Teleologia, Filosofia, Deus e Religião

Evolução, humanidade e perfeição

Actualmente, os sábios receiam admitir que são teleológicos porque isso é coisa que não dá para provar. De qualquer maneira, ninguém substituiu esse lugar por outra coisa, e o lugar continua vazio. Cl. Bernard

Teleologia: ciência das causas finais (do grego “telos” finalidade e “logos” ciência), acção directora [diretiva] que os fins exercem sobre os meios

Eis 3 sugestões:

  1. O mundo está submetido a um princípio criador (Deus) consciente da sua obra e da sua finalidade. Neste caso, a evolução humana efectua-se da maneira que se d efectuar para atingir essa finalidade preestabelecida.

  2. O mundo não tem nenhum princípio criador. A criação é fruto do acaso e a evolução humana não tem sentido a não ser aquele que lhe queremos dar.

    1. Existe um princípio criador mas, esse não tem objectivo preestabelecido para com o universo que criou e as criaturas que daí resultam. Neste caso, o homem tem liberdade para construir o seu próprio destino.

Como já deve ter percebido, a nossa teoria defende a primeira sugestão.

O mundo, segundo nós, é fruto de um PRINCÍPIO CRIADOR, consciente DO SEU DESTINO, e as suas criaturas não podem escapar a esse destino.

A partir daí, reflectiremos sobre o sentido da humanidade e sobre as razões que levam o homem para uma tal finalidade.

A partir da religião

Destino, humanidade, religiões e positivismo

As interrogações sobre o destino da humanidade não são novidade. As tentativas de resolver esse enigma ocupam há muito tempo o espírito da filosofia. Foram particularmente estudadas por Emanuel Kant e pela filosofia das Luzes, e depois por George Wilhem Friedrich Hegel.

Contudo, quem trouxe primeiro uma resposta universal à questão do sentido da humanidade foram as RELIGIÕES.

Essa resposta já aparece, e sem dúvida pela primeira vez, no JUDAÍSMO. De facto, para essa religião mãe, a humanidade será realizada com a chegada do Messias (Quando virá o Messias, a autenticidade do Torá e a existência de Deus ficarão universalmente reconhecidas, e a partir desse reconhecimento universal, brilhará a luz da verdade, da justiça, da tolerância e da paz sobre o mundo inteiro).

Esse “positivismo”, que prevê um final feliz dos tempos, prolonga-se e enriquece-se naturalmente com o CRISTIANISMO e o islamismo, com a imagem de Apocalipse (a ultima vitória das forças do “bem” sobre as forças do “mal” e a instauração final do reino de Deus sobre a Terra, ou seja a instauração do reino do Amor, pois Deus é Amor).

A ideia de evolução para a perfeição também se encontra nas espiritualidades asiáticas, mas [porém] sob outra forma.

HINDUÍSMO, BUDISMO, TAOÍSMO consideram o universo e a criação de modo “cíclico” (tal como pensava a Grécia antiga): uma idade de ouro declina para o caos e a seguir sobe outra vez para uma idade de ouro… (ver o texto na fotografia de Sartre).

Esta visão é diferente, mas [porém] o princípio é semelhante.

Com efeito, se para essas espiritualidades a evolução humana está incluída num ETERNO RECOMEÇO que vai da idade de ouro até ao caos e do caos até a idade de ouro, então é a idade de ouro (por outras palavras, a perfeição) que representa o ideal a atingir.

Em todo caso, linear ou circular, para todas as grandes espiritualidades do mundo, a humanidade progride para um ponto de perfeição.

Da religião até a filosofia

Razão, ciência, criação e finalidade

“Quando a água curva um pau, a minha razão endireita-o: a razão é quem decide”.

La Fontaine

Se a razão do mundo fosse quem decidisse, como é o caso da razão de Jean de La Fontaine, a paz universal já seria a nossa realidade.

Mas não é o caso. Frequentemente ainda, o instinto é que motiva a evolução da humanidade.

As religiões já pensaram na finalidade da humanidade em termos de paz, de IGUALDADE, de FRATERNIDADE e de UNIVERSALIDADE “No fim dos tempos, o cordeiro irá deitar-se ao lado do leão… e as criancinhas brincarão no ninho da cobra” (Isaías 11:6). Por outras palavras, o homem já não será ameaçador para outro homem, o abuso dos dominadores sobre os dominados cessará, e o conjunto humano terá enfim concluído a sua unidade.

Para aquele que sabe apreciar as imagens elegantes das poesias místicas, as metáforas religiosas são uma verdadeira bênção.

A maioria dos grandes intuitivos religiosos (de qualquer religião) já descobriu os grandes enigmas deste mundo, mas, [porém] no entanto, a forma metafórica das suas explicações perdia influencia a medida que emergia o pragmatismo científico.

As intuições espirituais precisavam então de ser clarificadas pela luz da razão e da ciência.

A FILOSOFIA nasceu dessa exigência.

O desejo de explicar RACIONALMENTE esta disciplina, a intenção de RACIONALIZAR O IRRACIONAL constitui a base do trabalho filosófico.

Dos filósofos pré-socráticos até aos epicuristas, os filósofos gregos quiseram racionalizar a cosmogonia, a mitologia e as experiências místicas (Platão, o banquete, por exemplo).

Da mesma maneira, até ao século XVIII, os filósofos judeus, cristãos e muçulmanos desvendaram as metáforas dos livros sagrados. Tentavam então explicar Deus de modo ontológico, sendo Deus mesmo o ponto de partida da explicação.

A partir do século da filosofia das Luzes, os grandes filósofos mudaram de ponto de partida. Filósofos como Kant e mais tarde Hegel decidiram partir do mundo fenomenal para provar Deus, e não mais de Deus ele próprio.

Indo até aos limites das realidades conhecíveis, esses pensadores tinham como objectivo alcançar o que estava mais além…

A matéria punha-se ao serviço do imaterial, a física ao serviço da metafísica.

Desses últimos filósofos, destacam-se Kant e Hegel que ofereceram verdadeiramente as suas existências a questão do DESTINO HISTÓRICO DO HOMEM.

Aproveitando a sua inteligência fenomenal (é caso para dizê-lo), aliada as capacidades lógicas e intuitivas e as descobertas científicas do seu tempo, esses gênios conseguiram demonstrar da maneira mais racional possível o sentido da humanidade.

As suas conclusões são as mesmas do que as das religiões: a humanidade evolui para uma concretização positiva e espiritual. Apenas as palavras utilizadas para explicar essa finalidade é que são diferentes.

Assim então, toda a reflexão teleológica aponta para um objectivo mais elevado e maior.

A reflexão teleológica trata de estabelecer uma ligação entre a matéria visível e a forma imaterial da mesma (partículas elementares invisíveis).

Para simplificar, trata-se simplesmente de fazer a ligação entre o PRINCÍPIO CRIADOR e a sua CRIAÇÃO, entre DEUS e as suas CRIATURAS…

Por outras palavras, todo o filósofo da história, todo o metafísico, tem como objectivo provar aquilo que é impossível provar: A EXISTÊNCIA de DEUS.

Milhões de pensadores e de místicos já se debruçaram sobre esta tarefa, muitas vezes na maior exaltação, e consumiram-se sem nunca conseguir resolvê-la.

A mecânica universal

Enigma, mundo, Deus e o sentido da vida

Desde a sua origem, este trabalho inscru-se [inclui-se] na mesma ordem de ideias da FILOSOFIA DA HISTÓRIA.

Desde a intuição inicial “A HUMANIDADE ESTÁ DESTINADA A ATINGIR A SUA PERFEIÇÃO”, procuramos demonstrar o mais concretamente possível que existe um sentido na evolução humana, uma atracção dessa evolução humana por um OBJECTIVO PRECISO.

Segundo nós, a nossa evolução (todavia caótica e regressiva de vez em quando), leva inexoravelmente o homem para a concretização dos seus valores ideais, ou seja, para o amor PELO PRÓXIMO, a FRATERNIDADE, a paz UNIVERSAL, a IGUALDADE, etc…

Obviamente, não nos podemos iludir.

A CHAVE do mundo não nos será entregue. Os últimos segredos do universo não se oferecerão a nós depois de se terem recusado aos maiores pensadores e místicos.

Nesta abordagem, não vamos trazer nada de irrefutável. Não vamos trazer provas concretas da presença de DEUS nem do sentido da humanidade.

A nossa tentativa, como as precedentes, vai nos conduzir no melhor dos casos aos pés dos cumes inacessíveis do MUNDO VERDADEIRO, em frente à pesada porta do AUTÊNTICO ENIGMA.

Esperamos simplesmente poder trazer alguns argumentos novos às concepções TELEOLÓGICAS e RELIGIOSAS.

Gostaríamos simplesmente de oferecer mais alguns elementos relevantes a ideia do sentido, bem como a ideia de Deus.

A busca do divino

A vida espontânea e a vida interrogativa

À não ser Deus, nenhuma outra substância pode ser nem ser concebida. Espinoza

Quando levantamos os olhos para o CÉU, que nos debruçamos um pouco sobre a origem da MATÉRIA ou a sua constituição, quando alcançamos a grandeza e a força dos ENIGMAS deste mundo, o NIILISMO passa a resultar simplesmente de uma falta de reflexão e o facto de acreditar passa a ser uma evidência.

Parece-me que há duas maneiras de abordar a existência.

A primeira preocupa-se com perguntas sobre a criação, e a segunda não se questiona e contenta-se em viver.

Nenhuma das duas maneiras é superior a outra. As duas são necessárias para construir este mundo.

  • Questionar-se permite fazer evoluir a consciência humana, mas também significa perder a noção das realidades quotidianas [cotidianas].

  • Não se questionar permite concentrar a sua existência sobre as coisas concretas da vida. Permite sem duvida uma melhor adaptação ao mundo, e então uma maior eficiência na construção da humanidade.

Se não fazemos nenhuma pergunta sobre a criação, então pudemos exprimir superficialmente a ideia segundo a qual DEUS ou o seu equivalente, não existe. A ideia segundo a qual o mundo, como a humanidade, não fazem sentido.

Mas a partir do momento em que nos interrogamos seriamente sobre o mundo, encontramos fatalmente a presença dum [de um] princípio criador.

No caso dos primatas naturais, a maior parte das acções são originadas pelo instinto. Viver sem objectivo superior e sem consciência do sentido não perturba então em nada a sua vida nem a do grupo.

Já não é o caso da humanidade consciente.

Os comportamentos humanos já não estão enquadrados pelas leis da natureza mas sim por as da CULTURA. A ideia de Deus e os valores que ela contém (como os princípios que dão sentido à vida) são fundamentais para a nossa saúde psíquica e para evitar comportamentos absurdos.

Entre a ideia de que a vida faz sentido e a ideia de que não faz, a humanidade, na sua generalidade, escolheu a primeira, porque ela procura melhorar (ou seja, aponta para um objectivo superior, o que faz sentido), e compreender (é o contrário da fatalidade).

Em todo caso, até a ciência conseguir oferecer-nos a certeza que existe, ou que não existe presença divina na origem da criação, a constituição atribulada e curiosa do espírito humano terá de persistir em resolver esta poderosa fonte de inquietação.

O interesse da filosofia

Ontologia, fenomenologia, estudo do divino

Cabe à filosofia, que é um intermédio entre o RELIGIOSO e o CIENTÍFICO, reflectir mais profundamente sobre essa questão.

Em todo caso, é o que ela faz desde a sua origem.

Essa busca racional do divino apresenta-se de duas maneiras:

  • Considerando Deus a priori para demonstrar que ele é necessário, e isso é a “prova ontológica”,

  • Ou procurando a posteriori, ou seja, tentando estabelecer os limites do mundo fenomenal onde se encontram as portas do divino... podemos chamar esta maneira a “prova fenomenológica”.

Kant foi sem dúvida o primeiro que separou o mundo fenomenológico (a realidade tal como a percebemos) do mundo metafísico (Deus, o além, tal como nos os concebemos).

Não nos enganemos sobre Kant e sobre a fenomenologia em geral. A sua intenção maior não é material mas sim espiritual. Não tenciona explicar-nos os mecanismos visíveis do mundo fenomenal mas sim marcar os limites dum território, além do qual se situa o INTOCÁVEL. O intocável, ou seja o “divino”, mesmo se esse divino d ter por nome o VAZÍO, ou o NADA, como nas CULTURAS ASIÁTICAS.

Que escolhamos Deus ou o mundo fenomenal como ponto de partida para explicar DEUS, isso não tem muita importância. Nenhuma das duas maneiras é capaz de esclarecer claramente este mistério. A sua realidade é inacessível à razão como a [bem como à] experiência científica.

Deus, ou o princípio criador, só pode rlar [revelar] a sua existência através da sensAÇÃO, através das experiências pessoais, íntimas e silenciosas.

Mesmo se o homem consegue algum dia, como nos pensamos aqui, demonstrar que “ELE É” (“eu sou aquele que é” relata a Bíblia à seu propósito), nem a filosofia nem a ciência conseguirão dar contas [conta] da sua verdadeira realidade.

Apenas aqueles que vivem um verdadeiro momento de EXTÂSE, de BEATISMO, ou de DESPERTAR MÍSTICO, seja pela sua FÉ (tocado pela graça), pelo ACASO (através uma experiência de morte iminente por exemplo) ou pelo QUERER (asceta, monge, sufi) conseguem compreender as verdadeiras qualidades daquilo que chamamos de divino.

Que venham do JUDAÍSMO, do CRISTIANISMO ou do islamismo, do HINDUÍSMO, do BUDISMO ou do TAOÍSMO, que venham de Platão, de Plotin, de Santo Agostinho ou de Espinosa, de Kant, de Hegel, de Bergson ou de Michel Henry, todas as descrições de DEUS, do VAZÍO, da SUBSTÂNCIA, do UM, do SER, etc. apresentadas pelos nossos predecessores ficam claras e límpidas para a maioria daqueles que viveram uma experiência extática.

Para aquele que sentiu os ENCANTOS DO EXTÂSE, toda a pertinência dos textos sagrados que nos oferecem o judaísmo, o cristianismo, o islamismo, o hinduísmo ou o budismo, salta à vista.

Qualquer teoria sobre o extâse encontra-se então frente a dois limites intransponíveis: a impossibilidade das palavras equivalerem às sensações que tentam descrr, [descrever] e a enorme dificuldade para um indivíduo de perceber o que é o despertar místico sem o ter vivido.

Essa dificuldade conduz geralmente a um tipo de impossibilidade de estabelecer a prova formal e incontornável de uma “coisa” que diz respeito à nossa INTIMIDADE, à nossa CARNE, como entendeu perfeitamente o Michel Henry.

Lembramos mais uma vez:

A nossa intenção aqui é das mais modestas.

Gostaríamos simplesmente poder colocar um elemento suplementar ao conjunto de tentativas que se esforçaram desde muito tempo para provar Deus. Gostaríamos, de maneira sensata, perceber um pouco mais do grande mistério que o homem tenta alcançar desde o início dos tempos.

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