ABRIR-SE PARA DEUS - 23ºTC -B

ABRIR-SE PARA DEUS

23º DOMINGO DO TEMPO COMUM- ANO B

05/09/2021

Acesse as leituras de hoje neste link:

https://www.paulus.com.br/portal/liturgia-diaria

1ª Leitura: Isaías 35,4-7a

Salmo Responsorial 145(146)-R- Bendize, ó minha alma ao Senhor. Bendirei ao Senhor toda a vida!

2ª Leitura: Tiago 2,1-5

Evangelho Marcos 7,31-37


Naquele tempo: 31Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. 32Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão. 33Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. 34Olhando para o céu, suspirou e disse: 'Efatá!', que quer dizer: 'Abre-te!' 35Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. 36Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam. 37Muito impressionados, diziam: 'Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar'. Palavra da Salvação.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE

Arcebispo de Sorocaba SP

Chamo a atenção para alguns gestos que Jesus realiza na cura do surdo mudo: Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão: em seguida colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou na língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: Efatá – Abre-te!

Por que tudo isso? Não bastava – como fez em outras ocasiões – uma palavra de Jesus? Não bastava ter dito Efatá? Ao invés disso, afastou-se com o doente, colocou os dedos nos ouvidos dele e tocou-lhe a língua com a saliva. Tratava-se de gestos mágicos?

Jesus não quer usar de magia. Os gestos de Jesus demonstram a atenção dele para com o surdo-mudo. Para os casos de pessoas que ouvem, bastava uma palavra de Jesus, mas para um surdo, Jesus precisa dos gestos para que o surdo fazê-lo entender o que pretende curá-lo da surdez e da mudez. Com efeito, o surdo não tinha condições de entender o que Jesus iria fazer a não ser através dos gestos. Além disso, os gestos de Jesus demonstram que a cura do surdo é custosa e difícil. Com efeito, o surdo vive isolado e fechado em si mesmo; não tem a capacidade de se comunicar e, por isso, sequer consegue formular o pedido de ajuda. São os outros que precisam interceder por ele.

Os gestos de Jesus demonstram também que a cura do surde exige recolhimento e relação pessoal. Não dá para fazer isso no meio da massa. O surdo precisa ser interpelado pessoalmente para que compreenda e seja curado.

Esse é um aspecto próprio das curas de Jesus: ele sempre se dirige a consciência das pessoas. Não realiza curas como meio para dominar as pessoas.

Não devemos, no entanto, ficar só na cura física. Este relato chegou até nós porque ele tem valor salvador para nós. Por isso é preciso passar do sinal visível para o mistério da salvação.

Como a cura do surdo-mudo evidencia: nós só podemos falar se ouvirmos. Sem ouvir, a fala fica comprometida. Com muito mais razão ainda: nós só podemos comunicar a Palavra de Deus, se antes a ouvirmos. Se não somos capazes de receber a Palavra, também não poderemos anunciar a Palavra.

O milagre do surdo-mudo ilustra o caminho de fé que devemos trilhar. 1. Jesus nos separa da multidão: a fé é um dom absolutamente pessoal; não é um dom dado à massa; antes, é a fé que nos personaliza. 2. Jesus coloca seus dedos em nossos ouvidos para que possamos ouvir e para que, ouvindo, sejamos transformados no que ouvimos: tornamo-nos ouvintes da Palavra. 3. Jesus toca a nossa língua para que ela fale do que o coração está cheio. 4. Jesus suspira, olha para o Pai e diz Efatá: tendo aberto nossos ouvidos podemos nos comunicar com Deus e com os irmãos; trata-se de uma nova vida que começa; é nossa libertação do isolamento para a comunhão com Deus e com os irmãos.

É urgente que nós ouçamos o que Jesus nos fala hoje. Vivemos tempos difíceis para a Igreja. E isso exige de nós agir com lucidez e responsabilidade. Mas para isso é preciso ouvir o que o Espírito diz à Igreja e obedecer. Seria uma tragédia viver como surdos: fechados em nós mesmos; indiferentes a Deus e aos irmãos. Peçamos a Jesus que nos cure da nossa surdez espiritual.


Ressuscitar os sentidos

Adroaldo Palaoro

Diz um proverbio chinês que “quando os olhos são liberados, começa-se a ver; quando os ouvidos são liberados, começa-se a ouvir; quando a boca é liberada, começa-se a saborear, e quando a mente é liberada, alcança-se a sabedoria e a felicidade”.

Para nos livrar da autorreferência é preciso “cristificar” nossos sentidos, tornando-os oblativos e expansivos. Talvez, a pior enfermidade que padecemos é a atrofia e petrificação dos sentidos; com isso, perdemos a capacidade de assombro e de agradecimento, a capacidade de abertura ao outro, aos outros e ao Outro.

Segundo o livro do Gênesis, o estado original dos sentidos e da mente é a contemplação e a admiração, e não o instinto possessivo ou a suspeita; através deles transitamos pelo mundo numa atitude receptiva.

Assim, “pensar” a realidade é acolhê-la com gratidão e veneração. Com os sentidos oblativos, a inteligência é chamada a “sentir” o mundo como Tabernáculo de uma Presença, que tudo dignifica e torna sagrado.

A filosofia antiga dizia: “Não há nada no entendimento que antes não tenha estado nos sentidos”.

Todo o corpo humano é expressão: gesto, atitude, palavra...; tudo isto revela interioridade, sentimento, espiritualidade; e os sentidos do outro, se estão atentos, podem captar o que foi expresso.

Cessado o pensamento nós nos transformamos num ser só de sentidos, do jeito mesmo como nascemos.

Nós somos olho, ouvido, nariz, boca, pele. Olhamos, escutamos, saboreamos, cheiramos, tocamos... Só assim entramos em interação com a realidade e com os outros. Os sentidos nos humanizam.

O evangelho deste domingo condensa vários aspectos que se oferecem a nós como luz para des-velar o lugar e a importância dos nossos sentidos. Neste relato encontramos Jesus peregrino, fora de seu país, atravessando terra estrangeira, um espaço habitado por “pagãos”, por aqueles que não professam a fé no Deus de Israel. Jesus, com todos os seus sentidos ativos, quebra distâncias e se faz próximo do diferente, daquele que é rejeitado por não ter as mesmas ideias, a mesma religião, a mesma cultura...

O relato ajuda a nos fixar na corporeidade de Jesus, pois nos fala de suas mãos, de seus dedos, saliva, olhos, respiração..., todo o seu ser a serviço do bem. Jesus mobiliza todos os seus sentidos para “destravar” os sentidos bloqueados do enfermo que é levado até Ele.

Jesus se revela como presença inspiradora e nos apresenta uma maneira original de viver o encontro, a acolhida, o diálogo e a cura. Ele rompe as fronteiras e os pré-juízos, se aproxima e permite que os outros se aproximem dele, oferecendo, na relação, o melhor de si mesmo e despertando o melhor que há na outra pessoa. Assim, para uma relação sadia e compassiva é preciso mobilizar todos os sentidos corporais.

Jesus, com seus sentidos abertos e acolhedores, destrava os sentidos do pobre homem excluído e o capacita a integrar-se na convivência social; com os sentidos abertos, agora ele pode expressar a riqueza de sua interioridade. Uma vez libertado da atrofia dos sentidos, o homem se emancipa, recupera sua autonomia e pode manifestar-se sem bloqueios; nada mais o limita.

No encontro com o enfermo que lhe é apresentado, Jesus começa por usar uma linguagem não-verbal; é a linguagem mais primitiva, anterior à palavra: através dos gestos, o surdo-mudo vai sendo reconstruído em sua humanidade.

Jesus, no início da cura, “o conduz à parte, longe da multidão”; uma ação personalizadora, um afastamento da multidão, para longe da massificação.

E lá, na intimidade do contato, o doente é cuidado na individualidade das suas dores.

- “Colocou os dedos nos seus ouvidos”: literalmente, “pôs o dedo na ferida”.

A mão é fonte de contato, é canal de passagem da energia curativa.

- “Com a saliva tocou a língua dele”: força terapêutica da saliva.

- “Olhando para o céu...”: Jesus olha para o alto, em direção ao Pai. Com o olhar para o alto, encaminha-o para além de si. É preciso remetê-lo ao Pai, origem de toda vida.

- “Jesus suspirou”: com o sopro, prolonga o gesto do Criador no 6º. dia da Criação; re-corda como Deus “fez tudo bem” no início. Traz à memória o sopro do Espírito, que transforma o “caos” existencial do surdo-mudo em “cosmos”, ou seja, a presença do sopro que passará pelas cordas vocais e pela língua, para ser transformado em palavras.

- “E disse-lhe: ‘Effatha’ (que quer dizer: ‘abre-te’)”: palavra dirigida ao coração do surdo-mudo. É como se dissesse: “abre-te à tua identidade! destrava teu interior!”

Depois de tantos gestos não-verbais e primitivos, vem a palavra. E o surdo-mudo desata sua língua e começa a falar. Insere-se nos devotos que ouvem a Deus e proclamam que Ele é o único, com todos os órgãos e sentidos do seu corpo.

A sociedade na qual estamos inseridos requer de todos nós uma nova sensibilidade para facilitar a convivência, a transformação social e acolher a nova visão da existência humana. No entanto, a convivência social se revela cada vez mais conflituosa; uma das grandes dificuldades é a ausência de saber escutar, olhar, sentir...

Vivemos tempos de reclusão, petrificação, ódios e intolerâncias... que são o contrário do “ephatá-abre-te”.

É preciso “ressuscitar os sentidos” para que encontrem seu lugar insubstituível na experiência da relação com os outros e na expressão de nossa fé. E só podemos descobrir o “lugar e o sentido” dos sentidos através do confronto com a “sensibilidade de Jesus”.

Nesse sentido, a conversão evangélica precisa chegar a alcançar a sensibilidade para ser efetiva. Os sentidos se fazem “espirituais”, isto é, tornam-se sentidos transfigurados, habitados, animados pelo Espírito de Deus porque o ser humano é o “templo do Espírito” (S. Paulo).

Assim, uma sensibilidade cristificada revela-se como uma graça que nos permite viver o seguimento de Jesus de um modo sempre original e aberto.

O agir cristão depende da sensibilidade e enquanto esta não for evangelizada não podemos ter certeza de reagir evangelicamente na vida.

Escutar, sentir, perceber as próprias sensações físicas, as emoções primárias, as reações psíquicas...: o corpo é criativo nas suas expressões e na arte da comunicação. A corporalidade, tanto pode ser escutada como sentida. Tendo aprendido a auto-escutar, pode-se olhar, escutar ou sentir as reações vocais, corporais e sentimentais do outro que padece, que sorri, que precisa falar.

Enfim, somos convidados a nos identificar com Jesus Cristo ativando, assídua e amorosamente, os olhos e ouvidos, o tato, paladar e olfato, com a esperança de que fiquem tão banhados e afetados pela sensibilidade d’Ele que, quando mais tarde entrarem em contato com a vida real, possam reagir diante dela com uma sensibilidade nova, diferente, transformada, convertida. Só assim nossa presença será mais evangélica.

Para meditar na oração:

O surdo-mudo precisava abrir os ouvidos e soltar a língua, mas todos nós precisamos abrir alguma dimensão de nossa pessoa que está travada, ou talvez alguma capacidade adormecida ou bloqueada. É preciso transitar com Jesus pelos “territórios pagãos” da nossa própria interioridade, onde dimensões da vida estão travadas, palavras estão silenciadas, dinamismos estão atrofiados...

- Deixe ressoar em seu coração: “Ephathá! Abre-te!” - “Abre-te” a outros modos de pensar, a outras visões e culturas, viver aberto(a) à história e à desafiante realidade.

- O que é preciso “desbloquear” em seu interior? Capacidades adormecidas? (amor, ternura, alegria, generosidade, solidariedade, liberdade...); defesas protetoras que se converteram em armadura oxidada? (medos, retraimento, imagem idealizada...); “manias” nas quais se instala, costumes e rotinas que o(a) mantém fechado(a) em uma jaula de um falso conforto...?

- O que parece claro é que a abertura a espaços interiores vem sempre acompanhada da abertura aos outros e a toda a realidade. Esse parece ser o caminho que conduz à descoberta de que todos somos uno com a Fonte.

Abrir-nos a Jesus

A cena é conhecida. Apresentam a Jesus um homem surdo que, como resultado da sua surdez, mal consegue falar. A sua vida é uma desgraça. Só se ouve a si próprio. Não pode ouvir os seus parentes e vizinhos. Não pode conversar com os amigos. Tampouco pode escutar as parábolas de Jesus ou compreender sua mensagem. Vive preso na sua própria solidão.

Jesus leva-o consigo e concentra-se no seu trabalho curador. Insere os dedos nos seus ouvidos e procura vencer essa resistência que não o deixa ouvir ninguém. Com a sua saliva umedece aquela língua paralisada para dar fluidez à sua palavra. Não é fácil. O surdo-mudo não colabora, e Jesus faz um último esforço. Respira profundamente, lança um forte suspiro olhando o céu em busca da força de Deus, e depois grita ao doente: «Abre-te!».

Aquele homem sai do seu isolamento e, pela primeira vez, descobre o que é viver escutando os outros e conversando abertamente com todos. As pessoas ficam admiradas: Jesus faz tudo bem, como o Criador, «faz ouvir os surdos e falar os mudos».

Não é por acaso que os Evangelhos narram tantas curas de cegos e surdos. Estes relatos são um convite a deixar-se trabalhar por Jesus para abrir bem os olhos e ouvidos à sua pessoa e à sua palavra. Discípulos surdos à sua mensagem serão como «gagos» a anunciar o evangelho.

Viver dentro da Igreja com uma mentalidade «aberta» ou «fechada» pode ser uma questão de atitude mental ou de posição prática, quase sempre fruto da própria estrutura psicológica ou da formação recebida. Mas quando se trata de «abrir-se» ou «fechar-se» ao Evangelho, o assunto é de importância decisiva.

Se vivemos surdos à mensagem de Jesus, se não entendemos seu projeto, se não captamos o seu amor pelos que sofrem, encerrar-nos-emos nos nossos problemas e não escutaremos os das pessoas. Mas então não saberemos anunciar a Boa Nova de Jesus. Deformaremos sua mensagem. A muitos será difícil entender o nosso «evangelho». Não necessitaremos abrir-nos a Jesus para nos deixarmos curar da nossa surdez?

Marcos 7,31-37 - Jesus quer que o povo diga a sua própria palavra

Carlos Mesters e Mercedes Lopes

SITUANDO

Jesus vai tentando abrir a mentalidade dos discípulos e do povo para além da visão tradicional. Na distribuição dos pães, ele tinha insistido na partilha (Marcos 6,30-44). Na discussão sobre o puro e o impuro, tinha declarado puros todos os alimentos (Marcos 7,1-23). No episódio da mulher cananeia (Marcos 7,24-30), ele ultrapassa as fronteiras do território nacional e acolhe uma mulher estrangeira que não era do povo judeu e com a qual era proibido conversar. Estas iniciativas de Jesus, nascidas da sua experiência de Deus com o Pai, eram estranhas para a mentalidade do povo da época.

A abertura crescente de Jesus era uma ajuda muito importante para as comunidades do tempo de Marcos. Elas eram um grupo pequeno, perdido naquele mundo hostil do Império Romano. Quando um grupo é minoria, sofre a tentação de se fechar sobre si mesmo. A atitude de abertura de Jesus era um estímulo para as comunidades não se fecharem, mas manterem bem viva a consciência missionária de anunciar a Boa Nova de Deus a todos os povos, como Jesus tinha pedido com tanta insistência.

COMENTANDO

Marcos 7,31-36: Abrir o ouvido e soltar a língua

O episódio da cura do gago é pouco conhecido. É um texto que somente encontramos em Marcos. Jesus está atravessando a região da Decápole. Decápole significa, literalmente, Dez Cidades. Era uma região de dez cidades ao sudeste da Galileia, cuja população era pagã. Um surdo gago é levado a Jesus. O jeito de curar é diferente. O povo queria que Jesus apenas impusesse as mãos sobre ele. Mas Jesus foi muito além do pedido. Ele levou o homem para longe da multidão, colocou os dedos nas orelhas e com saliva tocou na língua, olhou para o céu, fez um suspiro profundo e disse: “Éffata!”, isto é, “Abra-se!” No mesmo instante, os ouvidos do surdo se abriram, a língua se desprendeu e o homem começou a falar corretamente. Jesus quer que o povo abra o ouvido e solte a língua. Quer que o povo diga a sua própria palavra e tenha critérios para filtrar o que escuta. Todo o povo ficou muito admirado e dizia: “Ele fez bem todas as coisas” (Marcos 7,37). Esta afirmação do povo faz lembrar a criação, onde se diz: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gênesis 1,31).

Marcos 7,37: Jesus não quer publicidade

Ele proibiu a divulgação da cura. Mas não adiantou nada. Quem teve experiência de Jesus vai contar para os outros, queiram ou não queiram. As pessoas que assistiram à cura começaram a proclamar o que tinham visto e resumiram a Boa Notícia assim: “Ele fez bem todas as coisas”.

Às vezes, se exagera a atenção que o Evangelho de Marcos atribui à proibição de divulgar a cura, como se Jesus tivesse um segredo a ser preservado. Na maioria das vezes em que Jesus faz um milagre, ele não pede silêncio. Uma vez até pediu publicidade (Marcos 5,19). Algumas vezes, porém, ele dá ordem para não divulgar a cura (Marcos 1,44; 5,43; 7,36; 8,26). Porém, obtém o resultado contrário. Quanto mais proíbe, tanto mais a Boa Nova se espalha (Marcos 1,28.45; 3,7-8; 7,36-37). Não adianta proibir, pois a força interna da Boa Nova é tão grande que ela se divulga por si mesma.

ALARGANDO

Abertura para os pagãos no evangelho segundo Marcos

Na época do AT, na rivalidade entre os povos, um povo costumava chamar o outro de “cachorro” (1 Samuel 17,43). Isto fazia parte da relação conflituosa que eles tinham entre si, na terra de Canaã, para formar um povo novo com direito à terra, à vida e à identidade própria. O enfrentamento entre Golias, o gigante filisteu, e Davi, o pastorzinho israelita, é uma amostra desta situação. Para Davi, vencer o filisteu pagão era salvar a honra tanto do povo israelita como do Deus vivo (1 Samuel 17,26). Quando Davi se aproxima para a luta sem as armas tradicionais, mas apenas com um bastão, Golias pergunta: “Será que sou um cachorro?” (1 Samuel 17,43).

Ao longo das páginas do evangelho segundo Marcos, há uma abertura crescente em direção aos outros povos. Assim, Marcos leva os leitores e as leitoras a abrir-se, aos poucos, para a realidade do mundo ao redor e a superar os preconceitos que impediam a convivência pacífica entre os povos. Eis exemplos:

A mulher siro-fenícia era uma pagã (Marcos 7,26). No passado, nos tempos da rainha Jezabel e do profeta Elias, tinha havido rivalidade entre Israel e o povo da Fenícia ou de Canaã. Mas agora, a mulher não está preocupada com as rivalidades do passado. Ela busca a libertação para a sua filha, dominada por um demônio (Marcos 7,26). Escuta falar de um judeu que tem o poder de Deus para libertar do mal. Aqui, já não importam os preconceitos raciais. O que importa é a vida ameaçada da filha, vida oprimida que precisa ser libertada.

Na sua passagem pela Decápole, região pagã, Jesus atende ao pedido do povo do lugar e cura um surdo gago. Ele não tem medo de contaminar-se com a impureza de um pagão, pois, ao curá-lo, toca-lhe os ouvidos e a língua. Enquanto as autoridades dos judeus e os próprios discípulos têm dificuldades de escutar e entender, um pagão que era surdo e gago passa a ouvir e a falar pelo toque de Jesus. Lembra o cântico do servo: O Senhor Javé abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde (Isaías 50,4-5).

Ao expulsar os vendedores do templo, Jesus critica o comércio injusto e afirma que o templo deve ser casa de oração para todos os povos (Marcos 11,17). Fazendo assim, ele resgata a profecia de Isaías que estendia a salvação aos estrangeiros e manda abolir as restrições da lei que proibia a participação de eunucos, bastardos e estrangeiros na assembleia de Javé (Isaías 56,3; Deuteronômio 23,2-9).

Na parábola dos vinhateiros homicidas, Marcos faz alusão ao fato de que a mensagem será tirada do povo eleito, os judeus, e será dada aos outros, aos pagãos (Marcos 12,1-12). Depois da morte de Jesus, Marcos apresenta a profissão de fé de um pagão ao pé da cruz. Ao citar o centurião romano e seu reconhecimento de Jesus como Filho de Deus, está dizendo que o pagão é mais fiel do que os discípulos e mais fiel do que os judeus (Marcos 15,39).

A abertura para os pagãos aparece de maneira muito clara na ordem final dada por Jesus aos discípulos, depois da sua ressurreição: Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho a toda criatura (Marcos 16,15).

Seus ouvidos se abriram e sua língua se soltou

Ana Maria Cassarotti

Continuamos com a leitura do Evangelho de Marcos. Segundo a tradição e a estrutura do texto é bom lembrar que o Evangelho de Marcos foi o primeiro evangelho escrito. Era dirigido especialmente aos cristãos que moravam em Roma e que sofriam a perseguição levada adiante por Nero. Nesse momento era preciso esclarecer para a segunda geração dos cristãos quem era Jesus e o que significa ser seu discípulo e sua discípula.

Por isso o Evangelho procura confrontar os ouvintes e leitores com o surpreendente mistério da identidade de Jesus. Quem é Jesus e o que significa formar uma comunidade de discípulos e discípulas de Jesus? Que quer dizer seguir Jesus Ressuscitado presente no meio de nós?

Neste trecho do Evangelho de Marcos que a Liturgia oferece para ler e meditar, Jesus está “em caminho”. Ele sai de Tiro, passa pela Sidônia com destino ao mar da Galileia. Nesse caminho ele atravessa a Decápole. Caminha por terras pagãs com outras religiões e diferentes costumes. Sua Boa Notícia é para todos e todas as pessoas que a procuram e desejam acolhê-la.

Sua Boa Nova não é propriedade de nenhum grupo humano. É uma mensagem de liberdade que oferece Vida e vida em abundância (João 10,10). Não há excluídos nem marginalizados, nem pessoas que vivam à margem do caminho porque não podem entrar na cidade pelo perigo do contágio. Levam para Jesus uma pessoa que tinha duas limitações: era surda e falava com dificuldade. Quase nem podia falar e menos ainda escutar.

Ouvir e falar são dois aspectos essenciais da comunicação entre as pessoas e com Deus. Em várias oportunidades no Antigo Testamento aparece a expressão: “escuta Israel” (Dt 6,4). Continuamente Deus procura do ser humano a capacidade de escutar uma Palavra que o vivifique. Assim ressaltam os anúncios proféticos como Isaías “Ouçam-me com atenção, e comerão bem e saborearão pratos suculentos, deem-me ouvidos, venham para mim, me escutem que vocês viverão” (Is 55,2b-3).

Os profetas denunciam a surdez voluntária quando o povo não quis escutar e fecha seus ouvidos e seu coração (Jer 6,10). Para que isto seja possível é preciso estar em atitude de abertura às palavras do Senhor, a sua Palavra de Vida.

A fala está intimamente relacionada com a escuta. Que os surdos possam ouvir e os mudos falar é um sinal do Reino Messiânico. "Então, os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos; os aleijados saltarão como cervo, e a língua do mudo cantará, porque jorrarão águas no deserto e rios na terra seca" (Is 35,5-6).

O profeta representa aqui a vida nova que Deus vai oferecer a todo o povo e ele ressalta especialmente essa vida para aquelas pessoas que não tinham nenhuma esperança nesta terra pela sua condição física. O amor de Deus é gratuito sem limitações, sem excluir ninguém.

No texto aparece o homem que é surdo e que fala com dificuldade. Ele é levado até Jesus com o desejo que Jesus o cure colocando as mãos sobre ele. A narrativa oferece uma descrição muito clara da atitude de Jesus em referência ao homem. Ele o afasta da multidão. A cura não é um espetáculo! É uma manifestação de Deus na vida da pessoa e para isso é preciso estar num espaço que permita escutar outras vozes. Neste caso, é a voz de Jesus que vai falar para o homem.

A narrativa continua: “em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele”.

Nos capítulos anteriores o Evangelho descreve várias curas de Jesus a pessoas que padeciam distintas doenças e enfermidades. Pessoas como a sogra de Simão, que estava de cama, com febre, os doentes que eram possuídos pelo demônio, o leproso, o homem com a mão seca, o paralítico, a mulher que padecia hemorragias. Todas essas pessoas sofriam as doenças há muito tempo. Esta dor gerava limitações importantes na sua possibilidade de vida social, religiosa e eram continuamente marginalizados e desprezados. Lembremos que nessa época muitas doenças eram atribuídas a um castigo divino pelo pecado. Isso justificava ainda mais o isolamento e a segregação dessas pessoas. Por isso este grupo de pessoas procura Jesus quando sabe que está passando pelas suas terras. Jesus já era conhecido nesse lugar como alguém que liberta das doenças e do sofrimento que elas traziam.

No texto lido hoje há uma descrição da cena muito minuciosa. Consideremos com atenção os verbos que descrevem as ações que Jesus realiza.

O homem é levado até Jesus. Ele se afasta com o homem da multidão. Põe os dedos no ouvido do homem. Cospe e com sua saliva toca a língua dele. Olha para o céu. Suspira e diz: «Efatá!», que quer dizer: «Abra-se!».

Apesar de, em nossa cultura, colocar sua saliva pode ser pouco higiênico ou não muito saudável, nessa época a saliva tinha poder curativo. Com esta vasta descrição das ações de Jesus é possível entender que o evangelista procura apresentar as dificuldades que tinham as primeiras comunidades cristãs para entender e acolher a mensagem do Evangelho.

O Mistério de Jesus e sua identidade como Filho de Deus não é fácil de aceitar. Não é um simples conhecimento, não são palavras vazias, senão um estilo de vida, um mistério que vai se desvelando progressivamente para cada discípulo e discípula. Mais adiante o evangelho apresenta Jesus, que dialoga com os discípulos e diz-lhes: “Vocês têm olhos e não veem, têm ouvidos e não ouvem?”.

Para ver Jesus é preciso ter um olhar mais profundo e ter um ouvido que sabe escutar a Voz do Pastor que o chama. Seguindo as ações de Jesus somos convidados e convidadas a afastar-nos da multidão, ir a um lugar apartado onde seja possível purificar nosso olhar e sensibilizar nossos ouvidos para ver com um olhar diferente e escutar com ouvidos sensíveis a realidade que nos rodeia.

Somos capazes de escutar seu chamado que se apresenta de diferentes formas e em distintos momentos de nossa vida?

Como disse o Papa Francisco “todos os homens, todas as mulheres têm uma inquietação no coração, boa ou ruim, mas há uma inquietação”. Devemos ouvir “essa inquietação”. “Ter essa capacidade de “escuta: o que as pessoas sentem, o que sente o coração dessa gente, o que pensam…?”

Peçamos ao Senhor termos a capacidade de escutar as inquietações das pessoas que não podem falar porque a opressão ou o medo as deixa mudas, sem possibilidade de diálogo. Que saibamos ver as realidades que estão ao nosso redor.

Oração

Senhor, Pai de grande bondade

alegra nossos corações

com o perfume de teu amor.

Faze brilhar os nosso olhos

com a luz que nos guia.

Encanta nossos ouvidos

com a melodia de tua Palavra,

e mantém-nos protegidos

pela fortaleza de tua Providência. Amém.

És tu aquele que estava para vir, ou havemos de esperar um outro?

Thomas McGrath


Reflexão - Isaías 35,1-10 e Salmo 146

INTRODUÇÃO

A fé entre a dúvida e a certeza, entre a angústia e a esperança. Nossa fé tem uma esperança muito bonita. Essa esperança se alimenta da promessa do Reino. A nossa fé nos faz sonhar com um novo céu e uma nova terra, onde é a justiça que predomina. A fé faz a gente crer que Deus enxugará dos olhos toda a lágrima, e a morte já não vai existir mais, nem haverá luto, nem choro.

A pessoa, vida e a pregação de Jesus nos garantem que as pessoas fracas ficarão fortes, os cegos voltarão a ver, os surdos, a ouvir, os coxos saltarão, os mudos cantarão. Nos dizem que os cegos veem, os coxos andam, os surdos ouvem, os mortos ressuscitarão, e aos pobres entenderão a boa notícia. Neste mês de setembro, mês da Bíblia, vamos tentar nos convencer que Deus ama e socorre as pessoas fracas e sofridas, faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome, liberta os encarcerados, abre os olhos aos cegos, levanta os abatidos, ama os justos, guarda o peregrino e ampara o órfão e a viúva.

Que coisa mais linda!

Não é, porém, isso o que vemos em volta de nós. Os fracos continuam fracos, os cegos continuam sem ver, os coxos não conseguem saltar, os mudos não cantam, os mortos continuam mortos e os números continuam apenas aumentando, os pobres ainda não têm uma boa notícia, os oprimidos continuam sem justiça, os famintos ainda não têm pão, enquanto a fome aumenta, nós continuamos abatidos com tanto sofrimento, os ficam cada vez mais com menos e menos amparo.

Quando olhamos para essa realidade brutal, cheia de sofrimento e de injustiça, com tantas pessoas carentes de pão, de saúde, de escola, de liberdade, essa esperança tão bonita se enche de dúvida. Será mesmo? Será que essa esperança tão bonita não passa de fantasia?

No meio de toda essa dúvida, fica difícil crer, ter fé. Parece até que toda essa coisa de Palavra de Deus, Evangelho, Reino de Deus, é só para enganar, para fazer a gente pensar em fazer de conta. Dá uma angústia muito grande no peito, quando não se tem certeza, quando se duvide. Parece que a noite não passa, que a escuridão não vai acabar nunca. Onde está a luz no fundo do túnel?

Que coisa mais triste!

E animados pela fé, e bem certos da vitória, voltamos a ter esperança. Levamos essa esperança a todas as pessoas que sofrem, sendo solidários com elas. Procuramos maneiras de fazê-las mais felizes. Colocamos pequenos sinais do Reino de Deus.

Não sei fazer surdos ouvir, mas posso aprender sua linguagem de sinais, para me comunicar com eles. Não sei fazer pessoas que andam em cadeiras de rodas andar, mas posso me tornar amiga delas. Não sei fazer cegos voltarem a ver, mas posso me oferecer para ajudá-los em seu caminho. Posso repartir meu pão com os que têm fome. Posso abraçar as pessoas que choram. Posso ser solidário com as pessoas que sofrem. Posso levar alegria aos lugares em que há tristeza.

Mais do que tudo, posso lutar, posso me engajar na busca por um mundo melhor para todas as pessoas.

Isaías 35,1-10,

O texto de Is 35,1-10 provém de alguma época posterior ao Exílio Babilônico. Grande parte do povo de Deus está espalhada pelo mundo, longe de sua terra. São pessoas tristes: elas têm as mãos frouxas e os joelhos vacilantes; estão desalentadas (vv. 3-4). Entre elas há cegos e surdos (v. 5); coxos e mudos (v. 6); pessoas tristes e que gemem (v. 10). Também a natureza é triste: é deserta e sem vegetação (vv. 1.6.7); a areia é como brasa e a terra tem sede (v. 7). Nos lugares desertos há só animais ferozes (vv. 7.9). E em meio a toda essa tristeza, surge a promessa de que tudo isso irá mudar. As pessoas fracas ficarão fortes; os cegos voltarão a ver; os surdos, a ouvir; os coxos saltarão e os mudos cantarão. A natureza será uma alegria só. A água será abundante. Haverá um novo caminho, o Caminho Santo (v. 8), construído no meio do deserto para o povo de Deus. Todas as pessoas conhecerão o caminho. Até mesmo o louco vai saber andar por ele. Será o caminho dos remidos por Deus. E as pessoas caminharão por ele até o Sião, o lugar de Deus, e ali se alegrarão para sempre.

Salmo 146

O Salmo de hoje nos ensina a não colocar as nossas esperanças apenas em lideranças humanas, que podem decepcionar, porque podem falhar.

Felizes são as pessoas que colocam sua esperança em Deus, porque elas não esquecem que este Deus é o criador de tudo o que existe, e que Ele ama e socorre as pessoas fracas e sofridas. Ele faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome, liberta os encarcerados, abre os olhos aos cegos, levanta os abatidos, ama os justos, guarda o peregrino e ampara o órfão e a viúva. Vamos agradecer a Deus porque Jesus Cristo nos mostrou este caminho, e vamos orar para que o Espírito deste Jesus ilumine todos os governantes de nosso país e do mundo para que se inspirem nele e pratiquem o que ele nos ensinou.

TEXTO EM ESPANHOL


Dom Damián Nannini, Argentina


DOMINGO XXIII DURANTE EL AÑO – CICLO "B"

Primera Lectura (Is 35,4-7a):

El capítulo 35 de Isaías, manteniendo el tono apocalíptico propio de la sección denominada “Apocalipsis menor” (Is 34-35), promete el regreso de los exiliados a Sión en un clima de alegría y regocijo. Hay una certeza de fe que permite recobrar el ánimo y vencer todo temor: el mismo Señor viene a salvarnos (Is 35,4). Y los signos y efectos de esta venida salvadora del Señor son la curación de los ciegos, sordos, paralíticos y mudos. Estos milagros físicos tienen un sentido espiritual en el mismo Isaías pues el profeta ha denunciado la parálisis de los israelitas que no quieren volver y su resistencia a escuchar la Palabra de Dios que les permitirá ver y confesar la obra que el Señor está llevando a cabo en favor de ellos.

Evangelio (Mc 7,31-37):

Esta vez el texto comienza dándonos una indicación geográfica de los desplazamientos de Jesús. Los lugares nombrados (Tiro, Sidón, Decápolis) tienen en común que no pertenecen a Israel, sino que son territorios habitados por paganos, por no israelitas. De aquí podemos deducir con probabilidad que la persona curada por Jesús es un pagano. Con esto el evangelista Marcos sugiere la apertura del evangelio a los no-judíos y la misión de Jesús más allá de las fronteras de Israel[1]. En este sentido, “el sordomudo es símbolo de los paganos que reciben la posibilidad de oír y decir la Palabra de Dios”[2].

Luego de ubicarnos, el relato cobra acción por cuanto le traen a Jesús un sordo (κωφὸν) que “habla con dificultad” (μογιλάλον), dónde el sentido de mogilálos es de tartamudo más bien que mudo; y le piden que le imponga la mano.

Puede ayudarnos a entender el sentido de esta enfermad otro texto de Marcos donde también un papá le lleva a Jesús su hijo sordomudo para que lo cure (cf. Mc 9,14-29). Si bien es cierto que este chico presenta también síntomas propios de epilepsia como las convulsiones, lo importante es que se identifica la causa del mal: "Maestro, te he traído a mi hijo, que está poseído de un espíritu mudo" (9,17). Y Jesús lo libera del mal expulsando este espíritu impuro: "Jesús increpó al espíritu impuro, diciéndole: "Espíritu mudo y sordo, yo te lo ordeno, sal de él y no vuelvas más" (9,25).

En cuanto al gesto de imponer las manos como medio de curación parece ser algo común en aquella época. De hecho, en el evangelio de Marcos se hace referencia a varias curaciones realizadas por Jesús mediante la imposición de sus manos (cf. Mc 5,35; 6,2.5; 8,23-25).

A pesar del pedido, el evangelista no dice que Jesús le impuso la mano al sordomudo, sino que “lo separó de la multitud y, llevándolo aparte, le puso los dedos en las orejas y con su saliva le tocó la lengua” (7,33). En primer lugar, Jesús lo lleva a aparte, lejos de la multitud, tal vez para evitar la curiosidad y la búsqueda de lo extraordinario tan común en la gente. En cuanto a las acciones de Jesús, textos de la época reflejan también estos gestos como terapéuticos o curativos, en particular el uso de la saliva. Pero junto a estos gestos de Jesús, y más importantes que ellos, están la mirada al cielo, el suspiro profundo y la palabra aramea “effatá”: ¡ábrete! Este clima de oración, de invocación del poder de Dios, lo distancian de cualquier alusión a lo mágico. Además, es la palabra autorizada de Jesús la que obra finalmente y de modo instantáneo el milagro: se le abren los oídos, se le suelta la lengua y puede hablar correctamente (cf. 7,35).

El final del relato se entiende en el marco del "secreto mesiánico" característico de san Marcos. De hecho, Jesús había llevado aparte al sordomudo para curarlo y ahora les pide que no divulguen lo sucedido. Pero esta prohibición, al igual que en otras ocasiones, no puede impedir que la gente se maraville y lo proclame (verbo keryssō de dónde deriva kerygma).

La expresión de la gente que cierra el relato: "Todo lo ha hecho bien: hace oír a los sordos y hablar a los mudos" (7,37) recuerda el texto de Is 35,5 que la liturgia nos trae como primera lectura de hoy; y tal vez remita también a Gn 1,31 que valora como muy buena la obra creadora de Dios. Como bien comenta J. Gnilka[3]: "La alabanza presenta la interpretación teológica del milagro. Mediante la actividad de Jesús se renueva la creación caída. En esa actuación de Jesús se hace presente la redención mesiánica anunciada por los profetas".

ALGUNAS REFLEXIONES:

La interpretación simbólica del milagro se ha impuesto en la exégesis del mismo; y con fundamento. En efecto, ya la profecía de Is 35,5 se refería principalmente a la “sordera espiritual” de Israel, es decir, a su cerrazón de corazón a la Palabra de Dios. Por ello, el profeta anuncia que en un tiempo futuro Dios mismo abrirá los oídos del pueblo a su Palabra.

A su vez tenemos que recordar la estrecha vinculación entre el escuchar y el creer, fundamental para la tradición judeo-cristiana, como bien lo sintetiza San Pablo: "la fe viene de la audición" (Rom 10,17).

Por tanto, teniendo en cuenta todo esto más la referencia geográfica a las regiones paganas, el sentido del milagro es la apertura a la fe, la gracia de poder creer en Jesús; y habiendo creído, proclamarlo, anunciarlo.

Al mismo tiempo podemos ver en esta curación una referencia a un mal profundo y muy difundido hoy: la incomunicación entre las personas. La enfermedad de la sordera y la tartamudez siempre han tenido, pero más aún en aquella época, serias consecuencias sociales, en particular el aislamiento fruto de la incapacidad de comunicarse. El evangelio lo denota en la pasividad del enfermo quien es conducido como si fuera un paralítico. Por tanto, la curación obrada por Jesús, al darle la posibilidad de creer, lo libera del "aislamiento del yo" que lo tenía en cierto modo prisionero y que le impedía comunicarse (de hecho, el texto griego habla de soltar o liberar una cadena de la lengua). Vale decir que es el mismo Jesús quien nos cura de la sordera para poder escucharlo y, así, liberarnos con su Palabra amorosa.

Esta fue la experiencia de San Agustín al convertirse, y nos la cuenta en sus Confesiones, donde le dice a Dios: “Llamaste y clamaste, y rompiste mi sordera. Brillaste y resplandeciste y pusiste en fuga mi ceguera. Exhalaste tu perfume y respiré y suspiro por Ti. Gusté de Ti y siento hambre y sed. Me tocaste y me abraso en tu paz.”

Al respecto decía el Papa Benedicto XVI: “esta pequeña palabra "effatá-ábrete", resume en sí misma toda la misión de Cristo. Él se hizo hombre para que el hombre, que se ha vuelto interiormente sordo y mudo por el pecado, fuese capaz de escuchar la voz de Dios, la voz del Amor que le habla a su corazón, y así se aprende a hablar a la vez, el lenguaje del amor, a comunicarse con Dios y con los demás. Por esta razón, la palabra y el gesto del "Effatá" han sido incluidas en el Rito del Bautismo, como uno de los signos que explican el significado: el sacerdote tocando la boca y las orejas del recién bautizado, dice: "Effatá", orando para que pronto pueda escuchar la Palabra de Dios y profesar la fe. Por el Bautismo, el hombre comienza, por así decirlo, a "respirar" el Espíritu Santo, a quien Jesús había invocado del Padre con esa respiración profunda, para curar al sordomudo”.

Por su parte, decía el Papa Francisco en el ángelus del domingo 6 de septiembre de 2015: “Se evidencian dos gestos de Jesús. Él toca las orejas y la lengua del sordomudo. Para restablecer la relación con ese hombre «bloqueado» en la comunicación, busca primero restablecer el contacto. Pero el milagro es un don que viene de lo alto, que Jesús implora al Padre; por eso, eleva los ojos al cielo y ordena: «¡Ábrete!». Y los oídos del sordo se abren, se desata el nudo de su lengua y comienza a hablar correctamente (cf. v. 35). La enseñanza que sacamos de este episodio es que Dios no está cerrado en sí mismo, sino que se abre y se pone en comunicación con la humanidad. En su inmensa misericordia, supera el abismo de la infinita diferencia entre Él y nosotros, y sale a nuestro encuentro. Para realizar esta comunicación con el hombre, Dios se hace hombre: no le basta hablarnos a través de la ley y de los profetas, sino que se hace presente en la persona de su Hijo, la Palabra hecha carne. Jesús es el gran «constructor de puentes» que construye en sí mismo el gran puente de la comunión plena con el Padre.

Pero este Evangelio nos habla también de nosotros: a menudo nosotros estamos replegados y encerrados en nosotros mismos, y creamos muchas islas inaccesibles e inhóspitas. Incluso las relaciones humanas más elementales a veces crean realidades incapaces de apertura recíproca: la pareja cerrada, la familia cerrada, el grupo cerrado, la parroquia cerrada, la patria cerrada… Y esto no es de Dios. Esto es nuestro, es nuestro pecado”.

El Cardenal Martini ha escrito en su tiempo una carta pastoral sobre el tema de la comunicación y ha tomado como texto base el evangelio de este domingo. Justamente refiriéndose al sordomudo dice: "En este hombre que no sabe comunicarse y es lanzado por Jesús en el vórtice gozoso de una comunicación auténtica, podemos leer la parábola de nuestra difícil comunicación interpersonal, eclesial, social"[4].

Más adelante se pregunta Martini por la raíz profunda de la incomunicación que nos lleva a ser una sociedad con una muchedumbre de soledades; y su respuesta es que en el fondo "se esconde una codicia y una concupiscencia de poseer al otro, como si fuera una cosa en nuestras manos para armar y desarmar a nuestro antojo, lo cual deja ver el ansia oscura de dominio"[5]. Ante esta realidad, la propuesta del Cardenal Martini es escuchar y contemplar a Dios, quien al comunicarse, nos hace capaces de comunicarnos. Sus palabras, entre muchas, son: "No hay nada que cure tanto el corazón como la contemplación de la comunicación divina en sus diversas formas […] Es Dios mismo quien viene a nuestro encuentro: él es comunicación, es capaz de sanar nuestros fracasos de comunicación y de llenarnos de la gracia de un flujo relacional sano y constructivo […] Toda la Biblia puede leerse, pues, como la historia del diálogo entre Dios y los hombres y de los hombres entre sí […] La escucha creyente de la Palabra de Dios libera y unifica. Une también entre sí a aquellos que escuchan la misma Palabra, produciendo experiencias de auténtica comunicación"[6]. Para este mes de la Biblia, vale.

Para cerrar, nos parece magistral la síntesis de H. U. von Baltasar[7]:

"En el evangelio de hoy Jesús cura a un sordomudo. Está claro que para él no se trata solamente de un defecto corporal, sino de un símbolo del pueblo de Israel (que representa a toda la humanidad): Israel es, como dijeron a menudo los profetas, sordo para la palabra de Dios, y por tanto incapaz de dar una respuesta válida a la misma. Jesús no hace milagros espectaculares, por eso aparta al sordomudo del gentío: busca un delicado equilibrio entre la discreción (frente a la propaganda del mundo) y la ayuda que debe prestar al pueblo. Los dos tocamientos corporales (en los oídos y en la lengua) constituyen el preludio del momento solemne en que Jesús levanta los ojos al cielo – todo milagro de Jesús es una obra del Padre en él – y lanza un suspiro, que indica que está lleno del Espíritu Santo; esta plétora trinitaria muestra bien a las claras que en la orden «ábrete» resuena una palabra que no solamente produce una curación corporal, sino un efecto de gracia para Israel y la humanidad entera".

En conclusión, el evangelio de este domingo, con la curación de un sordo mudo, nos ofrece la posibilidad de meditar sobre un tema tan vital como es el de la comunicación, tanto entre nosotros como con Dios. Se nos invita a tomar conciencia de que Dios ha roto el silencio y se ha comunicado con nosotros. Ser creyente, tener fe, es primeramente aceptar que Dios nos ha hablado y nos sigue hablando; que Dios ha tomado la iniciativa de comunicarse con nosotros para iniciar un diálogo de amistad. Porque nos hacemos amigos de alguien escuchando y hablando, compartiendo la vida. Y Jesús busca esto con nosotros cuando nos habla a través de los evangelios y de la vida. Pero puede sucedernos lo mismo que le pasó al pueblo de Israel a lo largo de muchos momentos de su historia: se comportó como un pueblo sordo, no escuchó la voz del Señor. Y lo mismo podemos decir de la falta o mala comunicación entre nosotros. Estamos en la era de los medios de comunicación: con mails, celulares, whatsapp, twitter, instagram… Estas redes, bien utilizadas, pueden un magnífico canal de comunicación y, también, de evangelización. Pero como dice el Papa Francisco en “Cristo Vive” n° 88: “No es sano confundir la comunicación con el mero contacto virtual. De hecho, «el ambiente digital también es un territorio de soledad, manipulación, explotación y violencia, hasta llegar al caso extremo del dark web. Los medios de comunicación digitales pueden exponer al riesgo de dependencia, de aislamiento y de progresiva pérdida de contacto con la realidad concreta, obstaculizando el desarrollo de relaciones interpersonales auténticas.”

En fin, Jesús, además de hablarnos, tiene primero que curarnos de nuestra sordera, sacarnos de nuestro aislamiento egoísta que nos incomunica con Dios y con los demás. Pidamos con fervor esta gracia que tanto necesitamos.

PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):

Oír y anunciar

Señor de mi vida,

Enséñame a ser dócil a tus cuidados

Dejarte tocarme en mi debilidad

Sanar mis heridas, librarme de toda maldad.

Deseo dejar mis miedos

Entregarme a ti con seguridad

Tú me llamas aparte, me quieres sanar.

A veces la confianza se aleja de mí

Me arrastra la agitación de los días que gasto

Sin pensar en tu descanso.

Y tú no dejas de enseñarme

a abrir mis oídos a tu Palabra

Luego llevar la Buena Nueva contra toda esperanza.

¡Todo lo hace bien, no dudes hermano!

Son divinas las hazañas

Del Amor que nunca dice basta.

Amén.



[1] Cf. J. Gnilka, El evangelio según San Marcos I, 346.

[2] Para gloria y alabanza de la Santísima Trinidad. Orientaciones para las homilías desde el domingo de la Santísima Trinidad hasta el domingo de Cristo Rey. Ciclo B (CEA; Buenos Aires 2000) 194.

[3] El evangelio según San Marcos I, 347.

[4] C. M. Martini, Effatá. "Ábrete" (San Pablo; Bogotá 1995) 13.

[5] C. M. Martini, Effatá. "Ábrete" (San Pablo; Bogotá 1995) 28.

[6] C. M. Martini, Effatá. "Ábrete" (San Pablo; Bogotá 1995) 37. 45. 53. 86.-

[7] Luz de la palabra. Comentarios a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 190-191.