Crise do Conceito

A obra sempre foi tida como singular. Nela, o papel do autor é fundamental, pois este dá-se a conhecer através do seu estilo pessoal e é por este estilo que é identificado pelo público, familiarizado com a sua obra. A obra de um pintor pode ser reconhecida mundialmente, pois a sua marca pessoal encontra-se no seu modo de pintar, é atribuível ao seu criador. Portanto, o princípio autoral está ligado à obra, enquanto objecto fechado e limitado.

Um primeiro momento de crise surge com a substituição da produção artesanal pela produção industrial em série e, posteriormente, com a inovação operada pela informática que despoleta uma alteração na noção de autor. Com o software disponibilizado pelo mercado e com o acesso à Internet, a escrita e a imagem reproduzem-se instantaneamente. O dispositivo da rede torna possível a abolição das fronteiras autorais, já que cada texto, imagem e música se interliga com outros textos, imagens e músicas, numa malha propícia à invasão de campos.

Uma das maiores guerras que a Internet desencadeou diz respeito aos direitos de autor e trava-se entre os detentores da propriedade intelectual e as pessoas que utilizam a rede para partilhar ficheiros. Uma batalha dura, com muitos avanços e recuos que, em 2001, só nos Estados Unidos, se traduziu em mais de 516 mil milhões de downloads de ficheiros audio, efectuados através de serviços ilegais. O caso mais emblemático foi o do Napster, resolvido na barra dos tribunais, mas outros se lhe seguiram. A Napster foi o primeiro web site, onde era possível realizar um download de uma qualquer música gratuitamente. A indústria de entretimento aponta as cópias ilegais como causa de todos os males; os utilizadores afirmam-se inocentes.

A propriedade da obra assume traços de semelhança com a noção de propriedade geográfica. Comum é o princípio da transgressão dos limites das fronteiras e, com ele, a crise do conceito de autor. Por outro lado, a natureza do hipertexto desencadeou um outro processo de leitura e escrita, ampliando, no mínimo, o nosso entendimento dos termos texto, autor e leitor. O texto é posto em movimento e envolvido num fluxo. É navegável de texto em texto, como o hipermédia, composto de texto, som e imagem. Cria uma multiplicidade de autores e, acentuando a obra como produto colectivo, reforça o anonimato em relação ao seu produtor.

Ninguém, nenhuma “pessoa” é a sua origem. A sua voz não é o verdadeiro lugar da escrita: é-o a leitura.