Carta 11

Westerley

Março, de 2000

O amor não habita o reino da sabedoria,

ele é soberano no reino das paixões...

FALO agora de um sentimento que de tão constante em mim tornou-se a morada do meu ser. A solidão.

Sei que ao fim de três décadas e meia sinto-me só com meus ideais, vilipendiado primeiro pelos meus consangüíneos, depois pelos substitutos destes que meu coração escolheu para se enlaçar por mais da metade deste tempo. Pelos meus, fui considerado um desertor, pelos escolhidos do meu coração, um malfeitor.

Desertor por ter saído ao mundo, menos em busca das verdades que para fugir das mentiras, devo confessar. Mas, as verdades, escondidas nos guetos e nos corações dos desconhecidos, marcam, com quem não se esconde por detrás do escudo das aparências, um encontro inevitável. No deserto da noite ou no escuro da solidão ela aparece, e nem sempre seu rosto é belo, mas é sempre mais preferível que o rosto alvo e angelical da mentira.

Pelo meio que considerei de meu convívio social e por longa data como um segundo lar, fui considerado um malfeitor, um teórico irremediável que não se ajusta às normas, regras e leis, impostas para dominar o espírito libertário do homem. Fui afastado deste meio pelos meus mais próximos por não me silenciar diante das inverdades, dos sentimentos falsos e dissimulados, das injustiças que o homem comete contra os homens mesmos, em defesa do hedonismo fácil, do pseudopoder da pequena fama e dos irrisórios lucros particulares.

Afastado deste cotidiano, fui entregue novamente à solidão. O lugar do meu convívio de década e meia, em um manifesto de submissão servil às ordens autoritárias e ignóbeis de um só, renegou-me, prontamente, para o seu próprio bem. Minha presença tornou-se nele um indesejado incômodo; para muitos, não passava de um rebelde impune, para outros, sua própria consciência cobrando uma atitude antientreguista. Para alguns, um incentivador da desordem, para uns poucos, um ingênuo corajoso, para um em especial, a balança e o sal de sua consciência em degeneração, para todos, um utópico romântico, um sonhador.

Sem amigos, recorri ao único lugar em que pude me abrigar e me proteger da dolorosa solitude, recorri ao meu coração, e percebi quanto sentimento verdadeiro há nele, quanto amor teria para ofertar. Não mais aos falsos e dissimulados, apenas a quem merecesse um sentimento tão verdadeiro. Porém. não tive a virtude dos sábios e, mesmo contra meu pedido, meu coração se abriu sem reservas e se pôs teimosamente, mais uma vez, ao inteiro dispor de quem não o merecia. De novo fui iludido pelo engano dos meus sentidos e, para o pior dos meus desprazeres, o tempo foi desvelando diante de mim, a verdadeira face da mentira... era alva e angelical.

Por tudo, eis-me aqui sozinho, tendo apenas a mim mesmo e a solitude como companhia, a espera de que o tempo me ampare já que não pode fazê-lo minha razão, pois minha razão está no sentir do meu ser que sempre expressa aos escolhidos do meu coração o que sente. E mesmo que minha fala cale, meu coração não se silenciará e no mínimo, meus olhos denunciarão o silêncio de minha fala, mesmo com o risco da frustração e o medo do sofrimento.Pois, tais conseqüências, só poderiam, no máximo, levar-me a um lugar já conhecido; a morada de origem do meu ser . A solidão.

Carta Filosófica Nº 11