Totes Haus Ur

Gregor Schneider nasceu em Rheydt, na Alemanha, em 1969. Aí, aos dezasseis anos de idade iniciou o projecto Totes Haus Ur, que é a transformação da sua casa suburbana num work in progress. Pela mão do artista, pouco a pouco, uma casa normal, localizada numa pequena cidade ao pé de Colónia, transfigura-se numa compulsiva ficção arqueológica. Construindo espaços duplicados, Schneider desenha um labirinto de aparência e realidade, que quase inviabiliza a reconstrução da planta da casa original. Registando em fotografia e em vídeo o desenvolvimento do trabalho, pôe em evidência as sucessivas etapas da construção, o processo de elaboração e a abundância do material envolvido na recriação, estando também presente a citação.[2] E assim demonstra que um espaço aparentemente normal nos pode desorientar através da ilusão e do mistério. Na sobreposição de paredes, andares, tectos e janelas, a história torna-se sedimentária: apenas se reconstrói pela destruição, mas verdadeiramente não desaparece. Ao operar, o artista não está a produzir um pretensioso auto-referente secreto. Em vez de se quedar na auto-satisfação de criador omnisciente, perde-se sistematicamente no puzzle de quartos.

O trabalho parece quase banal. A casa de jantar, por exemplo, contém uma mesa, papel de parede e um cortinado na janela, mas os visitantes apercebem-se de que qualquer coisa não está bem: as paredes têm uma desconcertante qualidade, como se fossem esculpidas; uma inspecção mais cuidada permite descobrir que são artificiais. O artista corta janelas no interior das suas paredes e, depois, coloca lâmpadas por detrás para simular a luz natural. Ao virarmo-nos podemos começar a questionar-nos se a porta por onde entrámos não se moveu, ou até o próprio espaço. Acontece que está a girar muito lentamente, em movimento imperceptível, graças a um dispositivo mecânico. Podemos encontrar uma câmara de maravilhas, num dos compartimentos onde não faltam animais, crânios, uma mão, um espelho negro, um armário antigo cheio de carpetes enroladas, uma máscara e cornos. E de novo uma janela falsa. Ocasionalmente o artista convida alguém para tomar café e comer bolos na sua casa. Até se pode lá passar a noite.

O artista continua a viver e a trabalhar neste espaço. Desde 1994, tem exportado réplicas da sua casa para diversas galerias e museus, deitando abaixo e reconstruindo quartos inteiros nos espaços de exposição. O primeiro andar da sua casa foi mostrado entre 1999/2000 em Carnegie Internacional. A sua cave foi exposta na Galeria Secession em Viena. Em 2001, Gregor Schneider representou a Alemanha na 49ª Bienal de Veneza. As exposições, que são reproduzidas, são apresentadas como uma escultura ambiental. A cave reconstruída no museu, descreve-a o artista como “lixeira” e, até, como “bordel”. A atribuição de nomes vulgares pretende transportar as peças para outros contextos. O trabalho visto fora do contexto original perde-se inevitavelmente, esvai-se o poder de desorientação e de enervamento do visitante, aliciado para um puzzle metafísico em que as fronteiras da realidade e parte da arquitectura doméstica se apagam. Em contraste, e tipicamente, os museus e galerias distanciam-nos dos objectos expostos.

Este projecto-casa, constitui um espaço de exibição e um complexo mundo de arte. Põe em causa as nossas ideias de objecto e contexto e questiona a relação museu/conteúdo. Expõe um retrato doméstico, psicológico de um espaço, na perspectiva de que uma casa já não é o que era. Gregor Schneider transmite alguma esperança: se levarmos as coisas seriamente e agirmos conjuntamente é possível mudar o mundo.