Thomas Hobbes e o Estado

Estado: concepção, causa e fim segundo Thomas Hobbes

Daniel Filipe da Silva

Este artigo tem por finalidade apontar a causa, o processo de geração, o objetivo e a definição de Estado segundo Thomas Hobbes, com base na sua obra Leviatã, publicada em 1651.

Primeiramente, cabem ser colocadas, aqui, algumas informações acerca da vida do filósofo a ser trabalhado ao longo deste artigo. Hobbes (1588-1679) nasceu em Westport, na Inglaterra. A sua filosofia sofreu influência da cultura e dos acontecimentos de sua época e uma prova concreta disso é que o “seu pensamento filosófico traz duas características que são próprias da filosofia inglesa: o empirismo e uma atenção forte à política”( MONDIN, 1981, p.980).

Hobbes é um filósofo que fez críticas ferrenhas às Meditações de Descartes, pois sua filosofia tinha uma perspectiva oposta à dele:

Descartes professava doutrinas conceitualistas em lógica (idéias claras, distintas e inatas), transcendentalistas em metafísica (primado de Deus e da realidade espiritual), espiritualistas em psicologia (homem é a sua essência) e estóicas em éticas (desapego do mundo), já Hobbes defende as doutrinas nominalistas em lógica (as idéias universais são apenas nomes), materialistas em metafísica (o princípio último de todas as coisas são a extensão e o movimento), naturalísticas em antropologia (o homem é constituído apenas de matéria e está sujeito á leis mecânicas da natureza), hedonísticas em ética (a felicidade está no prazer). (MONDIN, 1981, p.98)

Quanto a sua obra Leviatã, observa-se que nela Hobbes distingue dois estados da humanidade: o natural e o político-social. No estado natural, tem-se uma vida extremamente insegura e ameaçadora, pois “[...] ela é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta” (HOBBES, 1979, p.88). Poder-se-ia dizer que, nesse estado, o homem é como o selvagem, alguém que vive sem lei, tem todos os direitos e nenhum dever, uma vez que goza de liberdade total e não há um governo para impor a ordem.

O homem, por natureza, é egoísta, pois quer fazer apenas o que é do seu interesse, sem levar em consideração os anseios dos outros. Devido a isso, quando há choques de interesses entre esses indivíduos, surgem os conflitos interpessoais, já que “os dois desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo, que é impossível ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos” (HOBBES, 1979, p.74).

Logo, pode-se afirmar que, no estado de natureza, “Homo homini lupus” – o homem é o lobo do homem” (MONDIN, 1981, p.100), pois ele é capaz de destruir o outro para se preservar e alcançar os seus próprios objetivos, sobretudo, pelo fato de que está amparado pelo direito de natureza. Mas, afinal de contas, o que é direito de natureza? É a liberdade que todo homem tem de usar o poder que possui, do modo que quiser, para se auto – preservar, sem que haja um impedimento exterior a ele, crendo que esse é o melhor modo de obter a sua própria segurança.

Ao longo do texto, ele aponta para a existência de leis de natureza, que têm a mesma finalidade dos direitos naturais, que é a de visar à auto-preservação do indivíduo, pois elas são “um preceito ou regra geral ditado pela razão que o proíbe de fazer tudo o que possa destruir a sua própria vida ou privá-lo de meios necessário para preservá-la” (ROVIGHI, 1999, p.78).

Mas vale ressaltar que há uma diferença entre direito natural e lei natural, visto que aquele consiste na “possibilidade de fazer ou de abster-se, já esta determina ou impõe o ato de fazer ou de se abster” (ROVIGHI, 1999, p.87).

Ele afirma que há três leis de natureza presentes no homem: A primeira lei ordena “procurar a paz”. Impulsionado por essa lei o homem usa tudo que está ao seu redor, como auxílio, para se auto – preservar. Entre as coisas que ele usará, está o semelhante e nada poderá impedi-lo, já que, nesse estado, o indivíduo está protegido pelo direito natural do qual não abre mão, para obter a sua “segurança”. Nota-se que é impossível ser feliz nesse estado de natureza, pois todos se atacam, o medo paira no ar e a felicidade não nasce num ambiente tão inseguro quanto este.

E dessa lei, deriva a segunda lei, que impõe renunciar “ao direito sobre todas as coisas”, segundo a qual cada um renuncia a alguns direitos pessoais em prol do bem comum. Esse bem comum será garantido pelo soberano, aquele que concentrará todos os direitos, nascendo assim o Estado-político, que “é um pacto entre os indivíduos” (ROVIGHI, 1999, p.221). Vale salientar que essa renuncia “não significa dar ao outro um direito que ele não tinha” (ANTISERI, REALE, 2006, p.87), pois todo homem tem direitos iguais por natureza.

Da segunda lei, por sua vez, procede a terceira lei que prescreve “manter os pactos”, que seria uma espécie de limite ditado pela razão a essa liberdade. Tal limite ditado pela razão tem como fim garantir a felicidade, a partir do cumprimentos de tais pactos. Sem ele, os pactos seriam vãos, uma vez que, somente com ele, é possível julgar o que é justo, como sendo o cumprimento deles, e o que é injusto, o não cumprimento dos mesmos.

Desse modo, é notável que o Estado-político surge com a finalidade de garantir a segurança, o cumprimento dos pactos e de fazer com que a justiça aconteça, punindo pessoas que a coloquem em xeque, pois “ele tem o poder de infligir penas tais que elas desencorajem os indivíduos a realizar ações contra a segurança dos outros” (ROVIGHI, 1999, p.221).

Nesse Estado, o soberano é quem decide questões tais como: se vai haver propriedade privada ou não. A única coisa que o Estado não pode fazer é ordenar a alguém que se mate, pois a lei natural da auto-preservação não lhe permite fazer isso, visto que o indivíduo é um dos responsáveis pela existência do Estado.

Ressalvando esse aspecto, pode-se dizer que o poder do Estado só é limitado por ele mesmo, já que sua missão é fazer de tudo para garantir a justiça, pois ela não pode acontecer, em hipótese, sem ele.

Hobbes afirma que há duas formas de se tornar soberano: com a força natural, isto é, “quando um homem impõe a seus filhos a submissão de si mesmo e dos próprios filhos, ao seu governo, podendo destruí-los se recusarem [...]” (ANTISERI, REALE, 2006, p.90) ou “quando os homens concordam entre si, para submeterem-se a algum homem ou a uma assembléia de homens voluntariamente [...]” (ANTISERI, REALE, 2006, p.90).

Para ele, não deve haver a divisão de poderes no Estado, para que se evitem contratempos como: desordem e as sedições, que são causadas por essa limitação de poder. E, além disso, para Hobbes, apenas o Estado, personificado no soberano, é que determina quais são os valores religiosos e morais, de acordo com a sua vontade, pois:

[...] os homens em seu estado de natureza iriam perceber, em seus momentos de reflexão, que a lei da natureza os obriga a renunciar a seu direito de julgamento privado do que é perigoso em casos dúbios, e a aceitar por si mesmo o julgamento de uma autoridade comum. ( HOBBES, 1979, p.106).

Após ter feito esta exposição, cabem ser feitas algumas considerações. A primeira é acerca do quanto foi pertinente a ilustração presente na página de rosto, Leviatã, que representa os meios característicos de usar a autoridade e o poder para empreender as disputas de caráter secular-espiritual. Essa ilustração é a de um monstro que sobe do mar, com uma espada numa mão e um báculo na outra, simbolizando alguém que tem em suas mãos plenos poderes temporais e espirituais. Hobbes vai chamá-lo de Estado, atribuindo apenas e unicamente a ele a soberania absoluta, o que é influência do episódio ocorrido na Inglaterra, em 1533, quando Henrique VIII se proclama chefe espiritual do país.

Nesta mesma consideração, vale dizer que a ilustração do Leviatã não aparece no sentido retratado no Livro de Jó, mas sob a forma da majestade de um grande homem que possui “uma estatura maior e força natural”, um grande Leviatã, uma máquina.

Além dessa figura do Estado como um grande homem e como uma grande máquina, encontram-se, longo do livro, outras duas imagens possíveis de Estado: Deus e animal que, juntas às demais, compõem uma totalidade mítica composta por: Deus, homem, animal e máquina, que podem ser expressas por: “um grande homem, um grande animal, Deus Mortal e uma grande máquina forjada pela arte, uma criação humana”.

A outra consideração se dá devido ao fato de que se acredita que ele não foi muito perspicaz, ao afirmar que o de Estado é uma espécie de organismo que está acima dos cidadãos, “o poderoso”, pois se pensa que o Estado deve estar a serviço deles, dando-lhes as condições necessárias para serem felizes e toda a soberania deve residir nos cidadãos.

Além dessas considerações já feitas, é pertinente que se faça uma que esteja voltada para a filosofia política hobbesiana, dado que se vê que ela é relevante devido aos reflexos das experiências vividas no seu tempo e que estão explicitadas nela e enriqueceram-na ainda mais, experiências como: “a Inglaterra sendo afligida por lutas civis” (MONDIN,1981, p.101).

Esse enriquecimento permitiu que Hobbes, por meio de sua filosofia, explicasse o comportamento do homem, definisse Estado, como sendo o que garante, sobretudo, a harmonia entre os homens, que põe fim à guerra civil, que é fruto do Estado de Natureza.

E, além disso, mostrasse, claramente, quem é o soberano e qual a sua função. Afirmando que ele é aquele a quem todos lhe dão plenos poderes, deixando – lhe decidir por eles, na esperança de que tal representante garanta o bem em comum, e explicitasse como ele será escolhido, afirmando que é, exatamente, no momento em que “todos os que se acham em estado de natureza concordam em submeter suas vontades à vontade dele, e seus julgamentos, ao julgamento dele” (HOBBES, 1979, p.106), e que os seus papéis são: fundar a ordem, conservá-la, garantir a paz, a alimentação, a promoção da economia e da indústria, reduzir as vontades dos súditos a uma única vontade, já que, por sua vez, estes não têm liberdade, “porque é geralmente reconhecido que ninguém é livre em qualquer forma de governo”( HOBBES, 1979, p.132), dado que a renunciaram em vista do bem coletivo.

Para que se finalidade, pertinentemente, esse artigo, vê-se que é necessário fazer a última consideração que é devido ao fato de que Hobbes, ao mencionar “estado de natureza”, não tem como intenção tratar das condições pré-históricas da raça humana, da vida nas sociedades primitivas, mas sim tratar de algo, que diz respeito a qualquer situação, onde falte eficiência de um governo para impor a ordem.

Local original do texto

Referências

ANTISERI,D, REALE, G. História da filosofia.vol.5.Petrópolis: Vozes, 2006.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2ªed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os pensadores)

MONDIN, Battista. Curso de filosofia.Trad. Benôni Lemos. rev. São Paulo:Paulinas,1981.

ROVIGHI, Sofia Vanni. História filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. Trad. Marcos Bagno e Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Loyla, 1999.