Gianni Vattimo («Acreditar em Acreditar»)

Desde querer acreditar até esperar acreditar

Filósofo italiano Gianni Vattimo «invade» mais uma vez a temática da fé. As afirmações são «débeis»

António Rego Chaves

Este livro do filósofo italiano Gianni Vattimo – bem conhecido pela sua «descoberta» do chamado «pensamento débil» – é escrito na primeira pessoa e, portanto, até certo ponto autobiográfico. Trata-se, no caso, de uma «curiosidade» não negligenciável, que acentua sem rodeios o carácter situado – viciosa terminologia sartriana, considerarão alguns – da reflexão: num tempo e num espaço bem concretos, sem a arrogância dos pretensos detentores impessoais de verdades absolutas, este homem interroga-se, com toda a sua cultura filosófica e com toda a sua experiência vivida, acerca de Deus. E quer «credere di credere», acreditar em acreditar, esperar acreditar.

Nascido em 1936, professor na Universidade de Turim, autor, entre outras, de obras como «As Aventuras da Diferença», «O Fim da Modernidade», e «A Secularização do Pensamento», Gianni Vattimo confronta-se com o seu juvenil passado de católico praticante e com o seu presente assumido de «meio crente», isto é, segundo a edição portuguesa, de «crente não praticante». Afastada a questão da terminologia adoptada – que não se nos afigura despicienda para a plena compreensão da complexidade da personagem –, o problema essencial parece ser o seguinte: o filósofo concentra-se em dissecar a «meia-fé» que sente ao seu alcance, tendo sempre como pano de fundo o afastamento das instâncias hierárquicas da Igreja Católica, Apostólica e Romana, incluindo o seu actual Papa, João Paulo II, a quem acusa de «um certo fundamentalismo».

Anote-se que o tema do referido afastamento se torna por vezes obsessivo, indiciando a dificuldade que o pensador sente em se demarcar de forma irreversível da autoritária instituição sediada no Vaticano. E, no entanto, segundo refere, bons motivos não lhe faltam, desde a hegemonia da «insuperável» tradição filosófica aristotélico-tomista, passando pela anatematização dos homossexuais e acabando no impedimento do direito da mulher ao sacerdócio pelos actuais mentores ideológicos do catolicismo.

Experiência da morte dos outros, doença, expectativa do seu próprio desaparecimento, tudo leva Vattimo a debruçar-se sobre os temas de Deus, da imortalidade da alma, da ressurreição da carne, sempre inseridos numa perspectiva cristã, ainda que matizada pela dúvida. A questão é menos a da existência de Deus do que da exigência de Deus, tendo como ponto de partida «o sentimento trágico da vida», como diria Unamuno. E, quanto à Bíblia, o «meio-crente» é muito explícito, escrevendo: «A religiosidade moderna – a única que nos é dada como vocação, se queremos que seja autêntica – não pode prescindir de um dos ensinamentos originários de Lutero, a ideia do «livre exame» das Escrituras.» (…) «A interpretação pessoal das Escrituras é o primeiro imperativo que as próprias Escrituras nos propõem.» (…) «Reivindico o direito de voltar a ouvir a palavra evangélica sem ter por isso de partilhar as verdadeiras superstições, em matéria de filosofia e de moral, que ainda a obscurecem na doutrina oficial da Igreja.»

Será imaginável o «regresso» ao cristianismo, no nosso tempo? Aqui o filósofo não responderá apenas por si, mas por muitos dos seus contemporâneos ocidentais: «O reencontro do cristianismo tornou-se possível graças à dissolução da metafísica – isto é, graças ao fim das filosofias objectivas, dogmáticas, e também das pretensões de uma cultura, a europeia, que acreditava ter descoberto e realizado a verdadeira ‘natureza’ do homem.»

Concluindo: «acreditar em acreditar» talvez possa significar, apenas, «apostar» no sentido de Pascal, «esperando vencer mas sem estar absolutamente certo disso. Acreditar em acreditar ou ainda: esperar acreditar». E é tudo, segundo Gianni Vattimo.

Gianni Vattimo, «Acreditar em Acreditar», Relógio d’Água, 1998, 101 páginas

Publicado no «Diário de Notícias» em 26/03/2002