Biblioteca de Alexandria

A Biblioteca é o local onde nós, homens, reunimos séria e sistematicamente o conhecimento. O paradigma da biblioteca está na mítica cidade de Alexandria, onde diversos saberes, de diferentes culturas, se encontravam. É o local para onde gregos, egípcios, árabes, sírios, hebreus, persas, núbios, fenícios convergiam. Talvez tenha sido aí que a palavra “cosmopolita” atingiu o seu mais verdadeiro sentido: cidadão, não apenas de uma nação, mas do mundo.

Conta-se que no século III a.C. Ptolomeu I deu início à construção da Biblioteca. Consagrada ao estudo, esta tornou-se um labirinto de saberes. É difícil determinar o número exacto de livros, mas parece que a biblioteca continha cerca de meio milhão de volumes.

“Mas, segundo a tradição a biblioteca começou a ser destruída pela armada de Roma, por volta de 47 a.C., às ordens de Júlio César, quando a esquadra Cleópatra e a cidade foram incendiadas. Teriam sido consumidas então mais de quarenta mil obras. Marco António ainda teria procurado compensar a perda, repondo cerca de duzentos mil rolos de pergaminho, mas o certo é que essa delapidação da biblioteca começou nessa altura, tendo durado quatro séculos, com roubos e pilhagens sucessivos. Apesar de tudo, a Biblioteca continuou a ser uma referência. O grande incêndio da Biblioteca de Alexandria ocorreu em 642, sob as ordens general árabe Amrou Ibn Al-As, que conquistou o Egipto e fez a célebre pergunta ao Califa Omar: - que fazer com tantos livros? A resposta ao dilema de Omar ficou tristemente celébre: “Se todos os livros são conformes ao Corão, são inúteis e têm de ser destruídos; se contradizem o livro sagrado, são perigosos e também tem de o ser destruídos.” O veredicto foi claro e o resultado foi a dispersão de milhares de rolos, destinados a aquecer os banhos da cidade. E diz a lenda que houve matéria suficiente para seis anos de queima.”[1]

O universo criador do homem insere-se como as bibliotecas, na ideia faustosa do tecido cósmico.

“A visita à biblioteca levou-nos longas horas de trabalho. A falar, o controle que devíamos fazer era fácil, mas caminhar à luz da candeia, ler as inscrições, assinalar no mapa as passagens e as paredes plenas, registar as iniciais, perfazer os vários percursos que o jogo das aberturas e das barreiras nos permitia foi coisa bastante longa. E fastidiosa. (...) podia demorar-se a ler os livros, a cada título que descobria irrompia em exclamações de alegria, ou porque conhecia a obra, ou porque há muito tempo a procurava, ou, enfim, porque nunca a tinha ouvido mencionar e estava sobremodo excitado e intrigado. Em suma cada livro era para ele como um animal fabuloso que encontrasse numa terra desconhecida. E enquanto ele folheava um manuscrito, incumbia-me de procurar outros.”[2]

Em suma, cada livro é como encontrar uma terra desconhecida: Ficção, Filosofia, Teologia, Política, Matemática, escritos pagãos.

“Afinal, as bibliotecas são labirintos, como em O Nome da Rosa – que aspiram à totalidade e ao infinito. Os livros e os autores vêm de vários horizontes. O universo representa-se nos livros e nas bibliotecas – ora através de um labirinto maneirista, com muitos caminhos sem saída e com uma só solução, exigindo o fio de Ariana, para não nos perdermos; ora através de um labirinto em rede, onde cada caminho pode comunicar com todos os outros, no dizer de Umberto Eco, sem “centro, nem periferia, nem saída, porque é potencialmente infinito”. Na parábola, porém, o fogo destruirá a representação do universo, deixando claro que, apesar de aspirar ao infinito, a finitude é a marca da obra humana.

“- Vê o que há naquele armário! E eu, soletrando e deslocando volumes: Historia anglorum, de Beda... E, sempre de Beda, De aedificatione templi, De tabernaculo, De temporibus et computo et chronica et circuli Dyonisi, Ortographia, De ratione metrorum, Vita Sancti Cuthberti, Ars metrica...” [3]


[1] GUILHERME D´OLIVEIRA MARTINS – “O mito de Alexandria”, in JL Ideias,[3] UMBERTO ECO – O Nome da Rosa,[5] GUILHERME D´OLIVEIRA MARTINS, idem