No evangelho de Mateus que acabamos de ouvir, vemos o cumprimento da profecia de Jeremias “farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra”.
José, descendente de Davi, recebeu o anúncio desse nascimento prometido, que já tinha sido também profetizado por Isaías: “eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho”.
Ao mesmo tempo, vemos que esse nascimento tão aguardado e esperado não se realizou sem um drama pessoal muito doloroso para José e Maria. José chegou à convicção de que deveria renunciar a Maria, que precisava renunciar ao casamento com ela que era o tesouro de sua vida. Podemos imaginar o sacrifício que seria para José ter que renunciar a Maria, mas ele estava disposto a tal renúncia. De fato, os grandes dons de Deus são, muitas vezes precedidos de grandes tribulações e provas: Deus alarga assim o nosso coração para poder preenchê-lo ainda mais do seu dom. O dom de Deus é sempre muito grande, e nós precisamos dessa preparação, muitas vezes dolorosa, de nosso coração.
O mesmo aconteceu com José. Ele foi preparado para receber a graça de Jesus. O dom de Jesus foi dado não somente a José, mas ao mundo todo. Assim o drama pessoal de José o levou a viver uma grande alegria na castidade perfeita de uma união espiritual profunda com Maria. Sempre pensamos que a castidade de José o distanciou de Maria e de Jesus. Essa compreensão, porém, é preconceituosa e errada. Foi a castidade que permitiu a José viver em uma comunhão de intimidade e de unidade com Maria muito profunda.
Podemos também admirar a força de alma e a obediência de São José. Ele, sendo um homem justo, decidiu renunciar a Maria, mas sem fazer escândalo. Aceitou o sacrifício no silêncio. Isso é sinal de grandeza e força de alma. Mas o mais admirável é a sua obediência a vontade de Deus.
Quando fazemos grandes sacrifícios, normalmente nós nos endurecemos e o nosso coração se fecha. Não queremos mais ouvir mais nada porque queremos nos manter no sacrifício assumido. Mas S. José, mesmo pronto ao sacrifício, se mantem aberto à Palavra de Deus. O anjo, ao vir ao encontro de José, encontra o seu coração aberto para as grandes promessas de Deus.
Peçamos ao Senhor, a força de alma para fazer sacrifícios por amor. Peçamos também que, mesmo dispostos a grandes sacrifícios, nos mantenhamos abertos a vontade de Deus, sem nos enrijecer em nossas decisões. Que estejamos sempre abertos às promessas divinas.
Lc 1,26-38
O evangelho da anunciação nos permite falar de duas coisas: sobre as grandezas de Maria (a cheia de graça, a mãe de Deus, a esposa do Espírito Santo) ou sobre a pequenez de Maria (a serva do Senhor, a mulher que se perturba, que tem que crer). Ambas as perspectivas são verdadeiras e devem sempre ser pensadas juntas: aquela que é a serva humilde, mulher simples do povo é também a cheia de graça, a bendita entre as mulheres e a mãe de Deus é também aquela que apesar da perturbação acredita.
Ao contemplarmos Maria, corremos o risco de imaginar que nela tudo foi fácil e transparente. Ela sabia tudo:
• que seria a mãe de Deus,
• que o menino Jesus era o Messias e o Filho de Deus,
• de que ela era a bendita entre as mulheres.
Os evangelhos não falam dessa forma, pelo contrário, mostram-nos Maria
• caminhando na fé
• andando na obscuridade da fé
• nem sempre entendendo os caminhos misteriosos de Deus.
Por isso a real grandeza de Maria, segundo os evangelhos é sua vida de fé, de entrega humilde e confiante aos desígnios de Deus.
Duas coisas na vida de Maria devemos destacar:
a. Sua vida de fé que não entende tudo mas confia (Lc 1,38)
b. sua fé que cresce mediante a reflexão e a meditação. O evangelho de hoje mostra que “Maria refletia no que poderia significar a saudação”
Como dizem os santos padres: primeiro Maria concebeu em seu coração, depois em seu seio; primeiro concebeu no espírito mediante a fé, depois no corpo.
a. O anjo comunica a Maria coisas difíceis de entender:
• ela é cheia de graça;
• sendo virgem vai conceber um menino;
• a força geradora não será um homem, mas o Espírito Santo;
• filho que nascer, Jesus, será por um lado seu filho, mas também Filho do Altíssimo;
• será o Messias cujo Reino não terá fim.
Como crer em tudo isto? Não é alucinação? Poderá Deus fazer tantas maravilhas numa simples mulher do povo e no anonimato da história?
Maria se perturba e tem medo. Mas não duvida. Apenas pergunta como se fará tudo isso. Ela ouve as promessas e aceita as coisas que não se veem. Ela creu, pois para Deus nada é impossível. Na carta aos hebreus temos a seguinte definição: “a fé é a antecipação das coisas que se esperam, a prova das realidades que não se veem” (Hb 11,12).
b. Maria acreditou sem dar-se conta de toda a profundidade daquilo que ouvia: certamente teve consciência real de sua maternidade ligada ao Espírito Santo e de a salvação da humanidade está vinculado ao filho que começa a nascer em seu seio. Mas ela teve que caminhar e crescer na fé, no sentido de que a vida vai tornando manifesto aquilo que ainda lhe era obscuro e confuso. Este é o caminho de Maria: é o caminho de quem deve peregrinar na fé.
A fé convive com a perplexidade, mas não pode subsistir com a dúvida. A dúvida deve ser superada. Zacarias não conseguiu superar a dúvida e por isso foi castigado. Maria acreditou e por isso recebeu o elogio de Isabel.
O que significa crer? Olhando o exemplo de Maria podemos dizer três coisas sobre a fé.
1. Crer significa confiar apesar da obscuridade; acolher apesar de não ver claro porque é Deus quem está falando; entregar-se e arriscar na esperança de não ser enganado pelo outro. É uma atitude que exige pobreza interior, desapego das próprias seguranças, liberdade para o novo e o inaudito.
2. Crer significa aceitar e assumir a verdade do outro. Não basta confiar no outro; é preciso abrir-se aos planos e à verdade do outro ainda que não se veja claro a transparência destes planos. Maria acolheu o conteúdo das palavras do anjo: de ser virgem e mãe, de o Filho ser Deus, Messias e Salvador. Crer é poder dizer fiat: faça-se não conforme a minha compreensão e os meus desejos, mas conforme a vontade de Deus.
3. Crer significa obedecer. Obedecer é oferecer-se para realizar os planos do outro; obedecer é ouvir a palavra do outro, acatá-la e cumpri-la. Obedecer não é ser escravo, porque o escravo não é livre. Deus nos quer livres e por isso ele não invade o seio de Maria, mas antes pede licença e oferece sua proposta de salvação. Maria se prontifica a realizar sua missão
Maria é o modelo para todos os que cremos. Assim como o AT começa com Abraão que esperando contra toda esperança acreditou e tornou-se pai de uma multidão de povos, assim o NT começa com Maria. Ela é modelo de fé, ela é a nova Eva.
Prezados irmãos e irmãs!
Lc 1,39-45
Maria vai apressadamente para visitar sua prima Isabel que, como tinha anunciado o anjo, estava grávida. Maria aceitou ser mãe do salvador e sua primeira reação é a de partir com pressa para visitar sua parente. O amor não tolera delongas. Maria tem a pressa do evangelizador. Ela nos ensina a ter pressa nas coisas de Deus.
Desde o início, Jesus e João Batista estão unidos! Ao receber a visita de Jesus já concebido no coração e no seio de Maria, João Batista se alegra no seio de sua mãe. A alegria do menino no ventre da mãe sintetiza toda alegria do Povo da Aliança que exulta com a vinda do Messias esperado e prometido. Também o encontro das mães acontece com o mesmo significado: o Antigo Testamento recebe o Novo Testamento; a Promessa chega ao seu Cumprimento.
Nesse encontro das mães e dos seus filhos está presente toda a história de Israel e da Igreja. Isabel exalta a grandeza de Maria.
Isabel experimentou que a concepção de João Batista é dom de Deus. Deus interveio a fim de superar a infecundidade humana. Ela conhece em seu próprio corpo que o poder de Deus pode tudo. Isabel sabe melhor do que ninguém que para Deus nada é impossível, fazendo nascer uma criança de pais idosos e estéreis. Ao elogiar Maria, Isabel reconhece que o fruto do ventre de Maria é ainda mais precioso. João Batista é, no fim das contas, fruto humano. Já a concepção de Jesus é diferente: a concepção é autenticamente divina, pois é o Espírito que age na concepção. Aquele que nasce de Maria é verdadeiramente Filho de Deus.
O louvor de Isabel exalta a fé de Maria: ela é bem-aventurada porque acreditou, isto é, permitiu que o Espírito Santo pudesse agir na sua vida. Ela é bendita entre as mulheres porque nela a fecundidade de toda a nossa história chega ao seu ápice na maternidade dessa mulher. Ela é bendita entre as mulheres, porque essa mulher é realmente “mãe do meu Senhor”, porque o que nasce dela é o Verbo de Deus encarnado.
Por isso, Isabel proclama: “bendito é o fruto do teu ventre”. Aqui começa o mundo novo, nascido pela graça de Deus.
DOM JÚLIO ENDI AKAMINE