(ANO ÍMPAR)
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
Gn 2,18-25
“O Senhor Deus disse: Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Esse desígnio de Deus em relação ao homem acena para a narrativa da criação da mulher.
O Senhor Deus, após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, os conduziu até ao homem, a fim de verificar como ele os chamaria (Gn 2,19). Deus é apresentado como um pai que educa sem forçar os ritmos de amadurecimento do filho, mas, que ao mesmo tempo, não deixa de incentivar e favorecer esse amadurecimento. Deus já tinha decidido: “vou providenciar um auxílio que lhe corresponda” (2,18). Antes, porém, de providenciar a auxiliar que lhe corresponda, Deus modelou do solo todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e os trouxe ao homem para ver que nome lhes daria. Ao dar nome, o homem começa a exercer a sua vocação de dominar “sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos”. Ao dar nome aos animais, o homem como que toma posse do seu domínio sobre o reino mineral, vegetal e animal. Dar nome é o mesmo que organizar e determinar o lugar de cada ser criado em relação ao homem. Se Deus criou para pôr tudo a serviço do homem, o homem, ao impor nomes aos animais, toma consciência de sua primazia em relação a tudo e tudo ordena em função de sua soberania em relação às outras criaturas.
É exatamente depois de ter tomado consciência de sua ligação com os seres criados (uma vez que é também criatura entre criaturas), que o homem percebe que se eleva sobre as criaturas e, assim experimenta a solidão.
O homem toma consciência da própria superioridade, cai na conta de que não pode se colocar em igualdade com nenhuma outra espécie de ser vivo sobre a terra. O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo, o homem não encontrou para si uma auxiliar adequada (Gn 2,20).
Ao levar os animais formados do pó da terra ao homem, Deus como que desperta no homem a questão da sua própria identidade: afinal quem sou eu? A solidão original do homem entre os seres vivos tem um significado negativo que exprime o que ele “não é”: o homem é criatura em meio ao mundo visível, mas ele percebe que é mais do que o mundo visível.
O homem está só, diante de Deus: ele chegou à consciência de que é um ser diverso e distinto de todas as criaturas, de todos os seres vivos. Essa consciência que tem de si mesmo em confronto com o mundo criado revela que ele é um ser que possui a faculdade cognoscitiva a respeito do mundo visível. Com este conhecimento ele, em certo modo, sai para fora do próprio ser, e isso o torna ciente da peculiaridade do seu ser. A consciência de si e de seu ser peculiar é o que o torna um ser solitário.
Solidão original significa autoconhecimento do homem. O homem está só, porque é “diferente” do mundo visível e dos seres vivos. A solidão original é o que possibilita ao homem se distinguir, de um lado, de Deus e, de outro, de todos outros seres vivos. Com essa solidão original, o homem se afirmar como “pessoa”. O homem descobre que estar só é ser pessoa: ele não é algo, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de se doar livremente a outra pessoa. É exatamente isso que o homem percebe quando não encontra entre os animais uma auxiliar que lhe corresponda: não há outra pessoa a quem ele possa se doar e dela receber uma resposta.
Somente depois que o homem constata a própria solidão, Deus cria a mulher: Então, o Senhor Deus fez vir um sono profundo sobre o homem, o qual adormeceu. Tomou um lado (costela) dele e fechou a carne no seu lugar. E do lado (costela) que tomara do homem, o Senhor Deus formou a mulher e a trouxe ao homem (Gn 2,21-22).
Muitos conteúdos antropológicos podem ser colhidos nessa passagem.
1. O sono profundo
Ao sono relacionamos quase espontaneamente o sonho: o homem sonha encontrar um “segundo eu”, “um outro eu distinto de mim”, “um tu” pessoal e igualmente marcado pela solidão original. O homem cai no sono com o “sonho” de encontrar um ser semelhante a si.
O sono em que Deus fez cair o primeiro homem, sublinha a exclusividade da ação de Deus na obra da criação da mulher: o homem não teve nela nenhuma participação consciente. O homem parece ter assistido à formação dos animais do pó da terra, mas ao mistério da criação da mulher, o homem não é admitido. Como o homem é mistério para si mesmo, pois está marcado pela solidão original, assim a mulher é mistério que fascina e assombra o homem.
2. A costela de Adão. Deus serve-se da sua “costela” porque o homem e a mulher têm a mesma natureza. A mulher é feita “com a costela” (tomou um lado dele.) que Deus tinha tirado do homem. Esse é o modo arcaico de exprimir a homogeneidade (de mesma natureza) do ser homem e mulher.
A homogeneidade entre homem e mulher é tão evidente que o homem, despertando do sono, imediatamente a exprime: Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem. Mesmo que a diferenciação sexual e corporal seja igualmente evidente, o homem não deixa de manifestar a sua alegria e exultação: agora sim ele encontrou alguém que, como ele, se autoconhece, se autopossui e se autodoa. As palavras são poucas e essenciais, mas cada uma tem grande peso. A mulher, feita com “o lado do homem” é imediatamente aceita como auxiliar semelhante a ele.
Na antropologia bíblica os “ossos” exprimem um elemento importantíssimo do corpo; dado que para os Hebreus não havia distinção clara entre “corpo” e “alma” (o corpo era considerado como manifestação exterior da personalidade), os “ossos” significavam simplesmente o ser humano (cfr., por exemplo, Sl 139,15: não te estavam escondidos os meus ossos). Pode-se, portanto, entender “osso dos ossos”, em sentido relacional, como o “ser vindo do ser”; “carne proveniente da carne”. Assim o homem canta a mulher que, mesmo tendo características físicas diversas, possui a mesma dignidade de pessoa que o ele possui.
O termo auxiliar que lhe corresponde sugere a ideia não tanto de “complementaridade”, mas mais de “correspondência” e de “reciprocidade”.
A criação da mulher como auxiliar que corresponde ao homem não deve ser entendida como se a mulher tivesse que preencher as necessidades e carências do homem. Ainda que sejam criados um para o outro, esse “um para o outro” traz a marca da solidão original. Em outras palavras, homem e mulher são “pessoa”. Não são coisa ou objeto. Além disso, o sono que impede o homem ter acesso ao mistério da mulher reafirma que o encontro pessoal é encontro com o mistério do ser pessoal: o outro nunca pode ser reduzido às minhas necessidades e exigências. O “outro de mim mesmo” sempre transcende o que conheço do outro. Não pode ser possuído ou controlado por mim, mas posso me doar a ele no amor. Resgatar a masculinidade significa reconhecer o mistério pessoal da mulher: ela não existe em função de meus caprichos. Ela não é reduzida ao que conheço dela, nem é propriedade minha. Posso, por outro, lado me doar a ela no amor.
(ANO PAR)
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
Davi quis generosamente construir um Templo em Jerusalém em honra de Deus, mas o profeta Natã foi enviado por Deus para lhe dizer: Não será tu a construir uma casa para Deus, mas Deus é que construirá uma casa para ti, isto é, construirá uma casa real, uma dinastia. Assim um filho seria o sucessor e este construiria um templo ao Senhor.
E assim aconteceu. Salomão construiu o templo em Jerusalém: assim a promessa divina se cumpriu com Salomão.
A história sucessiva, porém, demonstrou que esse cumprimento não constitui a plenitude de promessa divina anunciada por Natã. Na verdade, esse cumprimento foi somente um esboço imperfeito da promessa de Deus de construir a casa para Davi.
A leitura de hoje nos mostra como Salomão, que tinha começado tão bem, no fim acabou por não se mostrar um digno sucessor de Davi: “Quando Salomão ficou velho, seu coração já não pertencia integralmente ao Senhor como seu pai Davi”.
Salomão no foi fiel. Ele se casou com mulheres estrangeira não por motivos de amor, mas políticos. Ele se casou com filhas ou irmãs de reis pagãos dos países vizinhos: a Fenícia, o reino dos Moabitas e dos Amonitas. Fazendo isso ele assegurava alianças políticas. Dessas alianças política, porém, foi induzido ao desvio religioso: “suas mulheres desviaram-lhe o coração para seguir outros deuses. Assim Salomão fez o que é mau aos olhos do Senhor e não o seguiu integralmente como fez seu pai Davi”. Dessa maneira, o construtor do Templo de Jerusalém começou a construir santuários para os deuses pagãos: “Salomão construiu um lugar alto para Camos, abominação de Moab, no monte que está defronte de Jerusalém; e para Melcom, abominação dos amonitas”.
Que escândalo, que decadência! O filho de Davi, construtor do Templo de Deus, constrói na sua velhice templos pagãos! Salomão tinha agora o coração dividido: a política lhe dividiu o coração!
É preciso uma grande fortaleza de alma para permanecer sempre fiel a Deus. muitas vezes podemos também ser tentados a seguir outros deuses: o sucesso, a ambição política, o dinheiro, a paixão amorosa... Nesse momento deve ser clara em nossa consciência: Deus é o único Deus! Somente Deus tem direito a totalidade do nosso coração: todos os nossos afetos, todas as nossas aspirações e desejos devem estar orientados a Deus e à sua adoração e ao amor por Ele.
Com a vinda de Cristo, descobrimos que o verdadeiro filho de Davi não foi Salomão, mas Jesus de Nazaré. Jesus resistiu a todas as tentações. Ele rejeitou as tentações políticas; pelo contrário, preferiu a humilhação do que se desviar da obediência ao Pai. É Jesus o verdadeiro construtor do verdadeiro Templo de Deus que é o seu corpo. Ele edificou o templo de Deus com a sua morte e ressurreição. Ele é o construtor do verdadeiro Santuário de Deus feito de pedras vivas que somos nós! Jesus é a verdadeira habitação de Deus entre os homens.
Procuremos, como Jesus, amar Deus com coração indiviso!