Entre Ramires e Maurras (Integralismo Lusitano)

António Rego Chaves

O historiador António Costa Pinto assevera que o Integralismo Lusitano «participou activamente na instauração de uma nova ordem autoritária em Portugal», sendo «um dos precursores da ideia de ditadura como alternativa ao republicanismo liberal». Caracteriza o seu projecto como uma tentativa de «restauração de uma monarquia corporativa, antiliberal, descentralizada e tradicionalista». Acrescenta ter sido «sobretudo no campo intelectual que o legado integralista foi absorvido pelo Estado Novo, nomeadamente pelo nacionalismo historicista veiculado pelo aparelho escolar e de propaganda, e ainda através da acção autónoma de alguns ex-integralistas que continuaram activos ao longo do regime».

Conhecidos estes factos, importava traçar, desde as origens, o itinerário percorrido por homens como António Sardinha, Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, Almeida Braga e Pequito Rebelo que, em Coimbra, desde Janeiro de 1914, sobretudo na revista «Nação Portuguesa», se propuseram, no dizer de Rui Ramos, «conquistar para a monarquia e o catolicismo a opinião da geração nova». Aliás, este investigador considera – tal como António Costa Pinto, Carlos Ferrão ou Manuel Braga da Cruz –, que era objectivo inicial dos fundadores do Integralismo Lusitano «divulgar em Portugal as teses da Action Française». Nada mais discutível, de acordo com a tese agora defendida por José Manuel Quintas neste seu livro «Filhos de Ramires».

Incontroverso parece ser que o pensamento de Charles Maurras teve no padre Amadeu de Vasconcelos (Mariotte) o seu mais importante divulgador em Portugal. Raul Proença, no entanto, viria a afirmar que o Integralismo Lusitano era uma cópia das ideias do autor de «O Inquérito sobre a Monarquia». Alberto Monsaraz responder-lhe-ia com toda a clareza que o Integralismo não era neo-clássico (como a Action Française), mas neo-medievo; e que não era conservador, antes reaccionário e renovador. Mais: o profundo catolicismo dos integralistas contrastava com o indisfarçado agnosticismo de Maurras – motivo pelo qual, aliás, a Action Française viria a ser condenada e considerada pelo Papado, até ao pasmoso aceno de simpatia de Pio XII, o inolvidável protagonista do «ensurdecedor silêncio» sobre Auschwitz, como uma defensora da Santa Sé e da Igreja, mas não da fé. Escreve José Manuel Quintas: «Para a maioria dos seus detractores, o integralismo não passou de uma cópia da Action Française.» (…) «Mais do que pensadores de pleno direito, os integralistas eram sobretudo plagiadores, publicistas (no sentido pejorativo do termo), políticos panfletários sem originalidade.» (…) A isto respondiam os apologistas com o enaltecimento do Poeta e Pensador António Sardinha, afirmando a matriz nacional do Integralismo Lusitano, estabelecendo linhas de continuidade entre os teorizadores do poder régio de seiscentos com os pensadores legitimistas do século XIX, com a geração de 70, em especial com o grupo e fase de Vencidos da Vida, afirmando um pensamento tradicionalista e anti-conservador, de raiz portuguesa e hispânica.» A verdadeira opção era, segundo acentua António Costa Pinto, pelo «medievalismo rural, autonomista e artesanal, que os desvarios das Descobertas puseram em causa, arrastando Portugal para a decadência».

Na opinião de José Manuel Quintas, «o Integralismo Lusitano constitui-se enquanto movimento político de ideias em torno a uma consciência da individualidade espiritual e cultural dos portugueses, numa reflexão sobre a Tradição e a História Pátrias; Gonçalo Mendes Ramires, a célebre personificação queirosiana de Portugal, é o pai cultural e ideológico dos integralistas.»

Ainda de acordo com o autor, «foi a geração de 70, por intermédio de Antero de Quental, quem afirmou, à entrada das Conferências do Casino, que a causa política da decadência portuguesa estava na destruição das liberdades locais provocada pela implantação do Absolutismo.» Aliás, o último sobrevivente da geração de 70, o «Vencido da Vida» Ramalho Ortigão, saudará os jovens integralistas, na «Carta de um Velho a um Novo» (1914), denunciando a «necessidade culminante da reeducação do povo português.» Fialho de Almeida, por seu turno, zurzirá, pouco antes de morrer, essa «gente de fomes históricas, acostumada ao devorismo do erário» que, afirmando-se republicana «desde a aparição dos dentes caninos», se limitara a substituir um rei por um presidente, operando «uma simples mudança de tabuleta à mesma droga».

Tal como o liberalismo da primeira metade do século XIX, com Alexandre Herculano e Almeida Garrett, a geração de 90, porque perdida a esperança de acertar o passo pela Europa e abalada pelo Ultimato britânico, procurara uma nova noção de nacionalidade, reinventando, segundo António Costa Pinto, «a “tradição” de uma sociedade orgânica e corporativa, de que o Portugal medieval teria sido paradigma e que o liberalismo do século XIX, produto de “importação”, veio a destruir». António Sardinha denunciará com veemência «a excomungada farmacopeia gaulesa» e a «intrusão de categorias mentais, hostis por índole e meio às tendências espontâneas do agregado que (…) se viu traído, depois da era de Quatrocentos, pelas simpatias estrangeiristas dos elementos dirigentes». Os integralistas assentam o seu programa político e administrativo num corporativismo integral, elemento central da sua alternativa ao liberalismo, tomando como bases a Família, a Povoação (Comuna ou Município), a Região (Província ou Cidade) e a Nação. Fecho da abóbada, o Rei, símbolo da «monarquia orgânica, tradicionalista e antiparlamentar», a quem compete governar – mas não administrar. Limitar-se-ia assim o exercício do poder régio, que se confinaria à diplomacia, à defesa militar, à gestão financeira geral e à justiça, ficando a administração a cargo do «corpo da Nação». Estado mínimo, Nação em regime de auto-administração. António Sardinha reafirmará uma concepção municipalista do Estado-Nação, enquanto Hipólito Raposo recuperará Alexandre Herculano para enaltecer «a democracia medieval» tal como fora praticada nos municípios. Acrescente-se que, nos planos estético, filosófico e religioso, o movimento se assume como neo-romântico e neotomista, demarcando-se expressamente do irracionalismo e do intelectualismo de Henri Bergson.

O Integralismo não teria nascido, pois, da adaptação das ideias da Action Française à realidade portuguesa, cedo assumindo a matriz doutrinária da neo-escolástica seiscentista de Roberto Bellarmino ou de Francisco Suárez. Escreve o autor, na esteira de Pinto de Castro, Gama Caeiro e Pinharanda Gomes: «O Integralismo Lusitano, pelo modo como colocou o problema político nacional e pelo índice de solução que apresentou, não é explicável fora das vias de regeneração portuguesa em entrechoque desde a segunda metade do século XIX, mediado pelas novas formulações produzidas na sua última década.» Entre o «exotismo» francês de Charles Maurras e a «fraqueza generosa de Gonçalo Mendes Ramires», poucos integralistas, logo nos primeiros tempos, hesitaram. Depois, quase todos se assumiriam como legítimos «filhos de Ramires»…

José Manuel Quintas, «Filhos de Ramires – As Origens do Integralismo Lusitano», Editorial Nova Ática, 2004, 425 páginas