Ex-diretor geral da OMC pede reforma da organização internacional

NOTA DO EDITOR DESTE WEBSITE: AINDA EM DESTAQUE O FAMIGERADO "CONSENSO DE WASHINGTON"

25/11/2013 - 18h56

Ex-diretor geral da OMC pede reforma da organização internacional

SHAWN DONNAN

DO "FINANCIAL TIMES", EM LONDRES

Pascal Lamy, ex-diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), apelou pela modernização e expansão da organização internacional, e lastimou os anos de negociação perdidos "descontaminando" as propostas politicamente motivadas dos países membros.

Em entrevista ao "Financial Times" Lamy criticou os políticos franceses e o Congresso dos Estados Unidos, afirmando que no que tange ao comércio internacional, eles são "filhos dos mesmos animais". Lamy disse que "eles são da mesma espécie. Reagem da mesma maneira ao comércio internacional: latindo. Outros cantam sobre o comércio. Eles latem. Latem", disse em protesto diante da questão da abertura do comércio.

A intervenção do francês que foi diretor geral da organização até o final de agosto, cumprindo dois mandatos de quatro anos, surge no momento em que os negociadores estão tentando fechar o primeiro acordo mundial de comércio em mais de uma década, para facilitar o fluxo internacional de bens.

Os negociadores se reuniram no final de semana para definir um acordo sobre "facilitação do comércio" e as discussões se estenderam até as 7h da segunda-feira, horário de Genebra. Embora um acordo esteja próximo, diversas questões continuam não resolvidas, de acordo com diplomatas do comércio.

Roberto Azevêdo, o sucessor brasileiro de Lamy, deve informar o conselho geral da OMC, o mais alto órgão interno da associação sobre as negociações quando este se reunir terça-feira em Genebra. A reunião acontecerá apenas uma semana antes que ministros dos 159 países membros da OMC se reúnam em Bali para seu conclave bienal.

Lamy, que trabalha para uma organização de pesquisa em Paris desde que deixou a OMC, disse que aposta em um acordo em Bali porque os benefícios da remoção compulsória de obstáculos ao comércio, que alguns analistas estimam em US$ 1 trilhão ao ano, são bastante aparentes. "Pela primeira vez em muito tempo, existe uma clara intersecção entre o que os homens de negócios querem da OMC e o que os negociadores comerciais estão fazendo na OMC", ele disse.

Lamy advertiu, porém, que tanto a OMC quanto a rodada Doha precisam seriamente de modernização. Quando o acordo de Bali for assinado, os países membros da OMC precisam considerar a adição de questões como o investimento e a política de competição às negociações da rodada Doha, ele disse. A estrutura da organização também precisa de melhora, acrescentou. O fato de que o secretariado da OMC e seu diretor geral não tenham autoridade para apresentar propostas de mudança nas regras significa que a organização se tornou refém das agendas dos países membros e dos políticos em capitais distantes.

Hoje "são precisos anos de negociação para descontaminar uma proposta" vinda das capitais da OMC, disse Lamy. "É preciso passar três anos descontaminando a coisa em uma grande máquina de lavar, até que, com sorte, em algum ponto surja um texto que as pessoas comecem a pensar que pode servir como compromisso".

REGULAÇÃO

Ele também apelou por mais poderes para que a OMC possa agir quanto a questões regulatórias que afetem o comércio. As principais barreiras mundiais ao comércio já não são tarifas, ele disse, mas sim os padrões regulatórios diferentes, e a OMC precisa estar envolvida na solução dessas questões.

Esse assunto tem posição central nas negociações de comércio internacional entre Estados Unidos e União Europeia lançadas este ano, nas quais o foco dos negociadores é como remover as diferenças regulatórias. Mas Lamy disse que a OMC precisa desempenhar um papel para garantir que esse tipo de esforço aconteça mundialmente.

Ele disse que era necessário fazer mais para atualizar os indicadores de comércio usados no planeta, a fim de refletir o surgimento de cadeias mundiais de suprimento. Sob Lamy, a OMC e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) começaram a publicar indicadores de comércio por valor adicionado destinados a capturar a forma pela qual boa parte do comércio internacional ocorre -- em forma de componentes e não de produtos finais.

Em seu livro, "The Geneva Consensus", que sai esta semana, Lamy defende uma alternativa ao chamado Consenso de Washington. A ideia é que a abertura generalizada de mercados nacionais e a remoção de barreiras ao comércio internacional seja a principal ferramenta de desenvolvimento econômico. O livro apela que a abertura de mercados seja acompanhada por melhores programas sociais e outras medidas que ajudem as pessoas a se ajustar.

"O consenso de Washington é liberalizar e Deus ou a mão invisível do mercado, dependendo do que você acredita, cuidarão do resto", disse Lamy. "O consenso de Genebra é: a abertura comercial funciona se existirem diversas condições, e é preciso que as autoridades econômicas se preocupem com elas. Não basta confiar em que Deus ou a mão invisível encontrarão o equilíbrio correto."

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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