Andrógino

Nos Diálogos, de Platão, Aristófanes descreve a anatomia dos homens primordiais:

“ Outrora a nossa natureza era diferente da que é hoje. Havia três sexos humanos e não apenas, como hoje, dois: o masculino e o feminino – mas acrescentava-se mais um que era composto ao mesmo tempo dos dois primeiros, e que mais tarde veio a desaparecer, deixando apenas o nome: andrógino. Este animal formava uma espécie particular e o nome hoje não passa de um insultuoso epíteto”[1]

A Bíblia Sagrada reconhece o andrógino, como signo da totalidade, já que aparece quer no fim quer no princípio dos tempos.

O Adão primordial feito, segundo o Génesis, à imagem e semelhança de Deus, é andrógino, o ponto culminante da criação, o ser supremo da humanidade. Depois de Adão cair da androginia celestial, vendo não ser bom o homem estar só, Deus criou Eva para possibilitar a redenção do Adão primordial. Eva é Adão provenientes ambos da mesma matriz, fonte da vida, que é o todo-Poderoso.

Os índios norte-americanos narraram a criação da Terra a partir dos habitantes do Primeiro Mundo. Também não consideram nem seres masculinos nem seres femininos mas, sim, duas formas que se harmonizam num único corpo.

“O Homem, contudo, não tinha a forma actual; era um ser ao mesmo tempo masculino e feminino, um ser que viria a dar o homem e a mulher. As criaturas do Primeiro mundo são recordadas como O Povo do Nevoeiro; ainda não tinham forma definida mas iriam transformar-se nos homens, animais, pássaros e répteis deste nosso mundo.” [2]

Balzac escreveu um romance Serafita, a partir da ideia de andrógino, como exemplo do homem perfeito. A personagem masculina-feminina, Serafito para as mulheres e Serafita, para os homens, não está em conflito com a sociedade e também não está atormentado pelo próprio destino. Apesar de ser bem diferente dos restantes seres humanos, a dualidade de Serafito/Serafita é o mistério da sua própria existência. Narciso e Eco, de algum modo, representam a dualidade masculina e feminina descrita por Balzac nas personagens Serafita e Serafito, e a incapacidade de ser um e outra ao mesmo tempo, isto é, andrógino.

Nas Metamorfoses, Ovídio conta-nos a história de Pigmalião e Galateia. Um jovem rei de Chipre, Pigmalião, esculpiu em marfim branco uma esbelta mulher, Galateia. Enamorado pela aparência da estátua, imagem do que ele desejaria para sua esposa, solicita a intervenção de Afrodite que lhe dá o sopro da vida. Deste modo, a estátua é o primeiro ser artificial concebido por um homem à imagem do homem, neste caso, mulher.

““Segundo Robert de Pontavice, Auguste Villiers de I´Isle-Adam teria concebido a ideia do seu livro depois de ter ouvido contar a história real de um jovem que se teria suicidado na sequência de um amor atraiçoado e que teria sido encontrado morto ao lado de um manequim de cera representando a sua amada.”[3]. O livro” L´Ève Future” (1886), baseado nesta história real, narra um falso suicídio de um lorde inglês, apaixonado pela bela Miss Alicia Clary. Para resolver a situação, um personagem chamado Edison, constrói uma inocente mulher movida a electricidade. “Este “andréïde”,[4] (o termo é de Auguste Villiers de l´Isle-Adam) chamar-se-á Miss Hadaly Habal (hadaly significaria, segundo Villiers de l´Isle-Adam, “ideal” em iraniano, e habal “ilusão” em hebraico).”[5]

Norbert Wiener (1894-1964), inventor da cibernética, matriz da informática e da inteligência artificial, estabeleceu o princípio de equivalência entre os seres, desde que situados num mesmo nível de complexidade informacional. O matemático Alan Turing (1912-1954), seguindo esta linha de pensamento, adianta o corolário da não diferenciação a nível intelectual entre homem e máquina, donde a geração de um ente informacional andrógino, que se realiza em dois seres distintos na aparência: o homem e a máquina.

[1] PLATÂO – Diálogos, Mênon, Banquete, Fedro,

[2] Textos de Índios Americanos – O Sopro das Vozes,

[4] PHILIPPE BRETON – À Imagem do Homem, Do Golem às Criaturas Virtuais,

[5] CÂNDIDO DE FIGUEIREDO– Dicionário da Língua Portuguesa, p. 186: Andróide, m. Títere, fantoche. Boneco que imita a figura de um homem; autómato.

[6] PHILIPPE BRETON, op. cit.