Hb 11,1-2.8-19
Somos convidados pela leitura a refletir sobre o grande dom da fé. Segundo a carta aos Hebreus: “a fé é um modo de possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem”. Segundo essa definição a fé não é somente um crer, mas também um esperar. Com efeito, a fé sempre está ligada à virtude da esperança
A esperança desempenha na vida de fé um papel preponderante. Na realidade esperança e fé são inseparáveis. A fé nos garante a realidade daquilo que é objeto de nossa esperança.
Outro ensinamento importante da leitura de hoje é que nós podemos escolher encarar a vida entre duas alternativas: podemos entender a vida a partir da fé, ou entendê-la a partir de nós mesmos. Entender a vida a partir de nós mesmos significa ter uma concepção materialista da vida, baseada na suficiência humana ou nas circunstâncias e possibilidades que a vida nos oferece no aqui e no agora. Nada há para além das realidades que vemos com nossos próprios olhos, nem futuro no qual as coisas sejam melhores do que no presente.
Entendida a partir da fé, a vida se revela como uma peregrinação para uma pátria melhor, com a certeza de um futuro que nos espera e que compensará todas as renúncias e sacrifícios que a própria fé nos impõe no presente.
A primeira concepção da vida estava muito difundida na sociedade e na cultura daquela época, sobretudo na filosofia do estoicismo. O estoicismo proclamava a superação e o desprendimento das coisas deste mundo a fim de alcançar a paz interior e a segurança superior às coisas e comodidades que este mundo podia dar. No fundo, o estoicismo almejava a suficiência humana: a felicidade estoica não dependia das frágeis garantias que o mundo podia oferecer; era preciso buscar em si mesmo a garantia e a estabilidade da felicidade.
A escolha do caminho da fé é apresentada concretamente a partir do exemplo de grandes personagens do Antigo Testamento. Dentre tantos exemplos de fé, São Paulo se detém mais longamente no exemplo eloquente de Abraão.
“Foi pela fé que Abraão obedeceu à ordem de partir para uma terra que devia receber por herança”. A vida de Abraão foi determinada e guiada pela fé. Sua vida foi uma longa peregrinação em busca da promessa divina: Abraão “esperava a cidade alicerçada que tem Deus mesmo por arquiteto e construtor”.
Também a morte foi entendida a partir da fé e foi nela ancorada. A morte não diminuiu, mas intensificou a certeza do que ele esperava. Apesar de ter morrido sem ter visto cumprida a promessa, Abraão a avistou de longe, como um peregrino que avista a meta do seu caminho sem ter alcançado. “Todos estes morreram na fé. Não receberam a realização da promessa, mas a puderam ver e saudar de longe e declararam como estrangeiros e migrantes nesta terra”. Assim ele perseverou na fé. Abraão e os outros patriarcas se comportaram dessa maneira por causa do desejo que tinham de uma pátria para além deste mundo visível, porque pensavam na cidade que Deus lhes tinha preparado.
Os patriarcas encontraram assim a sua pátria em Deus, a quem pertenceram pela fé durante a peregrinação terrestre. Deus reconheceu e recompensou esse modo de viver a vida a partir da fé. “Por isso Deus não se envergonha deles, ao ser chamado seu Deus. pois preparou uma cidade para eles”.
Perguntemo-nos: vivo a partir da fé ou da minha autossuficiência?
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
Leitura: 2 Samuel 12,1-7a.10-17
Salmo50(51) R-Criai em mim um coração que seja puro!
Evangelho: Marcos 4,35-41
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos – 35Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!” 36Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca. Havia ainda outras barcas com ele. 37Começou a soprar uma ventania muito forte, e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher. 38Jesus estava na parte detrás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo, e tu não te importas?” 39Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e houve uma grande calmaria. 40Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” 41Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” – Palavra da salvação.
Meu irmão, minha irmã!
A leitura de hoje narra o arrependimento de Davi. Depois de ter cometidos os pecados graves do adultério e do homicídio de Urias. Davi mostra um arrependimento tão admirável na sua sinceridade quanto foi abominável a sua culpa.
Deus deu a Davi a graça do arrependimento. Trata-se de uma iniciativa de Deus. Deus manda a Davi o profeta Natan e lhe inspira uma grande sabedoria pedagógica para conduzir Davi ao arrependimento. O profeta expõe a Davi um caso que não há nada a ver com os pecados cometidos: a história de um rico que possuía inúmeros rebanhos e de um pobre que não tinha nada, somente uma ovelhinha que ele amava como uma filha. O rico toma a ovelhinha do pobre para preparar uma refeição a um seu amigo.
Entre a história do profeta, o adultério de Davi e o assassinato de Urias parece não haver relação alguma. Por isso Davi se sente livre para reagir com indignação contra aquele rico desalmado. A ira de Davi estourou contra aquele homem, que, no fim das contas era ele mesmo. Natan fez Davi enxergar a injustiça cometida através de uma história que parecia não ter relação alguma com ele. De fato, Natan revelou que o homem contra quem Davi se indignava era ele mesmo. Pois Davi foi cumulado por Deus de bens e mesmo assim se apossou do único tesouro de Urias que era a sua esposa. Assim o veredicto de Davi se voltou contra ele mesmo.
Davi se mostrou gravemente injusto, cego pela paixão sexual. Deus, através do profeta Natan, fez com que Davi caísse na conta de seu pecado e lhe anunciou o castigo.
Davi então não busca escapatória. Não tenta justificar seus atos execráveis. Ele é sincero e confessa: Pequei contra o Senhor, correspondendo assim à graça que Deus lhe oferece.
Nesse sentido as graves culpas de Davi foram para ele ocasião de progresso na sua relação com Deus, que pôde perdoá-lo e conduzi-lo a um senso religioso profundo cuja expressão encontramos no Sl 50/51.
Da mesma maneira, Deus nos ajuda a tomar consciência das nossas culpas, quando cometemos o pecado. Esse é um aspecto da misericórdia de Deus: a misericórdia divina não só perdoa as nossas culpas, mas nos faz cair na conta de nossas culpas para assim nos arrependermos. Isso acontece de muitas formas: uma leitura que fazemos, a palavra de correção de um amigo, uma pregação. É muito importante acolher essa oferta da graça de Deus e não tentar justificar nossos erros ou acobertar nossa culpa. Assim também as nossas culpas poderão se tornar uma ocasião de crescimento e de amadurecimento da nossa relação com Deus.
DOM JULIO ENDI AKAMINE