decisiva é o anúncio da fé e a libertação da raiz das servidões do pecado. Nossa evangelização deve ser fiel àquilo de que é testemunha: o compromisso com a justiça e a graça que alimenta a fé nos salva e nos compromete com a superação de toda exclusão.

A Palavra ilumina, a oração e os sacramentos fortalecem o compromisso com a justiça, assumido pela fé. Mas a fé tem o seu próprio caminho. Este caminho encontra sua descrição na profecia da volta jubilosa dos exilados à pátria, numa grande liturgia messiânica.

Para este caminho da fé, Jesus chama a todos, também aos fracos, os coxos e cegos para a grande volta e os enche de consolação e alegria. Na profecia de Jeremias torna-se fácil ler nas entrelinhas as características da conversão,à qual, também nós, somos continuamente chamados. Trata-se de um refazer, de voltar o caminho percorrido, da libertação de uma escravidão humilhante e a redescobertade uma alegria antes esquecida.

O caminho da fé é nos sentimos, de novo, cercados pelos braços amorosos do Pai que nos acolhe outra vez em seu amor.

A liturgia de hoje nos apresenta um itinerário de conversão e de abertura à gratuidade do amor incondicional de Deus e a participação ativa do ser humano em busca da terra prometida.

Temos aí um verdadeiro ritual catecumenal, cujas etapas sucessivas descreve a iniciação à vida cristã. Tudo começa por uma manifestação de Jesus na vida de quem está à beira do caminho, de forma misteriosa, dialogante, respeitosa e includente. O cego não vê Jesus, mas tem a intuição da presença do Senhor nos acontecimentos de sua vida. Ele já exprime sua fé entregando-se à iniciativa salvífica de Deus e é necessária toda coragem para manter o propósito de abertura aos apelos do Mestre. O candidato à fé se sente assim amado e encorajado para dar o salto na vida.

Converter-se, levantar se, ressuscitar e lançar fora o manto ou despojar-se do homem velho tornam-se sinais do compromisso definitivo no seguimento a uma pessoa que não o abandonará no caminho.

4- Ligando a Palavra com a ação litúrgica

No episódio do cego curado, apresenta-se um itinerário para o discipulado hoje:

1- libertar a consciência dos que estão sentados à beira do caminho, conformados, vivendo de esmolas e migalhas que caem da sociedade opulenta e excludente;

2- Assumir o compromisso transformador, iluminado pela fé, unindo nosso clamor aos de Jesus, dirigidos ao Pai, comprometidos com os cegos e marginalizados da sociedade;

3- Levantar-se, abandonar nossos mantos, caminhar ao encontro de Jesus, apresentando-lhe nossos desejos mais profundos.

Para captar os sinais de Deus na história humana,no caminho pessoal de cada um e, sobretudo, na pessoa de Jesus, o grande sinal do Pai é o sacramento do encontro do ser humano com Deus.

A fé e o amor estão em mútua referência, pois a fé autêntica se mantém ativa pela caridade.

Deus é pai dos sofredores e indefesos,dos marginalizados e oprimidos,que são sua família, seus filhos primogênitos, aos quais está reservada a herança do Senhor.

As comunidades cristãs já tomaram consciência disso? O que tem feito para devolver a vida aos que dela foram privados? O cego Bartimeu representa a todos os que desejam seguir Jesus até o fim. O que significa, dentro da realidade brasileira, não se calar e jogar fora o manto, enxergar e comprometer-se com Jesus? Jesus está a caminho da morte e ressurreição. O sacerdócio de Jesus é feito de sofrimento, morte e ressurreição. Assim, ele nos aproximou, de modo extraordinário, do único Deus. Quais as consequências disso para a caminhada da comunidade?

 

  

Jer 31,7-9 – Reflexão

Thomas McGrath

O texto começa com um convite à alegria e ao louvor (vers. 7). Porquê? Porque Javé vai reunir o seu Povo (disperso Babilónia), vai conduzi-lo através do deserto e vai fazê-lo retornar à sua pátria. Reunir, conduzir e fazer retornar à pátria são os três verbos que, tradicionalmente, definem a ação de Deus em favor do seu Povo, durante o Êxodo.

Depois da afirmação geral, o profeta apresenta alguns pormenores. Farão parte do grupo "o cego e o coxo, a mulher grávida e a que deu à luz" (vers. 8b). O cego e o coxo são figuras sempre ligadas ao Êxodo (cf. Is 35,5), onde relembram a situação de necessidade e de carência dos exilados e, ao mesmo tempo, evocam a ação extraordinária de Deus no sentido de libertar o seu Povo dessa carência e dessa necessidade. Na imagem da mulher grávida e da mulher que deu à luz, o profeta representa a dor e o sofrimento, mas também a fecundidade, a alegria, a esperança num futuro novo e cheio de vida.

No último versículo -  9 -, Javé se apresenta como um pai cheio de amor pelo seu filho – o Povo. No final desse Êxodo, Javé vai oferecer ao seu Povo vida abundante e fecunda ("conduzi-los-ei às torrentes de água").

O texto revela a preocupação de Deus com a vida, a felicidade e a realização plena do seu Povo. Mesmo nos momentos mais dramáticos da caminhada histórica de Israel, quando o Povo parecia privado definitivamente de luz e de liberdade (o "cego" e o "coxo"), Deus estava lá, preocupando-se em libertar o seu Povo e em conduzi-lo pela mão, com amor de pai, ao encontro da liberdade e da vida plena.

A tarefa da Comunidade daqueles que confiam em Javé sempre foi e sempre será uma tarefa de dar vida à essa esperança na presença de Javé, transmitir e ser sinal vivo da garantia da sua presença libertador e a certeza que com Ele a vitória é garantida.

Em tempos de fome, desemprego, doença, ódio, mentira, violência e sem luz no fim do túnel, isso não é tarefa fácil. Somente com muito jejum, abstinência, oração, gestos de solidariedade, altruísmo e partilha.

 

TEXTO EM ESPANHOL-Dom Damián Nannini, Argentina.


DOMINGO XXX DURANTE EL AÑO – CICLO "B"

 

Primera lectura (Jer 31,7-9): 

 

         En este capítulo 31 de Jeremías el Señor se dirige a los supervivientes de Israel con un mensaje de esperanza: habrá un nuevo éxodo y una peregrinación a Sión, inaugurando una era de alegría y bienestar. En efecto, se piensa en la marcha por el desierto como en una peregrinación al santuario y se invita a aclamar y exultar por el resto de Israel que regresa a su patria del destierro. Se descubre el esquema del éxodo: en el exilio son reunidos, por el desierto conducidos y llevados a la patria. Será el tiempo de la consolación para Israel pues, a pesar del pecado, ruptura de la alianza, la paternidad de Dios es la que garantiza la esperanza de su perdón que rescatará y restaurará al pueblo arrepentido, a Efraín su primogénito.

 

 

Evangelio (Mc 10,46-52): 

 

Importa considerar primero el contexto de este evangelio por cuanto con él concluye la sección del camino hacia Jerusalén (8,27-10,52) y hace inclusión con la curación del ciego de Betsaida (8,22-26) que está al comienzo de la misma. Al mismo tiempo sirve de transición con el episodio que sigue, el ingreso a Jerusalén (11,1-11), con quien tiene en común la expresión 'hijo de David' para referirse a Jesús (10,47.48 // 11,10).

En esta sección del evangelio el tema dominante es el camino (o`do,j aparece en 8,27; 9,33.34; 10,17.32.46.52). Directamente vinculado con el tema del camino está el del 'seguir a Jesús' (el verbo akolouzein referido a Jesús está presente en 8,34; 9,38; 10,21.28.32.52). Este seguimiento de Jesús estaba obstaculizado por la ceguera humana, por la falta de una visión de fe ante el misterio de la cruz. Esto lo vemos en la falta de comprensión de los discípulos manifestada en sus reacciones "desubicadas" ante el triple anuncio de la pasión por parte de Jesús (cf. 8,32ss; 9,32ss; 10,35-41).

 

         Ahora prosigamos con el análisis del texto:

v. 46: Jericó está situada a 28 Km. al noreste de Jerusalén y es la última etapa obligada en el camino hacia la ciudad santa. Según el evangelio Jesús estaba saliendo de Jericó cuando se encuentra con el ciego. La multitud lo sigue y tiene un rol activo en el relato (48-49). Es el mismo grupo que recibió las instrucciones sobre el seguimiento en 8,34. Todos caminan mientras el ciego está al borde del camino (cf. la semilla que cae allí en Mc 4,4.15). La ceguera lo margina tanto a nivel social - tiene que mendigar - como a nivel religioso por cuanto no puede entrar al templo al ser considerado un hombre impuro. Sabemos que detrás de esta valoración está la concepción común en el AT de que toda enfermedad tenía como raíz un pecado (Cf. Jn 9,2-3).

 

v. 47: 'Escuchó que era Jesús'. Siempre el escuchar es el primer paso en la conversión a la fe (cf. 5,27). En este caso, dada la condición de ciego de Bartimeo, se pone más de relieve la preeminencia del escuchar sobre el ver para llegar a conocer a Jesús.

A la escucha sigue la palabra del ciego; y más que palabra es un grito de súplica. La expresión 'Hijo de David, ten piedad de mí', es al mismo tiempo un grito de angustiosa súplica como una confesión de fe. En efecto, el contexto del evangelio de Marcos nos prueba que el título “hijo de David” tiene una connotación mesiánica (cf. 11,10; 12,35) por lo cual podemos acercar esta expresión a la confesión de Pedro en Cesarea de Filipo: "Tu eres el Mesías" (8,29). En cuanto al contenido de la súplica, podemos decir que encierra los matices de pedido de compasión, piedad o misericordia propios del verbo griego evlee,w. Pero este término hay que entenderlo en su trasfondo del AT donde suele traducir el término hebreo hésed que expresa la bondad y el amor fiel de Yavé por el pueblo de la Alianza. Según esto, "el grito de socorro «Señor ten compasión de mí» se convierte en una profesión de fe en el poder divino de Jesús"[1].

 

v. 48: La multitud quiere hacerlo callar y obstaculizan así su conversión. Pero el ciego grita más, indicando la firmeza de su decisión.

 

v. 49: Jesús lo manda llamar. Este llamado es algo común pues se utiliza el verbo fwne,w mientras que la llamada de los discípulos que se expresa con el verbo kale,w. Ahora la multitud colabora, hace de intermediaria.

 

v. 50: Arroja su manto. Podría ser un signo de desprendimiento.

 

v. 51: '¿Qué quieres que haga por ti?' (igual que en 10,36). La fe debe expresarse. No hay curaciones sin diálogo, lo que nos revela que para Jesús lo fundamental es el encuentro personal con él.

 

v. 52: 'Tú fe te ha salvado': esta expresión ya apareció en 5,34 (curación de la hemorroisa). ¿Cuál fue el acto de fe del ciego? La confesión mesiánica Hijo de David (8,29; 12,35) y el esfuerzo por superar los obstáculos que le impedían acercarse a Jesús.

         En nuestro texto no hay ningún gesto de curación (cf. 8,23.25; Mt 20,33-34) sino sólo la referencia a la fe que salva. Esto indica que se trata de algo más que recobrar la vista física, se trata del acceso a Jesús y de una unión personal a Él por la fe. El final del relato confirma este sentido profundo: "Enseguida comenzó a ver y lo siguió por el camino". El ciego se convirtió en seguidor de Jesús, es decir en discípulo (hay elementos comunes con 1,16-20); y el camino que inicia acompañando a Jesús es el de la pasión[2]. Esta es la preocupación de Marcos, y en esto se cristaliza la fe. Según esto podemos decir que el simbolismo espiritual, eclesial y sacramental está ya presente en el texto mismo.

 

 

ALGUNAS REFLEXIONES:

        

         Para meditar esta Palabra de Dios podemos partir de una certeza: todos amamos la luz y tememos la oscuridad. Y esto porque todos tenemos necesidad de la luz para poder andar en la vida. Todos queremos “ver”; y este “ver” abarca no sólo la visión física; sino el saber para dónde ir, saber qué decisiones tomar para seguir el camino correcto en nuestra vida; y para poder encontrarle sentido a lo que hacemos cada día.

Andar en la oscuridad, en la ceguera espiritual, es andar en la tristeza, en la confusión, en la soledad. En cambio caminar en la luz es haber encontrado la salvación, el sentido y la alegría de vivir, la comunión con los demás, la amistad con Dios. Por eso Jesús responde al ciego Bartimeo diciéndole: “«Vete, tu fe te ha salvado». Y de inmediato comenzó a ver y a seguirlo por el camino”.

Percibimos entonces la importancia del evangelio de hoy por cuanto la curación del ciego tiene un valor simbólico y muestra la auténtica necesidad que todos tenemos de que Jesús cure nuestra ceguera, abra nuestros ojos y nos permita seguirlo por el camino de la cruz. Esta es la preocupación de Marcos: presentarnos una salida al obstáculo que el camino de la cruz representa para todo discípulo de Jesús. Es necesario pedirle a Jesús con fe: "Maestro, que yo pueda ver" (10,51). En esta línea han interpretado el texto algunos padres de la Iglesia, por ejemplo San Jerónimo: "Ciego es el que no conoce a Cristo y la curación es el don de la fe".

En esta línea compartimos lo que dice el Card. Martini[3]: "San Marcos supone que el punto de partida de la vida catecumenal, y de la intimidad de los mismos Doce con Jesús, es reconocer una situación de ignorancia: de un no saber y no entender, de un no ver claramente […] Es una actitud que debemos suscitar en nosotros cada vez que nos colocamos ante el misterio de Dios. Porque solamente con esta actitud es con la que podemos ponernos en atentísima y humilde escucha, listos para percibir lo que Dios quiere comunicarnos".

 

Según M. Navarro[4] la curación del ciego Bartimeo, junto a la curación de la hemorroisa y de la mujer sirofenicia, nos brindan un modelo de fe capaz de entrar en la etapa final de la vida de Jesús, en la Pasión y en la Pascua. Y todos ellos han vivido ya algo del misterio pascual por cuanto su vida ha estado signada por el sufrimiento y la marginación; y por esto mismo se encuentran más preparados para seguir a Jesús hasta el final.

         De esto podemos deducir también que lo más preocupante o grave no es la ceguera, en cierto modo inherente a nuestra condición humana, sino el orgullo que nos impide asumir esta condición y pedirle a Jesús que nos cure para que podamos comprenderlo y seguirlo. Como bien dice G. Thibon[5]: "No es la luz la que falta a nuestra mirada, sino nuestra mirada la que falta a la luz".

 

Jesús nos ofrece la luz de la fe, que nos ayuda a mirar la realidad sin negarla ni mutilarla; y que tiene la capacidad de iluminar toda la existencia del hombre (Francisco, LF n° 4). Y esta luz la recibimos de Jesús cuando Él nos descubre el gran amor de Dios que nos transforma interiormente y nos da ojos nuevos para ver la realidad (LF n° 26).

 

Es muy interesante lo que señala H. U. von Balthasar[6]: "Su deseo de luz es la causa de que se le conceda la vista y que después pueda seguir a Jesús por el camino". Por tanto, que nuestro deseo de luz, de poder ver se haga oración, súplica al Señor misericordioso quien nos concederá el don de la fe. Hoy se nos invita a desear esta luz que viene de Dios y a pedirla humildemente en la oración, como hacía el Cardenal Newman:

“Guíame luz bondadosa, las tinieblas me rodean, guíame hacia adelante. La noche es densa y me encuentro lejos del hogar, guíame hacia adelante. Protégeme al caminar. No te pido ver claro el futuro, solo un paso aquí y ahora: Solo un paso, solo el pan para hoy”.

 

Y lo pedimos con confianza, sabiendo que “la luz de la fe no disipa todas nuestras tinieblas, sino que, como una lámpara, guía nuestros pasos en la noche, y esto basta para caminar. Al hombre que sufre, Dios no le da un razonamiento que explique todo, sino que le responde con una presencia que le acompaña, con una historia de bien que se une a toda historia de sufrimiento para abrir en ella un resquicio de luz. En Cristo, Dios mismo ha querido compartir con nosotros este camino y ofrecernos su mirada para darnos luz” (LF 57).

 

Y por último, los que ya hemos gozado de esta luz cálida de la fe, tenemos ahora la misión de llevar a otros hacia Jesús como fuente de la luz y de la visión. Como nos dice el Papa Francisco: “muchos jóvenes, como Bartimeo, buscan una luz en la vida. Buscan un amor verdadero. Y al igual que Bartimeo que, a pesar de la multitud, invoca solo a Jesús, también ellos invocan la vida, pero a menudo solo encuentran promesas falsas y unos pocos que se interesan de verdad por ellos. No es cristiano esperar que los hermanos que están en busca llamen a nuestras puertas; tendremos que ir donde están ellos, no llevándonos a nosotros mismos, sino a Jesús. Él nos envía, como a aquellos discípulos, para animar y levantar en su nombre. Él nos envía a decirles a todos: “Dios te pide que te dejes amar por él” … La fe que salvó a Bartimeo no estaba en la claridad de sus ideas sobre Dios, sino en buscarlo, en querer encontrarlo. La fe es una cuestión de encuentro, no de teoría. En el encuentro Jesús pasa, en el encuentro palpita el corazón de la Iglesia. Entonces, lo que será eficaz es nuestro testimonio de vida, no nuestros sermones”, (Homilía del 28 de Octubre de 2015).

         PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):

 

Nada está perdido

 

Señor,

Ten compasión de mí!

Plegaria tan sencilla y acabada

De nuestra humanidad confundida.

 

Señor,

Ten compasión de mí!

Apartados del sendero hacia la paz

Errantes en este peregrinar.

 

Señor,

Ten compasión de mí!

Y de pronto nos llega la seguridad

De que en tus tiempos, nos vas a escuchar.

 

Señor,

Ten compasión de mí!

Y nos responderás con ternura…

-        ¿Qué quieres que haga por ti? –

 

Señor,

Queremos verte presente,

En nuestro mundo herido

Y Esperar en ti, creer solo en tu Amor

Que todo lo hace nuevo, que nada está perdido. Amén

 



[1] H. H. Esser, voz: Misericordia, en L. Coenen – E. Beyreuther – H. Bietenhard, Diccionario Teológico del Nuevo Testamento vol. III (Sígueme; Salamanca 1993) 100.

[2] Cf. J. Gnilka, El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 129.

[3] Evangelio y Comunidad Cristiana, Bogotá 1985, 28.30.- 

[4] Marcos, Verbo Divino, Estella 2006, 389-390.

[5] Nuestra mirada ciega ante la luz (Patmos; Madrid 1973) 21.

[6] Luz de la palabra. Comentarios a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 201.