Falácia e Argumento (Gustavo Ioschpe)

"Você sabia que quem não se interessa por política, acaba sendo governado por aqueles que se interessam? É isso mesmo. As decisões do governo de um país dizem respeito diretamente a todos aqueles que vivem ali. Delas dependem, por exemplo, o preço das coisas, a qualidade das escolas, dos hospitais e dos medicamentos, e até a possibilidade de acessar livremente a Internet - o que os chineses estão proibidos de fazer pelo governo comunista de Pequim.

Levando em consideração o fato de a política interferir na vida de todos nós, é fácil concluir que não é conveniente para ninguém ser completamente ignorante em matéria de política. Para compreender bem a questão, entretanto, é necessário recorrer aos estudos históricos, pois as atividades políticas são tão antigas quanto a própria humanidade." (...)

Antonio Carlos Olivieri

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As falácias de Gustavo Ioschpe

Você sabe o que é uma falácia? Pois a falácia é um tipo de raciocínio, indutivo ou dedutivo, baseado em uma argumentação que, apesar de seguir rigorosamente as regras da lógica, leva a conclusões absurdas. O exemplo mais batido, mas muito eficiente, é aquele raciocínio infame segundo o qual “Deus é amor, o amor é cego, Stevie Wonder é cego, então Stevie Wonder é Deus”. Nesse caso, a infâmia está escancarada, e qualquer criança é capaz de perceber que, apesar de o raciocínio estar aparentemente correto, seu resultado é ridículo e não corresponde à verdade.

O problema é que nem sempre as falácias se denunciam assim, tal qual gato preto em campo de neve. Na maioria das vezes, os resultados absurdos dos raciocínios falaciosos ficam muito bem disfarçados, e os menos dotados de espírito crítico acreditam nele. Existem vários tipos de falácia:

Falácia da falsa causa: é aquela falácia segundo a qual se considera como causa de um acontecimento um fato ou fenômeno que apenas o antecedeu, sem relação constatada de causa e efeito entre eles. Por exemplo, Filmes violentos causam comportamento violento em seus especatores. Meu vizinho assistiu a Assassinos por natureza e depois cometeu uma chacina na sua escola. O fato de uma pessoa cometer assassinatos após assisitir a um filme violento não comprova essa relação de causa e efeito. Não há meios de comprovar que, se ele tivesse assistido ao filme A noviça rebelde, ele não teria cometido os mesmos crimes.

Falácia da causa comum: afirma que um fato é causa de outro, sem considerar que há um terceiro fato que é causa dos dois primeiros. Exemplo: A publicidade, através de atores e modelos belos e bem vestidos, incita as pessoas a darem valor excessivo à aparência. Ora, a publicidade quer vender, e para isso, apela para os valores do público que quer atingir. Portanto, se ela mostra pessoas belas e bem vestidas, é porque, anteriormente a isso, as pessoas já dão valor excessivo à aparência. Talvez ambos os fatos estejam atrelados a um terceiro: o desejo de ter status, que na época da sociedade aristocrática se estabelecia pelos títulos de nobreza, os quais foram abolidos após o advento da sociedade burguesa.

Falácia do apelo à ignorância: afirma uma verdade com base no desconhecimento de argumentos que lhe contrariem. Por exemplo: Não há perigo de transmissão do HIV em consultório dentário. Até hoje, nenhum caso desse tipo foi registrado. O fato de nunca ter acontecido não comprova que nunca venha a acontecer.

Enfim, há ainda vários outros tipos de falácia, como o apelo à autoridade e a generalização apressada. Muitas vezes, mesmo sem nos darmos conta, utilizamos discurso falacioso. Outras vezes, oradores competentes usam falácias conscientemente com o intuito de fazer seus ouvintes concordarem com ele.

FALÁCIAS DA PRÁTICA

Os artigos sobre educação que Gustavo Ioschpe escreve para a revista Veja, por exemplo, são um festival de falácias, um prato cheio para analisarmos os mais diversos exemplos delas!

Vejamos alguns:

Em 1° de outubro de 2008, ele publicou o artigo Dinheiro não compra qualidade, em que ataca a ideia defendida pelos professores de que para melhorar a educação no Brasil é preciso aumentar significativamente o salário da categoria docente para que essa se sinta motivada a ensinar melhor. Diz ele:

“O problema principal dos funcionários de nossas escolas não é de motivação: é de preparo. E falta de preparo não se resolve com salário, mas com mais e melhor treinamento. Alguns defendem a idéia de que um aumento de salário atrairia novas e melhores pessoas ao magistério. Que não adianta aumentar o salário dos professores em 20% ou 30%: seria necessário dobrá-lo ou triplicá-lo, para torná-lo comparável ao salário das carreiras ditas nobres. Há dois problemas com a idéia: primeiro, não tem respaldo empírico. Segundo, mesmo que seja verdadeira, o orçamento de prefeituras e municípios simplesmente não comportaria um salto assim.“

Ioschpe lança mão de uma falácia de apelo à ignorância quando diz que não há respaldo empírico para o argumento de que um aumento salarial atrairia novas e melhores pessoas ao magistério. O fato de não haver respaldo empírico não invalida – nem confirma, concordo – o argumento. Além disso, o autor esquece que, se é preciso mais treino e preparo para melhorar a educação, para treinar e preparar-se melhor é preciso motivação. Por que alguém estudaria mais para ganhar a mesma coisa? Eu acredito que a medida isolada de aumento salarial para a categoria docente não resolveria, de fato, os problemas da educação brasileira, mas ela é um dos elementos fundamentais para um conjunto de medidas que vise a esse objetivo.

Convenhamos, o dinheiro é um símbolo de valorização. Por que tratamentos estéticos são tão caros e por que tantas pessoas pagam por eles? Porque a beleza é um valor para a nossa sociedade. Diversas mulheres interrompem o curso de inglês e a terapia e deixam de comprar livros nos momentos de aperto financeiro, mas não deixam de retocar a raiz – e não é só porque ela considera seu cabelo importante, mas porque também sua chefe, suas clientes e seus pretendentes o consideram. Numa sociedade, basta verificar quanto a população investe em determinados setores – estética, pet shops, vestuário, viagens, etc – para saber o que ela valoriza.

Portanto, o dia em que a sociedade realmente quiser uma educação de qualidade, o dia que em um professor for considerado tão importante quanto uma massagista que reduz a celulite, aceitará pagar salários melhores à categoria docente. Enquanto não aceitar, terá educação de má qualidade, e isso tem relação, sim, com remuneração.

Em 07 de dezembro de 2007, Ioschpe publicou o artigo Professor não é coitado, em que ataca a ideia de que a carreira docente seja tão ruim como se propala. Diz ele:

Segundo a última Sinopse Estatística do Ensino Superior, em 2005 havia 904.000 alunos matriculados em cursos da área de educação, ou o equivalente a 20% do total de alunos do país. É a área de estudo mais popular, deixando para trás gerenciamento e administração (704.000) e direito (565.000). Ademais, é uma área que só faz crescer: em 2001, eram 653.000 alunos – um aumento de quase 40% em apenas quatro anos. (…)

Surge o questionamento: se a carreira de professor é esse inferno que se pinta, por que tantas pessoas optam por ela? Pior: por que esse interesse aumenta ano a ano? Seria uma categoria que atrai masoquistas? Ou desinformados?

Ioschpe usa aqui a falácia da falsa causa. Segundo seu raciocínio, tantas pessoas procuram a carreira docente porque a carreira docente é boa. Ele deve pensar também que se há uma lista quilométrica de homens interessados no emprego de lixeiro, deve ser porque ser lixeiro é muito bom! Ora, não lhe ocorre que talvez tantas pessoas procurem a carreira docente por não terem outra escolha? Como o próprio Ioschpe defende em outro artigo – O direito à ruindade -, profissionais com diploma universitário costumam ganhar mais do que os que não o têm. Por isso, muitas pessoas procuram o curso superior. Acontece que nas universidades públicas os cursos de licenciatura oferecem menor concorrência por vaga, e em muitas universidades particulares, as licenciaturas cobram mensalidades mais baratas. Portanto, o fato de a carreria docente atrair tantas pessoas não se explica por ser fácil ser professor, mas por ser fácil se tornar professor.

E aí volta à tona o aumento salarial da categoria para melhorar a educação. Aumentando o salário dessa carreira, mais pessoas se interessariam por ela. Se mais pessoas se interessassem por ela, a concorrência nas universidades federais e as mensalidades das particulares aumentariam. Assim, só entraria em curso de licenciatura pessoas que realmente querem e podem ser professores. Estou eu mesma cometendo uma falácia? Não, a medicina é o pilar que sustenta o meu argumento. Não são só os melhores que entram nessa tão desejada faculdade? E a remuneração dessa classe é vergonhosa como a dos professores? Creio que não.

Para melhorar a educação, é preciso melhorar, sim, a remuneração de seus funcionários. É fato que isso custaria caro. Mas, como disse Derek Bok, ”se achas caro preço da educação, experimenta o da ignorância”. Já estamos experimentando. Um deles é haver quem acredite em Gustavo Ioschpe.

Ana Maria Montardo

http://anamariamontardo.wordpress.com/2010/02/06/as-falacias-de-gustavo-ioschpe/

Fábio (Comentando o artigo de Ana Maria)

22/05/2011 às 8:29 PM

Ana Maria,

Parabéns pela perspectiva de análise. O resultado é o grande número de postagens.

Gostaria de contribuir corrigindo a definição inicial de “falácia”, que não está adequada, não é correta. Isso não retira os méritos dos exemplos de falácia e de como tenta rastreá-las.

Falácias são raciocínios incorretos, que NÃO seguem as regras da lógica (apesar de serem muito convincentes em vários casos). Aliás, é justamente por não seguirem “rigorozamente as regras da lógica” que eles levam à conclusões que não se seguem necessariamente das premissas alencadas: há um problema na FORMA do raciocínio. Assim, é possível mesmo que a conclusão falaciosa seja verdadeira, mas não em função das premissas. Isso torna ainda mais fundamental estarmos atentos aos argumentos: frases todas verdadeiras, inclusive a conclusão, podem compor uma falácia!

Veja a FORMA da falácia que conclui “Stevie Wonder é Deus”

1. A é B –> Deus(A) é amor(B) (Verdadeiro)

2. B é C –> O amor é cego(C) (Verdadeiro)

3. D é C –> Stevie Wonder(D) é cego (Verdadeiro)

Logo,

4. D é A –> Stevie Wonder é Deus (Falso)

A mesma FORMA pode ter uma conclusão verdadeira:

1. A é B –> Felinos são mamíferos (Verdadeiro)

2. B é C –> Mamíferos têm rins (Verdadeiro)

3. D é C –> Leões têm rins (Verdadeiro)

Logo

4. D é A –> Leões são felinos (Verdadeiro)

Ainda que verdadeira a frase “Leões são mamíferos”, trata-se de uma conclusão indevida (ou “absurda” como disseste) a partir das premissas 1., 2, 3. Isso se nota facilmente, porque outra premissa verdadeira 3 “Vacas têm rins” geraria a conclusão falsa “Vacas são felinos” a partir desta forma. Em um raciocínio válido, por outro lado, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão deve ser necessariamente verdadeira.

Aconselho mudar o texto de abertura para algo semelhante a

“Você sabe o que é uma falácia? Pois a falácia é um tipo de raciocínio indevido, indutivo ou dedutivo, que parece bem construido, mas que não segue rigorosamente as regras da lógica.”

Sem entrar no mérito a respeito das posições do G. Ioschiope, mais uma vez parabenizo pela perspectiva da análise: vamos parar e ver se o ARGUMENTO é ou não válido?

Precisamos de iniciativas como a tua.

Aproveito para divulgar que realizo um trabalho intenso e de muito resultado sobre formação de hábito de estudo.

estude-sozinho.blogspot.com

Ah, só esqueci de dizer que sou professor de filosofia, área na qual estou em vias de concluir o doutorado na UFRGS.

Um abraço

Leia também: Estranho no Ninho

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