Alemanha, Ano Zero

Thomas Mann (1875-1955) em Hamburgo, Alemanha, 1953 afirmou: só é possível evitar a catástrofe se os alemães rejeitarem uma «Europa Alemã» e preferirem uma «Alemanha Europeia». Os fantasmas do passado ainda permanecem, os alemães não querem continuar a ser considerados racistas e belicistas. Consideram-se antes os mestres e educadores da Europa, diz o sociólogo alemão Ulrich Beck, tecendo considerações sobre a política da Alemanha e as suas consequências para a Europa.

Nicolas Maquiavel (1467-1529) escreveu: “O príncipe só deve manter a sua palavra dada ontem, se com isso estiver a obter benefícios”. Na situação actual, esta máxima seria: é possível fazer hoje o oposto do que anunciámos ontem, se com isso aumentarmos hoje as possibilidades de ganhar as próximas eleições. A Alemanha deseja a recuperação do euro e da União Europeia, mas primeiro tem de ser aceite pela população alemã para depois passar a ser aceite no resto da Europa. As componentes da política alemã são a ligação entre soberania e a liderança da construção europeia, a arte de retardar as decisões como estratégia de fazer as coisas à sua maneira. A primazia dada para o ciclo das eleições nacionais e, finalmente, a cultura alemã da estabilidade, constituem o núcleo duro da “Europa Alemã”. Encontramos um paralelo com o que Maquiavel chama de necessidade, esta emergência à qual o príncipe deve ser capaz de reagir. A posição dos alemães é a Alemanha como um país dominante, mas acessível, impondo aos seus parceiros a fórmula a nível económico e político, isto significa neoliberalismo brutal para a Europa, e social-democracia para a Alemanha. Para controlar a Europa, as normas democráticas devem ser flexibilizadas, ou até mesmo contornadas. Este rápido avanço da europeização põe em causa os direitos dos Parlamentos Nacionais e das suas próprias Constituições. A amabilidade alemã é um isco atirado aos europeus e pode ser resumida na seguinte fórmula: mais vale que o euro seja alemão que não haver nenhum euro.

No actual contexto de crise financeira, todos os países endividados estão dependentes da boa vontade dos alemães. A ironia maquiavélica é fazer aos países endividados aceitarem as condições da política alemã da estabilidade. A austeridade alemã não registou até agora nenhum caso de sucesso, pelo contrário, a crise da dívida instalou-se no sul da Europa e ameaça a totalidade do continente. A táctica de hesitação, da domesticação e da disciplinação destrói a confiança mútua dos cidadãos europeus. Esta visão de um continente unido transforma-se na imagem do inimigo Europa. A Alemanha descobriu a importância estratégica da ideia Europeia e está a converter-se na fundadora dos Estados Unidos da Europa, com a prática imposta do seu método. O poder alemão na Europa assenta as suas bases na economia. É muito mais flexível e muito mais móvel. Está presente em todos os lugares, sem que para isso seja necessário mandar avançar as Waffen-SS.