ÉTICA - Para Além do nosso Quintal

(...) Toda ação humana é única e não pode ser repetida. Ainda que se pareça com um milhão de outras, ela foi pensada por um indivíduo único, em circunstâncias únicas e visando obter resultados absolutamente diferenciados. Além disso, pode trazer conseqüências únicas para outras pessoas.

Se jogo uma casca de banana na calçada de minha rua, não estou apenas desrespeitando os princípios da higiene, que me ensinam que existe um lugar melhor para depositá-la: a lata de lixo. Estou, ao mesmo tempo, assumindo outro risco: que alguém passe por aqui (talvez uma pessoa idosa) escorregue na casca de banana e leve um tombo, que pode lhe causar forte dor, fraturas nos ossos e até a morte. De nada adiantaria eu mesmo me dizer que não quero tal resultado, que estou apenas me livrando uma casca de banana. Se estou consciente de que posso provocar um resultado, não há como fugir à minha responsabilidade pela ação que o causou(...)

Toda ação humana têm consequências

Aquilo que fazemos pode causar efeitos no espaço próximo (o lar, a vizinhança, o bairro, a cidade), trazer conseqüências no cenário mais amplo do país ou, ainda, afetar todo o planeta, o conjunto da humanidade.

Ainda que se pareça com um milhão de outras, ela foi pensada por um indivíduo único, em circunstâncias únicas e visando obter resultados absolutamente diferenciados. Além disso, pode trazer conseqüências únicas para outras pessoas.

Quando as cidades, as regiões e os países viviam isolados uns dos outros e as pessoas e povos não dispunham de meios capazes de provocar mudanças muito grandes no ambiente, cada um podia pensar apenas em si mesmo ou no seu quintal.

Naquela época, o fato de alguém derrubar uma árvore ou queimar um pasto no Brasil não tinha qualquer interesse para um morador da Inglaterra, da China ou do Japão. O desenvolvimento da ciência, da tecnologia, dos meios de transporte e dos meios de comunicação - desde o Renascimento até hoje - mudou por completo essa realidade. Foi como se o planeta virasse uma grande aldeia, onde somos vizinhos uns dos outros e na qual as ações de um Pais podem afetar todos os demais.

Neste final de século e de milênio, vivemos numa sociedade mundial, mas ainda não desenvolvemos os fundamentos de uma proposta ética realmente universal que seja válida para todos os povos e para todos os países e, ao mesmo tempo, capaz de levar em conta e respeitar as diferenças culturais, religiosas, econômicas, raciais e outras.

No século XVI, espanhóis e portugueses conquistaram um vasto território na América e trouxeram para cá os princípios, valores e crenças que compunham sua cultura. Depois de penetrar na Ásia e na África, a Europa dava, assim, mais um passo gigantesco para que a humanidade tivesse uma visão universalista do planeta.

Mas esse universalismo, imposto à força aos povos conquistados, resultou na negação do direito desses mesmos povos de terem sua própria cultura e na tentativa de estabelecer como fundamento ético o cristianismo e a fé no Deus reverenciado pelos europeus. O novo universalismo, estabelecendo as bases de uma convivência mundial pacífica e produtiva, só terá validade se vier de uma convergência, de um diálogo, e não do eu quero dos países mais ricos e poderosos. E o primeiro fruto dessa convergência, obrigatoriamente, será uma ética realmente mundial, que traga como fundamento não uma fé religiosa, um novo colonialismo ou qualquer concepção do mundo que tenha como centro um único país e uma só cultura.

A ética que expressa apenas a visão de um país ou de uma cultura será sempre unilateral e pobre, pois a grande riqueza da humanidade está exatamente nas profundas diferenças que existem entre os diversos povos do mundo.

Muitos filósofos acreditam que este é o maior desafio que a humanidade vai enfrentar no novo século: preservar as culturais nacionais e regionais e, ao mesmo tempo, fundar uma ética universal, que encontre meios concretos de se colocar acima da força econômica, política e militar das grandes potências.

Como parte dessa nova ética, teremos de julgar cada ação humana pelas conseqüências que ela pode produzir do outro lado do planeta, e não apenas em nosso quintal ou no quintal do vizinho. Unilateral - de um lado só.

E quando falamos em ação humana não estamos nos referindo somente à poluição ambiental, por exemplo, mas também à poluição cultural, ou seja, ao uso dos meios de comunicação de massa (e principalmente a televisão) para impor a outras pessoas e outros povos o nosso jeito de ver o mundo.

O escritor Arthur Koestler, no livro O Zero e o Infinito,diz que só existem duas concepções de ética,- que estão em posições opostas:

“... uma delas, cristã e humana, declara que o indivíduo é sagrado e afirma que as regras da aritmética não devem ser aplicadas a unidades humanas. A outra parte do princípio básico de que um fim coletivo justifica todos os meios, e não somente permite, mas pede que o individuo seja de todas as maneiras subordinado e sacrificado à comunidade...”

Existe, entretanto, uma terceira concepção, que reconhece a identidade, a liberdade e o direito de escolha do individuo, mas proclama que ele é parte da comunidade, com a qual tem deveres e obrigações que são da própria essência da condição humana. Se o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, dos meios de transporte e dos meios de comunicação unificou o planeta, o uso correto desses novos conhecimentos e técnicas deve ser decidido pela comunidade mundial, e não por um país ou grupo de países.

Os eternos pessimistas, ou aqueles que se limitam a lamentar as mudanças que julgam inconvenientes, talvez imaginem que a construção de uma ética mundial seja um objetivo irrealizável. Alguns dirão, por exemplo, que os países de maior poder jamais irão renunciar à sua capacidade de influenciar outros povos ou impor seus valores à comunidade mundial, como acontece hoje.

Um escritor francês chamado Anatole France, conhecido pelo seu pessimismo em relação aos seres humanos, escreveu certa vez que "a moral de um lobo está em comer os carneiros, assim como a moral dos carneiros é comer a grama".

Mas não somos lobos, nem carneiros, e não comemos grama... E o pessimismo tem sido muitas vezes utilizado como desculpa pelos que não querem se comprometer com as grandes tarefas.

A História - que não é pessimista e nem otimista - nos ensina que os seres humanos já realizaram feitos que antes pareciam pura fantasia, como voar, caminhar na superfície da Lua e se comunicar com pessoas que vivem do outro lado do planeta.

E há quem acredite que o Brasil, por sua dimensão territorial, pelo valor crescente de sua produção econômica, pelo tamanho de sua população e, principalmente, por sua experiência de 500 anos como país que conseguiu construir um espaço de convivência de todas as raças, religiões e culturas, pode ter papel decisivo na fundamentação dessa nova ética mundial.

Para isso, entretanto, ainda teremos de avançar muito em nosso próprio quintal. O primeiro passo é adotar padrões éticos não só na política, nos serviços do Estado e nas empresas públicas ou particulares, mas também na vida cotidiana de cada um de nós.

A ética é um conceito indivisível que não admite meios-termos.Ou somos éticos na família, com os amigos, na escola, no trabalho, no trânsito, nas atividades de lazer, jogando futebol e namorando, ou não o somos de jeito nenhum.

O advogado que diz prezar a ética da sua profissão e, ao mesmo tempo, dirige embriagado não está sendo ético em nenhum momento.

O médico que cuida bem da saúde dos pacientes, mas sonega impostos não tem o direito de se dizer ético.

O estudante que diz respeitar seus professores e colegas, e, no dia da prova, leva uma cola no bolso está cometendo um atentado contra a ética.

O jornalista que escreve com cuidado para não distorcer os fatos, mas aceita dinheiro ou favores de alguém para publicar uma notícia está violando um do princípio básicos da ética profissional.

O mesmo acontece com o funcionário público que admite ser nomeado mesmo não tendo qualificações profissionais para ocupar o cargo, ou com o político que usa o mandato que os eleitores lhe deram para seu beneficio pessoal ou de sua família.

A lista iria longe, se fôssemos citar todos os casos. Por isso, vamos resumir com um retorno ao inicio desta nossa conversa.

Você se lembra daquela casca de banana jogada na calçada?

Pois é assim que tudo começa.

Autor: Sebastião Martins.

Livro; Ética; a força do Cidadão.

Ed. Lê. 1999