Deus é Dinheiro

Pasolini fala-nos sobre a transformação do seu país devido à abundância do dinheiro: "Passámos de país subdesenvolvido a país desenvolvido num arco de cinco, seis, sete anos. Foi como pegar numa família pobre e fazê-la tornar-se milionária, perdendo no processo a sua identidade".“Considero o consumismo um fascismo pior do que o clássico, porque o clérigo-fascismo, na realidade, não transformou os italianos, não se entranharam neles. Foi totalitário, mas não foi totalizador. Um exemplo: o fascismo tentou, durante vinte anos que esteve no poder destruir os dialectos. Não foi bem-sucedido. Inversamente, os poderes do consumismo, estão a destrui-los.“[1]

Giorgio Agaben diz-nos: "O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção, nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objecto é o dinheiro" “Deus não morreu, ele tornou-se dinheiro” [2]. Os bancos são hoje em dia as nossas igrejas e capelas, os seus padres são os funcionários bancários que vestem a rigor a batina cinzenta. Governam o crédito, manipulam e gerem a dos homens. Estamos perante uma nova idade medieval, na qual a sociedade era dividida em três principais grupos: nobreza, clero e servos. O clero e a nobreza comandavam a sociedade, era comum o clero criar justificativas religiosas para que os servos não contestassem a sociedade. O clero cumpre a função da salvação da alma, a nobreza deveria proteger e os servos deveriam trabalhar para sustentar todos. Assim se justificava a exploração do servo e a necessidade dele seguir os desígnios da Igreja. A crise económica é a condição do fim da modernidade e o voltar ao estado medieval. A média nacional e europeia apelam vigorosamente a que salvem o euro. “Salvar” é já um termo religioso, estamos perante uma perspectiva religiosa.

Existem quatro tempos que definem a pobreza: pobreza por falta de dinheiro, pobreza pela incapacidade para poupar ou investir, pobreza pelos juros que levam à perda do valor do dinheiro e pobreza pela perda do poder aquisitivo. Em 1907 o sociólogo alemão, Georg Simmel (1858-1918) realizou um estudo intitulado: “Os Pobres” e concluiu: “É só a partir do momento em que são assistidos – ou talvez quando a sua situação global exigir assistência, ainda que ela não tenha ainda sido dada – que se tornam membros de um grupo caracterizado pela pobreza”. A conclusão retirada é que a assistência dada aos pobres, não os, toma em conta como indivíduos, visa antes suprimir os perigos que eles representam. Dá-se assistência para não criar uma fractura na estrutura social. Na Idade Média era normal o servo jurar fidelidade ao nobre. Essa cerimónia era baseada na relação de vassalagem ao senhor. Ao jurar fidelidade, o senhor se comprometia a proteger o servo.


[1] Pier Paolo Pasolini numa mesa-redonda com críticos escandinavos a convite do Svenska Filminstitutet. Estocolmo, Suécia, 30 de Outubro de 1975.[2] Giorgio Agamben, em entrevista a Peppe Salvà , Ragusa News, 16 de Agosto de 2012.