2027
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
Meu irmão, minha irmã!
Jo 6,1-15
O milagre de Jesus está ligado a uma necessidade básica do ser humano: o alimento. Nesse sentido, é preciso que estejamos atentos: se o milagre está ligado a uma necessidade essencial é porque ele é sinal e realidade de uma necessidade absoluta para o cristão. Veremos no fim do capítulo 6 de João que Jesus se revela como o pão da vida eterna e a eucaristia como o mistério que realiza a nossa união com Cristo.
O relato começa com a grande multidão que segue Jesus. Destaca-se assim a iniciativa de Jesus: é Ele que arrastou o povo para uma região distante e afastada. Também é Jesus que se antecipa à fome das pessoas, que pergunta aos discípulos onde vão conseguir pão para tantas pessoas. É Ele também que, depois, dá ordens para as pessoas se sentarem e distribui os pedaços de pães. O fato de ser sempre Jesus quem tem a iniciativa revela que tudo recebemos das mãos do Senhor como um dom. Assim é no milagre, assim é na vida cristã.
Filipe e André representam a visão humana dos fatos. Eles veem a situação com um realismo impotente, pois estão obrigados a fazer cálculos: duzentas moedas de prata não são suficientes para dar um pedaço de pão para cinco mil pessoas.
Jesus tomou os cinco pães de cevada e dois peixes, deu graças e distribuiu os pedaços. Todos comeram quanto queriam. Jesus é a generosidade de Deus. Por isso, ir até Jesus significa não ter mais que passar fome. A multidão é alimentada por Ele, e as sobras evidenciam essa generosa superabundância do alimento dado por Deus. Ao mesmo tempo, a abundância não deve dar ocasião para o desperdício. Por isso as sobras são recolhidas.
A multidão, porém, não entendeu bem o sinal da multiplicação dos pães. Querem proclamar Jesus rei: um rei somente para resolver os problemas econômicos. Jesus busca a fé, não o entusiasmo superficial. Ele não quer o fanatismo agressivo dos que desejam proclamá-lo rei.
DOM JÚLIO ENDI AKAMINE
2.
“Estando num certo lugar, orando, ao terminar, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos” (Lc 11,1). O pedido nasce do choque existencial do discípulo que vê Jesus rezar. Ele está fascinado com o modo de Jesus orar. O seu desejo não é o de receber uma nova oração para a sua lista já bastante grande de orações, uma vez que, como judeu piedoso, aquele discípulo deveria rezar os salmos de memória e muitas outras orações ligadas às diversas circunstâncias da vida cotidiana. O seu desejo consiste em ser introduzido na intimidade que Jesus tem com o Pai e, assim, se tornar um orante como Jesus.
Em resposta ao pedido desse discípulo, Jesus confiou a nós e à Igreja a oração cristã fundamental.
O Evangelho segundo Lucas apresenta o Pai-nosso em relação com a oração pessoal de Jesus. Ensinando aos discípulos o Pai-nosso, Jesus não transmite somente uma fórmula, mas os introduz no diálogo interior do Amor trinitário. Ao ensinar o Pai-nosso, Jesus comunica a nós as palavras e quer formar em nós os seus sentimentos de Filho (Fl 2,5). Em outras palavras, o Pai-nosso provém da oração personalíssima de Jesus e do seu diálogo de Filho com o Pai. O Pai-nosso só pode ser rezado no interior da profunda experiência vivida por Jesus. Essa é a profundidade para a qual as palavras nos remetem.
“A oração dominical é a mais perfeita das orações. Nela não só pedimos tudo quanto podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos” (Sto. Tomás de Aquino, s. th. II-II, 83,9).
São Bento cunhou a fórmula: mens nostra concordet voci nostra (o nosso espírito deve concordar com a nossa voz, Reg. 19,7). Normalmente o pensamento precede, busca e forma a palavra. Na oração (dos salmos, da liturgia, do Pai-nosso) acontece o contrário: a palavra nos precede, e o nosso espírito deve se adequar a essa palavra. De fato, nós não sabemos o que convém pedir (Rm 8,26). Na oração do Pai-nosso, o Senhor vem em nosso auxílio e nos ensina a rezar e o que convém pedir. Dá-nos, nas palavras do Pai-nosso, a oportunidade de ir ao seu encontro e de conhecê-lo pouco a pouco através da oração pessoal e comunitária.
Na oração do Senhor, o Espírito dá forma nova aos nossos desejos e as moções interiores que animam nossa vida. Jesus nos ensina a vida nova por sua palavra e a desejá-la pela oração.
Da retidão de nossa oração depende a retidão de nossa vida em Cristo. A oração do Pai-nosso julga nossos desejos diante de Deus e expressa os desejos do Filho que se tornam nossos. O Pai-nosso é um caminho de purificação de nossos desejos: os corrige e nos conduz pouco a pouco a desejar o que realmente precisamos: Deus.
Jesus não nos dá somente as palavras da oração filial, mas nos dá, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós “espírito e vida” (Jo 6,63). Com efeito, o dom de Deus é Deus mesmo e a “coisa boa” que o Pai nos dá consiste no dom do Espírito: “o Pai vosso celeste dará o Espírito Santo aos que lhe pedem” (Lc 11,13).
No Pai-nosso fica evidente um elemento próprio da mística cristã: a oração não é um mergulho em si mesmo, mas encontro com o Espírito de Deus na palavra que nos precede e, dessa forma, um entrar em comunhão com o Deus vivo e verdadeiro.
Reconhecemos que “ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. Orar ao Pai é entrar em seu mistério, tal qual Ele é, e tal como o Filho no-lo revelou. Podemos invocar a Deus como “Pai” porque Ele nos foi revelado por seu Filho feito homem e seu Espírito Santo que ora em nós e por nós. Aquilo que o ser humano não pode esgotar – a relação pessoal do Filho com o Pai – é o que o Espírito do Filho nos dá a participar. Quando rezamos ao Pai, estamos em comunhão com Ele, com seu Filho e com seu Espírito.
O Pai-nosso inicia com uma grande consolação: nós podemos dizer “Pai”! Nessa única palavra se encerra a história da salvação inteira. Podemos dizer “Pai”, porque o Filho é nosso irmão e nos revelou o seu Pai; porque pela obra do Filho e pela infusão do Espírito nos tornamos filhos de Deus.
Deus em todo momento sabe ser somente amor, somente Pai. O que ama não tem inveja, e o que é Pai é Pai por completo (...). O Pai é Pai em tudo quanto nele existe, possui-se inteiramente naquele para o qual não é Pai somente em parte (...). De maneira incompreensível, inenarrável, antes de todo tempo e toda idade, procriou o Unigênito da substância ingênita que nele há, e deu a esse Filho nascido dele, por meio de seu amor e de sua potência, tudo o que Deus é (Hilário, De Trin. IX,61; III,3).