Madonna in a Garland of Flowers

A Igreja Católica sempre incutiu nos cristãos a veneração de imagens sagradas (ícones). A iconografia cristã referente às Madonas desde há muito desperta a particular devoção dos fiéis. Em 1606, Rubens foi convidado para pintar uma Madona no altar-mor da Igreja de Santa Maria em Vallicella. A obra The Adoration of the Madonna de Vallicella, datada de 1608 é composta pela Madona ao centro, em cima, numa moldura oval, que é real, suportada por anjos. O ícone não representa apenas uma imagem, mas também um objecto de veneração. Daí a moldura real. No século XVII, podemos encontrar este tipo de imagens de adoração particularmente Madonas disseminadas na pintura.

A pintura Madonna in a Garland of Flowers, de Rubens (1617), é também constituída por uma Madona inserida numa moldura pintada que, por sua vez, tem uma segunda moldura pintada com flores. A primeira moldura define a Madona como figura eminente. A segunda moldura de flores corresponde à decoração do ícone. Esta duplicação da moldura do ícone e o limite do próprio quadro pretendem constituir um discurso sobre a própria pintura e sobre o conceito de moldura. Este tipo de pintura tornar-se-á um género. Apresenta-se, não só como mero objecto de veneração mas, graças ao arranjo floral da moldura, também como objecto de mediação na relação entre imagem sagrada, pintura e realidade.

Nos Gabinetes de Amador podemos encontrar, neste período, esta mesma pintura de Rubens, agora parte integrante de um corpo de uma colecção de imagens. Nas pinturas a Alegoria da Visão, (1617) e a Alegoria da Visão e do Cheiro, (1617-18), de Peter Paul Rubens e Jan Brueghel, o Velho, vemos a pintura Madonna in a Garland of Flowers inserida numa colecção de pinturas e objectos. Estas “Alegorias” consistem numa pintura dentro de uma pintura dentro de uma pintura. Os três níveis são determinados pela moldura que define o ícone, pela coroa de flores que o envolve e pela moldura que envolve a própria pintura das “Alegorias”. Em ambas as “Alegorias” está presente um vaso com um arranjo floral, que estabelece uma relação entre a moldura de flores pintadas da Madona e as flores supostamente reais das pinturas. Este binómio vai desenvolver-se e aparecer sob diversas formas em Gabinetes de Curiosidades.

Em Cabinet of Curiosity (1621), de Hieronymus Francken II, ocorre novamente a citação de um vaso de flores e da Madonna in a Garland of Flowers. O quadro Cabinet of Curiosity with Allegory of Painting, de data e autor desconhecidos, para além de integrar a Madonna in a Garland of Flowers, coloca o próprio vaso de flores a ser pintado numa tela. Tanto os Gabinetes de Amador como as Alegorias são testemunhos da complexa relação do discurso intertextual, em que a imagem procura despertar para o seu próprio conceito.