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UM PARALELO ENTRE FILOSOFIA POLÍTICA E EDUCAÇÃO. UMA

CONTRIBUIÇÃO À DEFINIÇÃO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Itamar Soares Veiga - UC

Resumo: Esta pesquisa trata sobre o problema de alcançar uma definição do significado de filosofia da educação. Para esclarecer uma determinada resposta, a de que a filosofia da educação tem uma estrutura diáfana, é realizado um paralelo com a filosofia política. Este paralelo segue por um lado, as ideias de Paulo Freire e de outro, as ideias de Leo Strauss. A conclusão mostra que ambas as áreas possuem estruturas diáfanas.

Palavras-chave: filosofia da educação, filosofia política, paralelo, pensamento político, pensamento pedagógico, estrutura diáfana.

O elemento básico que desejamos explorar nesse trabalho é um aprofundamento sobre um paralelo possível entre a definição de filosofia política e os desdobramentos pressupostos na prática educativa. Este aprofundamento será realizado mediante uma exploração da possibilidade de compreensão das relações da educação com a própria definição de filosofia política. O artigo possui o fito de contribuir para uma definição da filosofia da educação. A tese principal deste trabalho é que a filosofia da educação é uma matéria de estudo de difícil definição. Pois, ela não é uma metodologia de aprendizagem, não é a história da pedagogia, não é uma teoria pedagógica, então o que ela é? Uma das respostas, que queremos sustentar neste artigo, é a de que a filosofia da educação é uma estrutura diáfana (ou seja, pouco delimitável) que percorre um espaço onde estão outras instâncias que não são ela mesma, mas podem ser confundidas com ela. Para alcançarmos este objetivo é necessário um suporte teórico, pois se a filosofia da educação é uma estrutura diáfana, então devemos ter, ao menos, uma sustentação para esta estrutura. Para construir este suporte, vamos desenvolver um paralelo entre filosofia política e educação. Este paralelo inicia com o esclarecimento do significado de filosofia política. Para tanto, utilizaremos as definições de Leo Strauss, um reconhecido filósofo político do século passado1.

Antes de tratar da definição de filosofia política, precisamos ressaltar que o objetivo acima se revela como uma contribuição aos estudos da educação. Essa contribuição se coloca dentro do contexto da Educação através do pedagogo Paulo Freire. Assim, além da educação abarcamos outras diretrizes como cidadania e política. A partir desse conjunto e mediante o seu aprofundamento, o artigo se orienta para a resposta de uma pergunta pontual: o que significa filosofia da educação?

1 MILLER, E. F. Leo Strauss: A recuperação da filosofia política In:. CRESPIGNY, A. A Filosofia política contemporânea. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979. p. 93-127.

De uma forma esquemática os elementos sobre educação são retirados das idéias de Paulo Freire, e os elementos definidores da filosofia política são retirados de Leo Strauss. Ambos fornecem um paralelo comparativo através do qual podemos mostrar quando e como Paulo Freire realiza um raciocínio específico, não como pedagogo ou como teórico da educação, mas sim como filósofo da educação. O roteiro da construção desta forma esquemática será o seguinte: esclarecimento do que é filosofia política, uma apresentação sintética das idéias de Paulo Freire e a análise das definições de filosofia da educação em paralelo com a de filosofia política.

Iniciando o roteiro de estudo, podemos dizer que: a filosofia política é um ramo da filosofia, a qual, segundo Leo Strauss, tem esta definição: “Filosofia política é a tentativa de conhecer realmente tanto a natureza das coisas políticas, quanto a ordem política justa e boa.”2 Há, nesta breve passagem, alguns pontos que podem ser ressaltados, são estes: o que significa, na filosofia de Strauss, a palavra “natureza”? O que significa a expressão “coisas políticas”? E, porque surge uma preocupação com a “ordem” política? Esses temas foram também trabalhados em um artigo de Eugene Miller3 sobre Leo Strauss. Mas, com uma orientação direta pela leitura do texto de Strauss, podemos afirmar que o sentido da expressão

“natureza” se explicita na necessidade da passagem da opinião (doxa) a respeito das coisas políticas para um conhecimento dessas coisas políticas (episteme). A passagem representa uma elaboração cognoscitiva, ou seja, um processo de conhecimento, o qual conduz aquilo que estava implícito para o explícito. Esse processo de conhecimento se identifica com a própria concepção do que Strauss considera como função da filosofia em geral. Mas, é preciso ressaltar que, o que é passado nesta transição do implícito para explícito, ou seja, o que são estas “coisas políticas”? Isto ainda está insuficiente.

A filosofia se preocupa com o todo (physis)4, e, nesse sentido, a filosofia também se preocupa com coisas não naturais como as coisas políticas. Mas o que são estas “coisas políticas”? As coisas políticas são aqueles elementos da realidade que se manifestam através da opinião política, por exemplo, a alta dos juros, uma guerra, uma CPI no Congresso, etc.

2 STRAUSS, L. What’s political philosophy and other essays. Toronto: The Free Press. 1968. p.12.

3 MILLER, 1979, p. 93-127.

4 O filósofo italiano Emanuele SEVERINO expõe isto com muita clareza: “Desde o seu início que a filosofia é o interesse dirigido para o Todo, o qual se revela na verdade. O núcleo constantemente presente na história da filosofia não é então apenas constituído pela idéia da verdade – isto é, pela emergência da pura essência da verdade – mas pela relação entre a emergência da pura essência da verdade e a emergência da totalidade das coisas: o núcleo é, precisamente, a emergência do Todo na verdade.” (1985, p.21-23)

Estes “objetos” de discussão pública, ou seja, implícitas no âmbito público se revelam como as “coisas” de natureza política, ou “coisas políticas”, explícitas no âmbito científico e filosófico. Ocorreu a passagem.

O outro elemento entre aqueles colocados na definição de Strauss, mostrada acima, é a “ordem”. A definição de “ordem” traz consigo a noção de uma demanda ou preocupação. Isto se explica a partir da ação que é resultante do olhar da filosofia política. Ela visa uma ordem política boa e justa, ou, em outras palavras, ela visa uma contribuição para sociedade. Aqui a ação cidadã do filósofo na sociedade encontra um papel a desempenhar. Na busca de uma ordem política, ou seja, de uma “ordem” cuja natureza “política” consta o uso de uma opinião (doxa), a qual é emitida pelo não-filósofo, surge como pendente a tarefa de tornar o explícito o que está implícito. E, portanto, se torna uma tarefa do filósofo político. Uma vez desempenhada sua função, há uma passagem ou transformação das opiniões emitidas sobre “coisas políticas” para conhecimento da natureza destas coisas. Isto é coaduna com a esperança geral, já que, na sociedade, os cidadãos manifestam o intuito de alcançar uma ordem justa e boa. A função do filósofo político surge neste momento, onde o mero opinar (doxa) pode ser vertido em conhecimento (episteme). A necessidade de tornar explícito, o implícito, onde este implícito já acontece na realidade cotidiana, é o que constitui a tarefa cidadã do filósofo e sua contribuição para uma ordem boa e justa. O conjunto de ações é condizente com a função do filósofo político e condizente com o estudo da natureza das coisas políticas.

O segundo passo na direção do anúncio dos elementos que constituem o paralelo, distanciando-se da breve definição acima, mas em conformidade com a contribuição de Leo Strauss, é uma diferenciação entre ciência política e filosofia política. A ciência política trata das coisas políticas, mas ela segue os modelos da ciência natural5, permanecendo, por isso, remetida a um âmbito empírico. Ela coleta dados no âmbito empírico, verifica fatos e estabelece pesquisas específicas. Este âmbito empírico é determinante para a investigação científica. Ele tem como consequência colateral deslocar a força do âmbito abstrato e especulativo, o qual é próprio âmbito da reflexão feita pela filosofia. A filosofia não trabalha com o âmbito empírico, não faz experiências, portanto não manipula variáveis.

5 STRAUSS, 1968, p.13.

Mas, a ciência política não estuda a natureza das coisas políticas, pois um estudo desse gênero demandaria uma preocupação não empírica, ou seja, a preocupação com as justificativas de uma fundamentação de tal ou tal pesquisa, de tal e tal base empírica. Na sua relação com a filosofia, a ciência política se interessa mais por campos específicos como o da lógica e o da metodologia. A lógica é utilizada pela ciência política para efetuar raciocínios válidos a respeito do material empírico coletado e a metodologia, para direcionar e encadear estes raciocínios em conclusões que remetam ao mundo empirico. Lógica e metodologia são áreas não precípuas na investigação específica da filosofia política, embora não sejam de forma alguma dispensáveis6.

O outro elemento importante das contribuições de Strauss, é o que ele chama de “pensamento político”. “Pensamento político” pode ser entendido como uma teoria política determinada. Vejamos como Strauss o apresenta:

Por pensamento político nós compreendemos a reflexão sobre, ou a exposição de idéias políticas; e por uma idéia política, nós podemos compreender qualquer significante político [...] concernente aos fundamentos políticos. Por isso, toda filosofia política é pensamento político, mas nem todo pensamento político é filosofia política. Pensamento político é, como tal, indiferente para a distinção entre opinião e conhecimento.7

O “pensamento político” tem um vínculo importante com o tema das “idéias políticas”.

Trata-se de um trabalho intelectual prévio a própria filosofia política. Este trabalho faz uma exposição e propostas de idéias. E, na medida em que as elabora, o “pensamento político” é abarcado também pela filosofia política,. Contudo, quando expõe as “idéias políticas”, que é o exercício de sua função, o “pensamento político”, estabelece uma forma ou ponto específico. Isto não ocorre para a filosofia política, esta fixação, pois a ela é dinâmica.

Diante de todos estes elementos: da breve definição de filosofia política e as diferenciações entre “ciência política” e “pensamento político”, ambos em relação à filosofia política, podemos nos deter em três elementos principais: as coisas políticas, a própria filosofia política e, restritamente, ao pensamento político, pois ele acontece no espaço abstrato e especulativo, embora se fixe em uma forma. Através desta seleção dos três acima vamos estabelecer um paralelo com a educação.

6 A lógica e a metodologia podem ser consideradas, com segurança, áreas formais da filosofia. Elas são áreas sem um objeto de estudo previamente definido. O envolvimento de ambas com a ciência política acontece em um âmbito instrumental e de aplicação. Por outro lado, a filosofia política possui um âmbito especulativo mais exigente e desenvolvido.

7 STRAUSS, 1968, p. 12.

II

Uma das faces do paralelo entre filosofia política e educação, considerando que o paralelo vincula estas duas áreas, já está elaborada. Na parte acima deste artigo, mostramos muitos elementos de que a filosofia política não é. Nesta espécie de via negativa que foi utilizada, vimos que filosofia política está relacionada com coisas políticas, com pensamento político e até com a ciência política (através da lógica e metodologia) mas, ela mesma, não é nenhum destes itens. Ela é diáfana (e, por isso, pouco delimitável nestes itens, ou possui limites difusos que se confundem com o seu suporte). Agora vamos elaborar a outra face do paralelo. Esta face diz respeito à educação. Os elementos componentes desta face serão retirados das posições de Paulo Freire.

Uma noção geral da proposta pedagógica de Paulo Freire pode ser compreendida na seguinte passagem:

[...]. Em tempo algum pude ser um observador “acizentadamente” imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética. Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto do seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele.

O meu ponto de vista é o dos “condenados da Terra”, o dos excluídos. Não aceito, porém, em nome de nada, ações terroristas, pois que delas resultam a morte de inocentes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo nega o que venho chamando ética universal do ser humano. Estou com os árabes na luta por seus direitos, mas não pude aceitar a malvadez do ato terrorista nas Olimpíadas de Munique.8

Nessa passagem fica claro o modo de Paulo Freire se posicionar, isto é, o autor respeita as diferentes perspectivas na medida em que podem ser consideradas perspectivas conscientes9. Após este reconhecimento das perspectivas a partir do estatuto do “ter um certo ponto de vista”, o autor logo fornece os conteúdos específicos de sua própria posição. Este procedimento marca a posição específica frente ao mundo. E as últimas palavras da citação acima são enfáticas a este respeito. Além disso, a menção dos “árabes” na “lutas por seus direitos” e a rejeição da “malvadez do ato terrorista nas Olimpíadas de Munique”, mostram um engajamento e o retiram de uma instância meramente abstrata.

A passagem citada acima apresenta a potencialidade do diálogo em um quadro de diversos posicionamentos. Isto inclui, interessantemente, mas que não podemos abordar agora, posicionamentos que não reconhecem o outro e que pretensamente se arrogam uma posição específica. Eles não se circunscrevem claramente no âmbito. Pois, na constituição de um âmbito, uma posição depende da outra, assim como o diálogo depende de mais de um

8 FREIRE, 1999, p.16.

9 Isto é, perspectivas não-obstaculizadas.

dialogante. O conjunto da diversidade de posicionamentos, e o não alheamento da realidade, fazem com que Paulo Freire, resuma tudo em só conteúdo: “ética universal do ser humano”.

A teoria pedagógica, ou melhor, o pensamento pedagógico, de Paulo Freire está orientado por uma proposta de uma ética universal do ser humano, a qual ele mesmo exemplificou em suas obras.10 Não obstante, outros comentários possam ser acrescidos a respeito disso. Destacamos o uso acima da palavra “pensamento”. No intuito restrito desse trabalho, a sua concepção de ética universal do ser humano, serve como elemento exemplar, na forma de uma idéia principal, de sua teoria da educação e, ao mesmo tempo, de uma teoria da educação em geral. Caso tivéssemos escolhido outro pedagogo, deveríamos também descobrir sua respectiva ideia principal.

Retornando ao nosso quadro paralelo com a filosofia política, afirmamos que Paulo pensa uma idéia da educação, e esta idéia orienta os elementos de sua teoria da educação. Um desses elementos é o engajamento do autor, o que implica em um tratamento radical e transformador da prática educativa. Acreditamos que um reforço destas elementos é não deixar de assinalar aqui o contexto de um Brasil menos favorecido.

Assim, a teoria pedagógica, mostrada apenas exemplarmente, é um conjunto de conteúdos que se articulam a partir dessa idéia pedagógica da “ética universal do ser humano”. A compreensão dos conteúdos propriamente ditos deve permitir uma ampliação ou contribuição em relação a qualquer processo ou aspecto educacional colocado em operação. A prática educativa de Paulo Freire é classificada como formativa, e isto significa que, os conteúdos de aprendizado somente existem, se efetivamente identificados e respeitados na bagagem intelectual e vivencial do educando. A construção de um conteúdo se torna conjunta, envolve educador-contexto-educando, em uma relação de vice-versa.

A construção de conteúdos depende de forma como se apresentam e se desenvolvem na comunidade, geralmente, de desfavorecidos. Paulo Freire modifica a efetividade fundamental de tais conteúdos, conduzindo os aspectos formativos a um nível alto de importância. Estes aspectos formativos se manifestam na relação do professor com os saberes do educando. Para reforçar estas colocações citamos o próprio Freire:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos.11

10 O seu pensamento pedagógico envolve, entretanto, ainda mais complexidades que são conseqüências e aplicações efetivas da sua idéia de “ética universal do ser humano”, mas estes desdobramentos não podem ser desenvolvidos aqui, porque alterariam o escopo do artigo.

11 FREIRE, 1999, p.33.

Os conteúdos associados aos saberes do educando marcam um espaço de aprendizagem. Esta aprendizagem, respeitando o contexto, determina aquilo que podemos chamar de objetos da educação. A palavra objeto não tem aqui o sentido moderno, o qual pode ser inferido da relação sujeito-objeto. O sentido da palavra “objeto”, que queremos empregar, é o de ser um fato ou fenômeno da educação. Trata-se, assim, de um sentido aproximado como a definição do termo “variável” na metodologia científica, onde, podemos falar de uma “variável” (um fato ou um fenômeno) da pesquisa educativa. Mas isto seria permanecer em um âmbito científico. O sentido da palavra “objeto” para a educação pode ser aproximado com a denominação, de Leo Strauss, para “coisas políticas” (political things). Seriam portanto coisas de “natureza” educacional, fechando assim um dos elos de nosso paralelo.

Este primeiro elo nos permite avançar para o questionamento sobre qual seria o elemento equivalente da filosofia política no âmbito da educação. Qual é este elemento correspondente dentro das duas faces do paralelo que estamos desenvolvendo? A resposta, que procuraremos apresentar para trabalhar suas justificativas, é a de que, este elemento, é a filosofia da educação.

Para justificar isso, ou seja, justificar amplamente que há este elo entre educação e filosofia política é preciso perguntar sobre as relações internas da dimensão da educação: mas o que significa isso? Qual é a dimensão da educação? E que isto de haver com a filosofia da educação? A busca desta dimensão interna mostra o suporte para uma filosofia da educação. Este suporte existe, mesmo para uma estrutura diáfana. Para deixar isto claro, vamos retomar no próximo parágrafo.

Os parâmetros que estamos utilizando se encontram em duas faces de um pretenso paralelo: (a-1) Leo Strauss e (b-1) Paulo Freire; e (a-2) filosofia política e (b-2) educação. Leo Strauss contribuiu com uma definição de filosofia política. Agora temos que rencontrar a contribuição equivalente em Paulo Freire. No livro Pedagogia da autonomia temos a seguinte passagem:

Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-se no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isto não significa reconhecer que somos seres condicionados, mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-me reiterar, é problemático e não inexorável.12

12 Ibidem, p.20-21, uso de itálico do autor.

Os elementos de filosofia aqui contidos são evidentes: o conceito de mundo, o conceito de estar no mundo (presença), a “responsabilidade ética” e o “mover-se no mundo” e, também, uma discussão sobre o caráter da História (“tempo de possibilidade”/”determinismo”). Esses elementos não são propriamente uma teoria da educação, pois eles estão além (ou aquém) do pensamento pedagógico. E, não são, igualmente, fatos ou fenômenos da educação (objetos da educação), pois estão além (ou aquém) dos fatos ou fenômenos da educação. Assim, podemos concluir que, os elementos filosóficos, como “mundo”, “estar no mundo”, “responsabilidade ética” e caráter da

“História”, se tornam pressupostos para uma determinada perspectiva teórica dos fatos e/ou dos fenômenos da educação. É certo que estes elementos filosóficos “embutidos” fazem parte de uma filosofia da educação.

Em outra passagem podemos encontrar esses elementos subjacentes vinculados a um contexto da realidade social: “Uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar a nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e a exercê-la como prática afetiva de

‘tias e de tios’”. 13 Nesta passagem, podemos ver que estão implicados os elementos filosóficos mencionados antes, a saber, o “mover-se no mundo”, o “mundo” e a “responsabilidade ética”. Mas, eles não surgem explicitamente, e sim permanecem no

“implícito”. O papel do filósofo da educação neste caso, seria o de trazer para o âmbito explícito, aquilo que estava implícito.

A discussão mais detalhada entre implícito e explícito é um tema importante. Contudo, queremos apenas assinalar isto. Vamos utilizar o nosso paralelo comparativo entre filosofia política e a educação para avançar a análise. O paralelo revela duas estruturas diáfanas: a filosofia política e a filosofia da educação. Vejamos como podemos justificar esta afirmação central.

No caso de Leo Strauss, a filosofia política tem como tarefa tratar da natureza das coisas políticas, incluindo a busca da melhor ordem política. Nesta tarefa, realiza-se um processo filosófico de passagem da opinião para o conhecimento. Em contrapartida, com Paulo Freire, os objetos da educação são determinados fundamentalmente por uma interrelação entre os conteúdos e os saberes do educando, levando em consideração o contexto social e político. Assim, a sua filosofia da educação se torna uma reflexão que ultrapassa e permeia os objetos

13 Ibidem, p.75, uso de itálicos do autor.

da educação, delineando o papel crítico para o educador, o qual somente é compreendido em profundidade se a ação política é refletida anteriormente. É preciso o trabalho da filosofia da educação para realizar a ultrapassagem previamente estabelecida pelo pensamento pedagógico de Paulo Freire. Se a filosofia da educação é acionada, então ela faz a passagem do pressuposto implícito para o âmbito explícito. – O mesmo foi dito da filosofia política que também faz esta ultrapassagem na consideração das coisas políticas. E, com isso, ambas as filosofias marcam a suas passagem do implícito para o explícito, da mera opinião para o conhecimento (no caso de Paulo Freire, esta palavra “conhecimento” adquire duplo sentido).

Uma caracterização mais acurada pode ser inferida: a filosofia da educação surge como uma estrutura diáfana, pois seus limites também são difusos. Ela oscila entre o explícito e o implícito. E, quando ela é “aprisionada” na história da educação, ela fica implícita, o mesmo ocorre na aplicação de uma metodologia de aprendizagem e na apresentação de uma proposta pedagógica em um pensamento pedagógico, como por exemplo, de Paulo Freire.

Finalmente, o conjunto do paralelo apresenta uma dificuldade e uma vantagem. Esta afirmação é explicada mais abaixo.

A dificuldade é uma característica externa. Isto se explica assim: no diz respeito à pedagogia, em nosso exemplo, remetemos à reflexão de Paulo Freire. O exemplo mostra que elementos pré-determinados interferem na operacionalização do aprender. Estes elementos, uma vez retirados de seu caráter de pressupostos, mostram uma articulação que torna necessária a filosofia da educação, como geradora do âmbito de passagem na forma da potencial investigação dos fundamentos de uma teoria ou prática pedagógica. A dificuldade é classificada como externa, porque além do trabalho de Paulo Freire ser rico em cenários críticos e análises contextuais, sua proposta pedagógica foi utilizada como um exemplo, então outras poderiam ser escolhidas, sem prejuízo efetivo para a arguição do artigo.

Mas a externalidade, não é, por si mesma, um problema para a teoria da educação. Na verdade, tais cenários e análises contextuais, como em Paulo Freire, constituem uma parte da teoria da educação e deveriam ser considerados. Quando o autor utiliza elementos que estão além (ou aquém) dos objetos da educação, ele está trabalhando com os pressupostos de sua teoria pedagógica. E, neste tipo de trabalho, e sob estas circunstâncias, de além ou aquém, ele demarca um espaço que é da filosofia da educação.

A filosofia da educação não é o pensamento pedagógico, o qual apresenta uma proposta e tem ideias pré-delineadas. Ela também não é o conjunto dos fatos ou fenômenos da educação (os objetos ou as “coisas” da educação), da mesma forma a filosofia da educação não é o emprego de processo de aprendizagem, que é a operacionalização dessas ideias

pedagógicas, mas, também não pode ser mera apresentação da história da educação. Portanto, a filosofia da educação possui uma estrutura que podemos chamar de “diáfana”, ela é “algo” não muito nítido.

A vantagem, referida antes, é a de que, com o quadro comparativo, mostramos que a filosofia política possui, também, esta forma diáfana: ela não é ciência política, ela não é pensamento político e, ela não é o conjunto das coisas políticas; logo, em sua “visualização” possível, filosofia política é diáfana, algo não muito nítido.

Isto serve de advertência contra a compreensão demasiado rápida de ambas as áreas: filosofia política e filosofia da educação. Podemos concluir que ambas as filosofias são o

“algo a mais” a ser considerado, tanto nos assuntos pedagógicos, como nos assuntos políticos. Estes dois usos de um “a mais” deve ser ponderado como uma característica peculiar da filosofia. E nesta ponderação não devemos esquecer o processo filosófico em suas interfaces com elementos não filosóficos, tornando explícito, aquilo que é implícito. Isto é parte da filosofia e seu legado. Contribuir para dissipar estas dificuldades e em definir o que é a filosofia da educação foi o propósito do presente artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1999.

MILLER, E. F. Leo Strauss: A recuperação da filosofia política In:. CRESPIGNY, A. A Filosofia política contemporânea. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979.

SEVERINO, Emanuele. A filosofia Antiga, Lisboa, Edições 70, 1985.

STRAUSS, L. What’s political philosophy and other essays. Toronto: The Free Press. 1968.

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