Elo Perdido

Introdução

Em paleontologia, dá-se o nome de fóssil de transição a um organismo, que combina características dos seus descendentes e antecessores evolutivos. Estes fósseis são conhecidos como "elos perdidos" da evolução. Charles Darwin (1809-1882) no seu livro "A Origem das Espécies" (1859), introduziu a ideia da evolução a partir de um ancestral comum, por meio de selecção natural. A ausência de fósseis de transição conhecidos era um grande obstáculo à teoria da evolução. A partir daqui foi um passo na busca incessante do “elo perdido”, o descendente do homem.

Em 1883, no Royal Aquarium, em Westminster, surgiu uma menina, cujo corpo era coberto com cabelo preto e macio e tinha a pele num tom verde e castanho-escuro. Foi anunciada como "A prova viva da teoria da Descendência do Homem de Charles Darwin”. A rapariga tinha o nome de Krao devido ao nome do seu povo, chamado Krao-Moniek, que significa "homem-macaco". Krao tinha sido capturada nas selvas profundas da Indochina Francesa, mais precisamente no Laos. A região onde vivia não tinha sido explorada, devido a ser muito pantanosa. Os Krao-Moniek viviam em cabanas construídas nos ramos das árvores. Não tinham conhecimento do fogo e a sua dieta consistia em peixe, carne e frutos secos. A sua língua era primitiva e consistia em apenas cerca de quinhentas palavras. Os “homem-macaco” eram hominídeos desconhecidos, muito próximos do ser humano, ou seja, um "elo perdido" nos patamares da evolução humana. Os artigos que saíram na imprensa relatavam que a menina tinha algumas parecenças com os macacos, e muito foi escrito sobre ela nas revistas médicas e científicas. A criança foi examinada por cientistas proeminentes e por médicos e naturalistas que consideraram um caso raro, muitos disseram que tinha hipertricose, a “síndrome do lobisomem”. Uma doença extremamente rara que causa o excesso de pêlos no corpo humano, isto se não considerarmos todas as características morfológicas do “homem-macaco”, algumas delas ausentes das pessoas comuns. Essas características demonstram que eram fora dos limites dos humanos normais, mas inerentes aos hominídeos, mostrou que Krao não era um ser humano com hipertricose, mas sim, um ser muito próximo do ser humano. Havia a possibilidade de ser uma raça humana desconhecida que fora então encontrada. Em qualquer caso, se a ideia de "elo perdido" não podia ser provada, a existência de pessoas peludas era evidente.

Com o tempo profundas mudanças ocorreram na rapariga, tinha boas qualidades mentais, tinha aprendido inglês e alemão, fazia croché e tocava violino, sabia ler e escrever e expressava o desejo feminino de ter roupas belas. Na América Krao foi uma das maiores atracções e as suas sérias nuances científicas elevaram-na aos patamares, ao ser exibida em vários museus. Em 1885, passou a ser apresentada nos denominados “Freak Shows” exposições com raridades biológicas. Ela assinava cartas com a caligrafia do seu povo, apanhava objectos com os dedos dos pés, e abria a boca para revelar os seus dentes extra e as suas bolsas nas bochechas, que se disse servirem para armazenar nozes. Falava da sua estranha vida selvagem no Laos, com os seus pais “homem-macaco” e outros membros da sua estranha raça símia. Krao acabou por assentar em Brooklyn, em Nova Iorque e trabalhou em Coney Island como a mulher barbuda. Até ao fim da sua vida foi uma verdadeira artista dos seus tempos, adoeceu com gripe e faleceu a 16 de Abril de 1926.

“O Primeiro Homem”[1] é um romance autobiográfico inacabado, editado em 1994 pela sua filha. O autor estava a trabalhar nele, na altura em que morreu num acidente de carro em 1960. O manuscrito foi descoberto nos destroços do automóvel. O livro inicia-se com o nascimento de Jacques Cormery em Solferino, na Argélia em 1913. Este é o duplo de Camus, o herói desta história e depois saltamos para França em 1954, com Jacques já um homem de quarenta anos. O leitor descobre que o seu pai Henri, morreu na guerra antes de Jacques fazer o primeiro ano de vida, deixando Lucie Jacques, a sua mãe parcialmente surda e muda, a criá-lo. Com quarenta anos visita o túmulo do seu pai numa pequena aldeia em França. Esta visita toca-o profundamente não só por ele perceber que o seu pai morreu aos vinte e nove anos, como o facto de nunca o ter conhecido. A história fala-nos do presente como homem adulto, na década de cinquenta em França, e no passado na Argélia durante a sua juventude, na década de vinte do século XX. Esta é uma história sobre a juventude e o que ela acarreta, como também o sítio onde habita. A sua pobreza latente, o amor pela sua mãe e uma avó tirânica, a procura de um pai, um professor que o, ajuda e um povo colonizado num país em conflito. É a história de uma criança que se constrói no decorrer da narrativa, transformando-se num homem.

A condição do seu pai reflecte o pensamento do que a pobreza faz dos homens, seres sem nome e sem passado. Para o autor a pobreza é tão desprovida de sentido quanto a morte, pois a pobreza não se escolhe. Toda a vida era feita de uma infelicidade, contra a qual nada se podia fazer, e que tinha de ser suportada. O ter um nome significa ter uma identidade, ter uma proveniência, pertencer a uma família, a um povo. Não ter nome é não ser lembrado, não ter ponto de referência, ser esquecido. De acordo com a cultura ocidental o nome dá nos status, alguém que pode ser identificado, especifica-nos, e nos tira do lugar-comum, do anonimato. O filho ou “O Primeiro Homem” descreve a saída do pequeno Jacques do mundo da pobreza e da sua família analfabeta para o Liceu e para a cultura letrada. A escola era um espaço a parte, abria a porta para o desconhecido, para um novo mundo até então não desvelado. A privação, própria de quem é pobre, sem negar as experiências e a sensibilidade dos que nela viviam, define uma “cultura da pobreza”. Porém, para ele a pobreza não é deficit, pois existe a “riqueza” do bairro, a sua cultura, o próprio lugar subverte a ideia de pobreza como privação. Quem nasce pobre não está condenado à pobreza, tal como aconteceu a ele próprio. Os territórios coloniais são campos de possibilidades, as regiões distantes do mundo têm história e identidade dignas de representação. A Argélia é um país bem diferente do mundo que vinha retratado nos manuais usados pelo professor, este é um país que ficou entregue aos filhos dos homens franceses mortos na guerra, isto é, uma geração sem tradição. A história faz-se por homens sem nome, anónimos.

Em “O Homem Revoltado” (1951) o autor expressa, a revolta perante a finitude humana, contra a ordem mortal do mundo que o acompanha durante a vida toda. A solidão e a angústia marcam-no. O destino pessoal dos seus personagens valorizam o auto-reconhecimento, a maturidade desiludida e a firmeza moral diante das más condições.


[1] ALBERT CAMUS (1913-1960)

ELO PERDIDO, Poemas Apócrifos.

1984 | 1999