Torre de Babel

A Torre de Babel é descrita na Bíblia, no livro do Génesis 11,1-9, como um símbolo de infidelidade e desrespeito a Deus:

“1. Ora na terra não havia senão uma mesma língua e um mesmo modo de falar.

2. E os homens, tendo partido do Oriente, acharam um campo na terra de Sennaar, e habitaram n´elle.

3. E disseram uns para os outros: vinde façamos ladrilhos e cozamo-los no fogo. Serviram-se pois de ladrilhos por pedras, e de bitume por cal traçada.

4. E disseram entre si: Vinde, façamos para nós uma cidade, e uma torre, cujo cume chegue até ao céo; e façamos celebre por toda a terra.

5. O senhor porém desceu, para ver a cidade, e a torre, que os filhos de Adão edificavam, e disse:

6. Eis-aqui um povo, que não tem senão uma mesma linguagem; e uma vez que elles começaram esta obra, não hão de desistir do seu intento, menos que o não tenham de todo executado.

7. Vinde pois, desçamos, e ponhamos nas suas línguas tal confusão, que elles se não entendam uns aos outros.

8. D´esta maneira é que o Senhor os espalhou d´aquelle logar para todos os paizes da terra, e que elles cessaram de edificar esta cidade.

9. E por esta razão é que lhe foi posto o nome de Babel, porque n´ella é que succedeu a confusão de todas as línguas do mundo. E d´alli os espalhou o senhor por todas as regiões.”

Crê-se que o contexto histórico do episódio da Torre de Babel é verdadeiro, já que altas torres em andares (Zigurates) eram construídas para venerar as divinidades da religião mesopotâmica. Supõe-se que a torre era a de Etemananki, uma parte integrante do templo de Marduk na Babilónia. Esta torre do templo caiu realmente, mas foi novamente erguida pelo Rei Nabucodonosor no final do século VII A.C. Uma inscrição recentemente descoberta prova que Nabucodonosor tinha dado ordem para erguer esta torre até ao céu.

Borges no seu conto A Biblioteca de Babel imagina:

“ O universo (a que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio, cercados por parapeitos baixíssimos. De qualquer hexágono vêem-se os pisos inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte estantes, a cinco longas estantes por lado, cobrem todos os lados menos dois; a sua altura, que é a dos pisos, mas excede a de um bibliotecário normal. Uma das faces dá para um estreito saguão, que vai desembocar noutra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do saguão há dois gabinetes minúsculos. Um permite dormir de pé; o outro, satisfazer as necessidades finais. Por aí passa a escada em espiral, que se afunda e se eleva a perder de vista. No saguão há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que serviria esta duplicação ilusória?): eu prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito...”[1]

O universo de Borges é um labirinto que existe ab aeterno, e é tão imensamente vasto que contém infinitas possibilidades de texto. Borges reflecte sobre o impasse em que está a tradição literária baseada na linearidade. Para renová-la é necessário aos escritores escrever de forma a oferecer mil possibilidades de significados, isto é reformular a narrativa literária, através do hipertexto. O mundo é o símile de uma biblioteca, onde as leis podem ser as da ficção, as de uma total encenação do mundo. A alegoria da existência humana é o absurdo de uma linha argumentativa falsificada, como qualquer jogo acaba por ser.


[1] JORGE LUÍS BORGES – “A Biblioteca de Babel”, in Ficções,