Is 49,1-6
Ouvimos na leitura o segundo Cântico do Servo Sofredor. Deus preparou o seu servo desde o seio materno e “desde o ventre materno, pronunciou o seu nome”. Deus preparou o seu servo como um guerreiro prepara as suas armas: fez do seu servo uma espada afiada e uma seta escolhida guardada em sua aljava. O Servo é nas mãos de Deus uma arma tanto para perto (espada cortante) quanto para longe (seta escolhida). Em outros termos, a Palavra de Deus é tanto espada cortante quanto seta escolhida: ela é dolorosa não pela violência física, mas pelo impacto moral que produz na consciência.
De fato, a Palavra de Deus desmascara os erros que escondemos atrás de uma fachada construída pela nossa hipocrisia; ela revela os pensamentos e intenções do coração, nos põe nus diante de Deus que vê o interior de nossa alma.
Deus identifica quem é o Servo: “O meu Servo és tu, Israel”. É nesse momento que Deus identifica o seu predileto que se desencadeia um momento dramático. O Servo do Senhor está no desânimo e exclama: “Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem motivo, inutilmente. Entretanto, o meu direito está com o Senhor”. Como o profeta Jeremias que tanto sofreu por ter pregado a Palavra de Deus, assim o Servo de Deus manifesta o seu desânimo frente à missão recebida de Deus. Ele se sente pequeno demais para uma missão tão exigente; experimenta que todos os seus esforços em pregar a Palavra de Deus, só lhe trouxeram desgosto e fracasso: ninguém aceitou a Palavra e ainda o perseguiram por ele ter sido fiel a Deus.
Nesse momento que o Servo de Deus experimenta toda a sua impotência, ele se confia a Deus, e a Palavra de Deus ilumina toda a situação. Deus faz com que o Servo compreenda que é ainda pouco que ele seja enviado ao povo de Israel. Deus lhe dá uma missão ainda maior e mais ampla: o Servo será maravilhosamente fortalecido para ser enviado a todas as nações.
Com efeito, Deus declara ao Servo: “Não basta seres o meu Servo para restaurar as tribos de Jacó, e trazer de volta os sobreviventes de Israel. Também farei de ti uma luz para as nações, para que a minha salvação chegue aos confins da terra”.
Essa é a obra maravilhosa de Deus: transforma o pequeno e fraco em luz das nações. Essa é a vocação da Igreja: ser, em união com e em dependência de Cristo, o povo sacerdotal, profético e régio, luz para todas as nações. A Igreja, ou seja, os cristãos em união com Cristo, tem a missão de levar a salvação de Deus até os confins da terra. Tempo da quaresma é tempo de conversão nesse sentido: de sermos realmente o que já somos pelo batismo: sal da terra e luz do mundo!
Jo 13,21-33.36-38
Jesus ficou profundamente comovido e testemunhou: Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará.
A missão de Jesus parece acabar no fracasso. Parece uma derrota terrível para Jesus que só fez o bem. Ser traído por um dos seus discípulos, por um dos doze é algo terrível e, por isso, Jesus fica profundamente comovido.
Mas Jesus mesmo sem deixar de estar comovido e entristecido, é iluminado pelo Pai e, depois que Judas sai no meio da noite, afirma não a sua derrota, mas a sua vitória: Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo.
Trata-se de um modo divino de ver os acontecimentos da traição e da morte na cruz. Jesus vê as coisas em profundidade, não julga somente pelas aparências. Ele vê nas realidades humanas mais terríveis a ação de Deus que tudo conduz e transforma. Deus transforma a mais profunda humilhação em ocasião para a mais alta glorificação. No momento que Jesus aceita a pior das humilhações, Ele realiza a nossa salvação.
Para nós, esse modo de viver a paixão e morte é uma grande consolação. Jesus com a sua paixão nos deu o meio para reconhecer em nossos sofrimentos a ação divina. Ele nos deu a capacidade de colher em todas as dificuldades da vida a ocasião para glorificar Deus.
Essa transformação, porém, não é uma obra nossa nem depende somente de nossas forças. Trata-se de uma obra divina em nós. Se quisermos transformar os sofrimentos em vitória somente contanto com nossas forças, experimentaremos o mais clamoroso fracasso. Foi o que aconteceu com Pedro. Pedro disse a Jesus: Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu darei a minha vida por ti! A esse orgulho de só contar com as próprias forças, Jesus retruca: Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes.
Por nós mesmos não somos capazes de superar a cruz e o sofrimento. Somente quando Jesus nos chama nós podemos trilhar o caminho da cruz como caminho de Cristo e como caminho da salvação. Às vezes, Jesus permite que fracassemos como Pedro para nos ensinar a ser mais humildes e a confiar unicamente nEle.
Quando é Jesus que nos chama a seguir o caminho da cruz, podemos ter a certeza de receber dEle também a graça para poder carregar a cruz. E assim poderemos nos alegrar pelo fato de estarmos unidos a Ele na sua paixão para assim chegar a ressurreição.
Peçamos ao Senhor a graça de saber reconhecer em nossos sofrimentos a ação de Deus que transforma a nossa vida e a torna fecunda.