Minotauro

Em Creta, o rei Minos preparou um sacrifício a Poseidon, pedindo-lhe um favor: que um touro emergisse do mar. Acedendo ao seu pedido, um belo touro branco surgiu e o rei Minos maravilhado com tal beleza, guardou-o para si, sacrificando um outro touro. Poseidon após tal afronta, resolveu vingar-se, de tal modo que a rainha Pasífa se apaixonou pelo touro branco. Perdida de amor, pediu a Dédalo que a ajudasse a sua paixão. Construindo uma vaca oca em madeira, Dédalo levou Pasífae a entrar no animal, consumando assim a ardente paixão. Pasífae, para seu desgosto, deu à luz o Minotauro, monstro colossal com cabeça de touro e corpo humano. O rei Minos, que só soube mais tarde da ajuda de Dédalo a Pasífae,pediu-lhe que construísse um labirinto para albergar o Minotauro. Este alimentava-se da carne dos condenados à morte e quando não recebia a intervalos regulares as suas presas, precipitava-se para fora do labirinto, semeando a morte e a desolação entre os habitantes de Creta.

Androgeu, filho humano do rei Minos e da rainha Pasífae viajou até Atenas para competir nos jogos em honra de Minerva, onde venceu todas as provas com grande valor. O rei de Atenas, Egeu, invejoso das vitórias de Androgeu ordenou que combatesse um touro selvagem, que o mata. O rei Minos mal soube de tal desgraça jurou vingança, e com uma frota pôs cerco a Atenas. O cerco, fez com que os atenienses morressem de doenças inimagináveis, devido à falta de água e de alimentos. Para sair deste impasse, os atenienses foram ter com Minos. O rei ditou a sentença: durante nove anos, sete rapazes e sete raparigas de Atenas seriam enviados para Creta, como alimento do Minotauro.

Teseu, herói de grandes façanhas e filho do Rei Egeu, ofereceu-se para ir matar o Minotauro. Recebido no palácio de Cnossos, a filha de Minos, Ariana, apaixonou-se por ele. Ao descobrir que vinha lutar com o Minotauro deu-lhe um novelo, que o ajudaria a andar no labirinto sem se perder. No dia seguinte, de manhã, Teseu foi levado ao labirinto, segurou no novelo e prendeu a extremidade do fio à parede. À medida que percorria o labirinto, desenrolava o novelo. Conseguindo vencer o Minotauro, bastou-lhe de seguida seguir o fio de Ariana em sentido inverso, até à porta que o levava de volta à vida.

No Mistério de Ariana, segundo Deleuze, a partir de Nietzche, Ariana é ambivalente, pois está entre Teseu e Dionísio. Teseu, é o herói o decifrador de enigmas, “O homem superior pretende levar a humanidade à perfeição, à realização.”[1] Teseu significa o pesado fardo do conhecimento. Dionísio, representa o touro, não carrega nada, reconhece-se no super-homem. É a afirmação da multiplicidade da vida. Teseu ao matar o Minotauro está a negar a vida, destruindo a sua sabedoria.

Deleuze refere-se ao fio de Ariana como o signo do conhecimento, que, por sua vez, representa o labirinto da moralidade do ideal ascético e religioso. Ariana, ao apaixonar-se por Teseu, representa a ilusão de uma fácil afirmação. Teseu também é a ilusão da afirmação: ao destruir o Minotauro, nega a vida.

Ariana abandonada por Teseu vê-se confrontada com Dionísio. Para Ariana, “a alma, que era pesada com Teseu, alivia-se com Dionísio, sem pesos, desfiada, elevada até ao céu.”[2] Deleuze fala sobre a transmutação de Ariana entre Teseu e Dionísio. Aqui os símbolos de Ariana mudam de sentido, com a procura de Dionísio por uma amada. “Também o labirinto já não é o labirinto do conhecimento e da moral; o labirinto já não é o caminho a que se submete, ao seguir o fio, aquele que vai matar o touro. O labirinto tornou-se no próprio touro branco, Dionísio-touro: Eu sou o teu labirinto.”[3] É o labirinto da própria vida e do Ser como vida. O Eterno Retorno é afirmativo, é o resultado da transmutação de Ariana, é a sua união com Dionísio. O filho de ambos é o super-homem que vive nas cavernas.


[1] GILLES DELEUZE – O Mistério de Ariana,[2] Idem[3] Ibidem