Montaigne

Montaigne avança uma noção de autor fora da tradição de autoridade, tomando-a plenamente na óptica individual. A visão de autor de Montaigne é a de um indivíduo livre, que não se restringe aos autores como autoridades, mas aos homens por de trás dos autores. Para Montaigne, um autor é uma singularidade inalienável, um indivíduo único. Montaigne utiliza o termo autor no plural para designar os outros autores, mas também no singular, para reenviar o autor a si mesmo. Montaigne é o autor de si próprio. A função do autor não reenvia para o indivíduo propriamente dito, mas para a figura do autor da obra. É assim que, no fim do século XVI, em 1580, Montaigne se dirige ao leitor. Os seus Essais substituem a alteridade e a autoridade dos autores pela presença de si para si. Os Essais constituem um auto-retrato, o autor decidido mostra-se tal como é, na sua nudez, sem artifício algum na sua materialidade, estabelecendo a equivalência entre o livro e o corpo: “Eu sou eu mesmo a matéria do meu livro; não espero que o leitor perca o seu tempo numa matéria frívola e vazia”

O retrato de Montaigne, por ele próprio, poderia consistir no espalhar de todas as páginas dos Essais, que, estendidas e coladas, formariam um imenso quadro. O auto-retrato de Montaigne, esse “eu”, pintado pelo autor, não se assemelha a Montaigne: ele é Montaigne. Nos nossos tempos, com o surgimento das novas tecnologias, irrompe novamente a questão de autor e noção de crítica, devido à variedade e diversidade de experiências e práticas culturais. Montaigne, deixando para trás o universo da alegoria e da autoridade, do comentário, para “representar vivamente” o autor com o qual o livro faz corpo, cai no mundo dos livros, da biblioteca da intertextualidade.