Contra o Método

Contra o método – o anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend

por Marcos Beccari

Um dos maiores pesadelos dos estudantes de Design é a tal da metodologia científica, cobrada nos trabalhos de graduação e, dependendo da instituição, até em simples exercícios projetuais. Embora eu entenda que a academia tenha certas exigências e linguagens, confesso que os melhores trabalhos que eu fiz na faculdade foram aqueles que a metodologia científica não era solicitada, sendo assim mais livres com relação ao formato de entrega. Hoje eu compreendo o porquê da metodologia científica ser exigida, mas ainda acredito que o aprendizado de Design não tem nada a ganhar com essa exigência.

Apesar de o método positivista ainda ser inegavelmente predominante em todos os cursos acadêmicos, o que muitos não sabem é que ele não é necessariamente obrigatório: sua função é apenas demonstrar o aprendizado e a capacidade do aluno em realizar uma pesquisa, mas caso o aluno consiga demonstrar isso utilizando outro método, não haveria (teoricamente) nenhum problema. Claro que o mais fácil e mais “eficaz” (termo geralmente valorizado no Design) é fazer do jeito que o professor sugere (ou exige) ao invés de estudar, por conta e risco, o que há por detrás das inúmeras posturas metodológicas. Por isso tentarei neste texto, apoiado no anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend, levantar algumas provocações no intuito de estimular o estudo de um campo que, em minha opinião, é indispensável ao ensino de Design: epistemologia.

Feyerabend pode ser enquadrado no chamado pós-positivismo, uma corrente filosófica que critica o racionalismo científico que o positivismo clássico pressupõe. Mas diferente do falsificacionismo de Karl Popper (1978) e dos paradigmas históricos de Thomas Kuhn (2007), Feyerabend (2007) defende que não há método científico que garanta a existência de uma verdade. Feyerabend dedica grande parte de seu livro “Contra o método” para discorrer sobre a mudança paradigmática do copernicanismo marcada por Galileu – a retomada da teoria de Aristóteles sobre o movimento da Terra. Tal episódio demonstra que Galileu não proporcionou um avanço científico nem mesmo uma ampliação do conhecimento, sendo apenas um regresso em favor de um modelo mais consistente. A conclusão que se chega é que, contrariando tanto o empirismo lógico quanto o falcificacionismo popperiano e as análises meta-históricas de Kuhn, uma nova teoria não precisa necessariamente trazer ou refletir fatos novos, mas sim uma nova linguagem observacional.

A verdadeira lógica disso reside em não analisar as teorias “por baixo”, como fazem os demais pós-positivistas, mas sim analisá-las “por cima”. Uma vez que toda descrição de fatos depende de alguma teoria, é natural que existam falhas e se adote teorias que não correspondam à verdadeira lógica dos fatos. Por isso que teorias antigas e aparentemente absurdas, como o caso da concepção aristotélica retomada por Galileu, não devem ser rejeitadas – ao contrário, devem ser examinadas “por cima”. Se nenhuma teoria é consistente com os fatos, então na realidade não há métodos válidos, a não ser que seja um método sem regras e que valorize hipóteses sem fundamentos. O grande problema é que qualquer método científico nunca é completamente neutro, pois sempre estará contaminado de crenças, ideologias, preferências e tendências históricas.

O teor anárquico da proposta de Feyerabend se deve, pois, ao fato de que não deveríamos nos submeter a uma teoria dominante, estabelecida pela linguagem da tradição dominante, mas sim valorizar igualmente outras tradições consideradas não-científicas.

Trata-se de um movimento de recuo, nas palavras de Feyerabend, necessário tanto na concepção de novas teorias quanto na adoção de um método frente a determinado fenômeno: ao invés de se buscar definições e modelos já existentes, recorre-se à liberdade de uma hipótese metafísica de indução que respeita, na medida do possível, a objetividade dos fatos.Somente após este recuo que é possível encontrar, naturalmente, as ciências auxiliares necessárias ao entendimento da linguagem objetiva. Isso pressupõe uma ciência mais aberta, cujas teorias se desenvolvam de maneira plural e sem compromissos de igualdade ou uniformidade teórica.

Retornando ao campo do Design, creio que a prioridade metodológica nas concepções projetuais configura um grande equívoco, mais do que a própria predominância positivista. O método positivista, aliás, é completamente distorcido em sua finalidade por conta dessa prioridade metodológica. Ao invés de tentar adaptar um projeto ao método preestabelecido, acho mais sincero ao fazer design o ato livre de se gerar hipóteses e conjecturas que, naturalmente, vão sugerir determinados métodos a serem utilizados em função do projeto. Por mais clichê que isso possa parecer, o método deveria ser visto como um instrumento, não como uma restrição. Caberia, pois, aos professores de Design o papel de ensinar aos seus alunos, ainda que superficialmente, alguns dos inúmeros métodos existentes – sem, no entanto, se restringirem àquilo que se considera “científico”.

Referências Utilizadas:

- FEYERABEND, Paul. Contra o método. São Paulo: Ed. UNESP, 2007.

- KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

- POPPER, Karl. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.

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RESUMO ANALÍTICO GERAL DA TESE EPISTEMOLÓGICA DE PAUL FAYERABEND NA OBRA "CONTRA O MÉTODO"

por Protásio Vargas, sexta, 8 de julho de 2011 às 11:29

FONTE: FAYERABEND, Paul (1924-1994). Contra o Método. São Paulo/SP: Editora UNESP, 2007. 374p. Tradução de Cezar Augusto Mortari, do original em inglês “Against Method”.

TESE EPISTEMOLÓGICA DE PAUL FAYERABEND

Introdução - A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o ANARQUISMO TEÓRICO é mais humanitário e mais apto a estimular o progresso do que suas alternativas que apregoam a lei e a ordem (pp. 31 - 36).

1 - Isto é demonstrado tanto por um exame de episódios históricos quanto por uma análise abstrata da relação entre idéia e ação. O ÚNICO PRINCÍPIO que não inibe o progresso é: VALE TUDO (pp. 37- 44).

2 - Por exemplo, podemos usar hipóteses que contradigam teorias bem conformadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos. Podemos fazer avançar a ciência PROCEDENDO CONTRA-INDUTIVAMENTE (pp. 45 - 50).

3 - A CONDIÇÃO DE CONSISTÊNCIA, que exige que hipóteses novas estejam de acordo com teorias aceitas, é desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e não a melhor. Hipóteses contradizendo teorias bem confirmadas proporcionam-nos evidência que não pode ser obtida de nenhuma outra maneira. A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformização prejudica seu poder crítico. A uniformidade também ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo (pp. 51 - 62).

4 - Não há nenhuma idéia, por mais antiga e absurda, que não seja capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. Toda a história do pensamento é absorvida na ciência e utilizada para o aperfeiçoamento de cada teoria. E nem se rejeita a INTERFERÊNCIA POLÍTICA. Talvez ela seja necessária para superar o chauvinismo da ciência que resiste a alternavas ao status quo (pp. 63 - 70).

5 – Nenhuma teoria jamais esta de acordo com todos os fatos em seus domínios: contudo, a culpada nem sempre é a teoria. Os fatos são instituídos por ideologias mais antigas, e um conflito entre fatos e teorias pode ser uma prova de progresso. Tal conflito constitui também um primeiro passo em nossa tentativa de encontrar os princípios implícitos em noções observacionais familiares (pp. 71 - 88).

6 – Como exemplo dessa tentativa, examino o argumento da torre, o qual os aristotélicos empregavam para refutar o movimento da Terra. O argumento envolve interpretações naturais – idéias tão estreitamente ligadas a observações que é necessário um esforço especial para perceber sua existência e determinar seu conteúdo. Galileu identificava as interpretações naturais inconsistentes com a teoria de Copérnico e as substitui por outras (pp. 89 - 102).

7 – As novas interpretações naturais constituem uma linguagem observacional nova e altamente abstrata. São induzidas e ocultadas, de modo que não se percebe a mudança havida (método da anamnese). Elas contêm a idéia da relatividade de todo movimento e a lei da inércia circular (pp. 103 - 118).

8 – Além das interpretações naturais, Galileu altera também as sensações que parecem ameaçar a teoria de Copérnico. Ele admite que há tais sensações, louva Copérnico por tê-las ignorado e afirma tê-las eliminado com o auxílio do telescópio. Contudo, não oferece razões teóricas pelas quais se deveria esperar que o telescópio fornecesse um relato verdadeiro do céu (pp. 119 - 130).

9 – Nem a experiência inicial com o telescópio fornece tais razões. As primeiras observações telescópicas do céu são indistintas, indeterminadas, contraditórias e entram em conflito com o que qualquer pessoa pode ver a olho nu. E a única teoria que poderia ter auxiliado a separar ilusões causadas pelo telescópio de fenômenos verídicos foi refutada por testes simples (pp. 131 - 152).

10 – Em contrapartida, há alguns fenômenos telescópicos que são claramente copernicanos. Galileu introduz esses fenômenos como evidência independente para Copérnico, embora a situação seja antes a de que uma concepção refutada – o copernicanismo – tem certa similaridade com fenômenos que emergem de outra concepção refutada – a idéia de que fenômenos telescópicos são retratos fiéis do céu (pp. 153 - 156).

11 – Tais métodos “irracionais” de sustentação são necessários por causa do “desenvolvimento desigual (Marx, Lenin) das diferentes partes da ciência. O copernicanismo e outros ingredientes essenciais da ciência moderna sobreviveram apenas porque, em seu passado, a razão foi freqüentemente posta de lado (pp. 157 - 176).

12 – O método de Galileu funciona também em outros campos. Por exemplo, pode ser usado para eliminar os argumentos existentes contra o materialismo e para pôr fim ao problema filosófico mente/corpo (os problemas científicos correspondentes permanecem, contudo, intocados). Não se segue que deva ser universalmente aplicado (pp. 177 - 180).

13 – A Igreja, na época de Galileu, não apenas conservou-se mais próxima à razão tal como esta era definida então e, em parte, hoje mesmo: também, considerou as conseqüências éticas e sociais das idéias de Galileu. Sua indicação de Galileu foi racional, e somente oportunismo e falta de perspectiva podem exigir uma revisão (pp. 181 - 192).

14 – As investigações de Galileu formaram apenas uma parte da assim chamada REVOLUÇÃO COPERNICANA. O acréscimo dos demais elementos torna ainda mais difícil reconciliar esse desenvolvimento com os princípios familiares de avaliação de teorias (pp. 193 - 206

15 – Os resultados obtidos até agora sugerem <span class=" fbUnderline">abolir a distinção entre</span> CONTEXTO DE DESCOBERTA e CONTEXTO DE JUSTIFICAÇÃO, entre NORMAS e FATOSe entre termos OBSERVACIONAIS e termos TEÓRICOS. Nenhuma dessas distinções desempenha algum papel na prática científica. Tentativas de impô-las teriam conseqüências desastrosas. O racionalismo crítico de POPPER fracassa pelas mesmas razões (pp. 207 - 226).

16 - Apêndice 1. Finalmente, o tipo de comparação essencial à maioria das metodologias é possível somente em alguns casos muito simples. Fracassa quando tentamos comparar concepções não-científicas com a ciência e quando consideramos as partes mais avançadas, mais gerais e, portanto, mais mitológicas da própria ciência (pp. 227 - 288).

17 - Apêndice 2. Nem a ciência nem a racionalidade são medidas universais de excelência. São tradições particulares, não tendo consciência de sua base histórica (pp. 289 - 308).

18 – Contudo, é possível avaliar padrões de racionalidade e aperfeiçoá-los. Os princípios de aperfeiçoamento não estão nem acima da tradição nem além da mudança, e é impossível estabelecê-los clara e inequivocamente (pp. 309 - 318).

19 – A ciência é nem uma tradição isolada nem a melhor tradição que há, exceto para aqueles que se acostumaram com sua presença, seus benefícios e suas desvantagens. Em uma democracia, deveria ser separada do Estado exatamente como as igrejas ora estão dele separadas (pp. 319 - 336).

20 – O ponto de vista implícito deste livro não é o resultado de uma bem planejada cadeia de pensamentos, mas de argumentos instigados por encontros acidentais. Indignação diante da destruição desenfreada de conquistas culturais das quais poderíamos todos ter aprendido, diante da ousadia presunçosa com que alguns intelectuais interferem na vida das pessoas, e desdém pelas frases traiçoeiras que usam para embelezar suas iniqüidades foram, e ainda são, a força motivadora do meu trabalho (pp. 337 - 365).