Platão - Teeteto (parte 2)
Versão eletrônica do diálogo platônico “Teeteto”
Tradução: Carlos Alberto Nunes
Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)
Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/
Sócrates — Sendo assim, a um só tempo vês e não vês o mesmo objeto?
Teeteto — Sim, de certa maneira.
Sócrates — Porém não foi isso o que te perguntei, voltaria ele a discutir; não me referi à
maneira, mas apenas se podes, no mesmo passo, não saber o que sabes? Agora ficou
patente que vês o que não vês, pois já admitiste que ver é conhecer, e não ver é não
conhecer. Conclui tu mesmo o que pode sair de tal embrulho.
Teeteto — Concluo que saiu o contrário do que eu havia afirmado.
Sócrates — É muito provável, meu admirável amigo, que tivesses de passar por outros
maus bocados como esse, no caso de perguntarem se pode haver conhecimento agudo e
conhecimento obtuso, ou conhecimento de perto porem não de longe, ou conhecimento
intenso e conhecimento frouxo e mil outras questões do mesmo gênero com que te poderia
surpreender algum adversário de armas leves e mercenário desses combates de palavras.
Quando houvesses proposto a identidade do conhecimento e da sensação, ele se lançaria
sobre as sensações do ouvido, do olfato e dos demais sentidos, refutar-te-ia sem
misericórdia e não te daria tréguas enquanto não te deixasse boquiaberto diante de sua
invejável sabedoria e colhido na sua rede. Depois de dominado e de ficares inteiramente
preso, só te soltaria quando lhe houvesses entregue a dinheirama estipulada. Mas talvez
desejes saber o que poderia aduzir Protágoras em defesa de sua doutrina? Valerá a pena
falarmos em seu nome?
Teeteto — Acho que vale.
XX — Sócrates — Diria tudo isso que acabamos de falar em sua defesa e se voltaria, quero
crer, para o nosso lado com mostras do mais soberano desprezo, nos seguintes termos: Este
mui digno Sócrates, depois de haver perguntado a um menino atemorizado se uma mesma
pessoa podia lembrar-se de determinada coisa e não conhecê-la, o que o outro negou, de
puro medo, por não poder calcular o que viria depois disso, resolveu cobrir-me de ridículo
com sua demonstração. Mas a verdade, levianíssimo Sócrates, é a seguinte: Quando
analisas por meio de perguntas algum ponto de minha doutrina e o interrogado, dando a
mesma resposta que eu daria, comete alguma cincada, eu sou o que tu confundiste; porém
se responde coisa diferente, o erro é apenas dele. Para exemplificar, acreditas, mesmo, que
alguém poderia conceder-te que a memória atual de uma impressão passada, seja, como
impressão, igual à que passou e não mais existe? Nem por sombra! Por que teria, então,
escrúpulos em admitir que a mesma pessoa pode juntamente saber e não saber a mesma
coisa? Ou, se tiver medo de fazer tal confissão, poderá conceder que o indivíduo que se
tornou diferente continua sendo o mesmo que era antes de modificar-se, ou melhor: que
esse indivíduo seja uno, não muitos, e que estes muitos se multipliquem ao infinito,
enquanto vier a transformar-se, se precisarmos precaver-nos para não caçar as palavras um
do outro? Não, meu afortunado amigo, continuaria Protágoras a falar, cria coragem e ataca
apenas minha tese, se puderes, para demonstrar que as sensações de cada um de nós não são
individuais, ou, no caso de o serem, prova também que não se nos impõe a conclusão de
que o que aparece a cada pessoa só devém, ou melhor, só existe para essa pessoa. Quando
te referes a porcos e a cinocéfalos, não só te comportas como porco, como concitas teus
ouvintes a fazerem o mesmo com relação aos meus escritos, o que não é decente. Insisto em
que a Verdade é tal como a escrevi, a saber: Cada um de nós é a medida do que é e do que
não é, e que um dado indivíduo difere de outro ao infinito, precisamente nisto de serem e de
aparecerem de certa forma as coisas para determinada pessoa, e de forma diferente para
outra. Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar
o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe
parecia mau. Não me venhas, agora, caçar as palavras de minha definição, porém desce até
o fundo do pensamento. Recorda-te do que ficou dito antes: que para o doente o alimento é
e parece amargoso, enquanto para o indivíduo são parece ser e é precisamente o contrário
disso. Não devemos deixar um deles mais sábio do que o outro — o que fora impossível —
nem sustentar que o doente é ignorante por pensar dessa maneira ou que é sábio o indivíduo
com saúde por ser de opinião contrária. O que importa é modificar a condição do primeiro,
pois a outra lhe é superior em tudo. Assim, também no domínio da educação cumpre passar
os homens do estado pior para o melhor. O médico consegue essa modificação por meio de
drogas; o sofista, com discursos. Nunca ninguém pôde levar quem pensa erradamente a ter
representações verdadeiras, pois nem é possível ter representação do que não existe nem
receber outras impressões além das do momento, que são sempre verdadeiras. O que afirmo
é que se um indivíduo de má constituição de alma tem opiniões de acordo com essa
disposição, com a mudança apropriada passará a ter opiniões diferentes, opiniões essas que
os inexperientes denominam verdadeiras. No meu modo de pensar, estas serão melhores do
que as primeiras; mais verdadeiras, nunca. Quanto aos sábios, meu caro Sócrates, longe de
mim compará-los aos batráquios; se se ocupam com o corpo, considero-os médicos; em
relação com as plantas, agricultores. O que afirmo é que estes últimos trocam nas plantas,
quando estas adoecem, as sensações perniciosas por sensações benéficas e sadias, que é
justamente como procedem os oradores sábios e prudentes, fazendo parecer justas às
cidades as coisas boas em substituição às más. De fato, tudo o que parece belo e justo para
cada cidade, continua sendo para ela isso mesmo enquanto assim pensar: porém o sábio faz
ser e parecer benéfico o que até então lhes era pernicioso. Pela mesma razão, o sofista
capaz de educar seus discípulos desse modo é sábio e merece ser muito bem pago por eles,
depois de terminado o curso.. Nesse sentido, apenas, é que uma pessoa será mais sábia do
que outra, sem que ninguém possa formar opiniões falsas. Colhe daí por fruto, quer o
queiras quer não, que terás de resignar-te a ser medida das coisas. Foi o que nosso
argumento demonstrou à saciedade. Se quiseres retomar a questão para contestá-la, podes
fazê-lo, opondo argumento a argumento; caso prefiras o método de perguntas, formula tuas
questões; é um processo que não admite evasivas e merece a preferência das pessoas
inteligentes. Adota, porém, como norma não apresentar perguntas capciosas. Seria o
cúmulo da inconseqüência declarar-se alguém zeloso da virtude e só valer-se de
subterfúgios em suas discussões. Aqui a falta de lealdade consiste em entabular o diálogo
sem fazer a necessária distinção entre o que é discussão propriamente dita e investigação
dialética. No primeiro caso, o disputador diverte-se com o adversário e procura lográ-lo o
mais possível; no outro, o dialético procede com seriedade e esforça-se por levantar o
adversário, com mostrar-lhe apenas os erros em que ele incorrera, ou fosse por conta
própria ou por má orientação de outros diretores. Se assim procederes, teus interlocutores
só poderão queixar-se deles mesmos em suas incertezas e perplexidades, não de ti; seguirte-
ão por toda a parte e se mostrarão amigos, detestando-se e fugindo deles mesmos, para se
acolherem à filosofia e se mudarem noutros, sem mais continuarem a ser o que eram antes.
Porém se fizeres o contrário disso, a exemplo da maioria, o contrário, precisamente, se
passará contigo, e em vez de filósofos ou amigos da sabedoria farás de teus acompanhantes
inimigos do saber, quando se tornarem mais idosos. Se me aceitares o conselho, não será
com esse gênio azedo e briguento, como disse há pouco, mas com espírito amigável e
compreensivo que analisarás nossas proposições, quando declaramos que tudo se move e
que as coisas são como, de fato, aparecem a cada um, tanto para os indivíduos como para as
cidades. Partindo disso, investigarás se a sensação e o conhecimento são idênticos ou
diferentes, não, porém, como fizeste há pouco, recorrendo apenas ao sentido usual das
expressões e dos vocábulos, que a maioria violenta ao sabor do acaso, com o que só
conseguem aprestar para si próprios toda a sorte de aborrecimentos. — Eis aí, Teodoro, o
socorro que me foi possível trazer para teu companheiro, na medida de minha capacidade.
É pequeno, por eu ser pequeno. Se ele ainda vivesse, com muito mais brilho se defenderia,
por fazê-lo em causa própria.
XXI — Teodoro — É brincadeira, Sócrates; defendeste o homem com ardor juvenil.
Sócrates — Isso é muita bondade, companheiro. Porém dize-me uma coisa: porventura não
notaste que Protágoras nos falou agora mesmo em tom de censura, por dirigirmos nosso
discurso a um menino e nos aproveitarmos de sua timidez em detrimento de sua doutrina,
dele Protágoras? Não chamou a isso pilhéria de mau gosto, dando grande relevo à sua
medida das coisas e concitando-nos a estudar seriamente aquela doutrina?
Teodoro — Como não haveria de notar, Sócrates?
Sócrates — E então? Aconselhas a obedecer-lhe?
Teodoro — Sem a menor discrepância.
Sócrates — Como vês, com exceção de ti, todos aqui são crianças. Por isso, se tivermos de
obedecer ao homem, eu e tu é que teremos de perguntar e responder no exame acurado de
sua tese, para que, pelo menos nisso ele não possa censurar-nos de que a análise de sua
doutrina por nós levada a cabo, do começo ao fim não passou de brincadeira com meninos.
Teodoro — Ora essa! Teeteto não é capaz de acompanhar com mais facilidade do que
muita gente barbada o estudo de qualquer proposição?
Sócrates — Porém não melhor do que tu, Teodoro. Não irás admitir que eu tenha de
defender a todo o transe teu falecido amigo, e tu nada possas fazer nesse sentido. Não, meu
caro; acompanha-nos só num trechozinho, até vermos se a ti, somente, é que devemos
tomar como medida das figuras geométricas, ou se cada um se basta a si mesmo, como tu,
na astronomia e nas demais disciplinas em que, com justiça, te distingues.
Teodoro — Não é fácil, Sócrates, ficar um sentado ao teu lado e esquivar-se a gente de
responder às tuas perguntas. Foi leviandade de minha parte pedir-te há pouco que não me
despisses e não me constrangesses neste passo como fazem os Lacedemônios. Aliás, quer
parecer-me que te aproximas mais de Cirão. Pois os Lacedemônios o que fazem é convidar
o visitante a retirar-se ou despir-se, ao passo que tu me dás a impressão de representares o
teu papel mais à maneira de Anteu. Não largas quem se aproxima de ti, enquanto não o
obrigas a despir-se e a medir-se contigo na dialética.
Sócrates — Achaste uma excelente imagem, Teodoro para minha doença. Com a diferença
de que eu sou mais pugnaz do que esses lutadores, pois não têm conta os Héracles e os
Teseus com que já me defrontei, campeões de disputa todos eles, e que me malharam sem
dó nem piedade. Mas nem por isso abandono o campo, tal a paixão com que me entrego a
essa modalidade de exercício. Não me prives, pois, do prazer de medirmos as forças num
certame que só será de vantagem para nós dois.
Teodoro — Bem: desisto das objeções; conduze-me para onde quiseres. De todo o jeito,
terei de suportar o destino que urdiste para mim, até vir a ser confundido por tua critica.
Porém não ficarei à tua disposição além do termo que tu mesmo propuseste.
Sócrates — Basta só até aí. O que importa é ter cuidado para não recairmos, sem
querermos, no fraseado infantil, o que nos poderiam censurar.
Teodoro — Esforçar-me-ei nesse sentido, dentro de minhas possibilidades.
XXII — Sócrates — De início, voltemos a tratar da questão anterior, para vermos se
tínhamos ou não tínhamos razão de nos aborrecermos e de rejeitar a tese de que em matéria
de sabedoria cada um se basta a si mesmo. O próprio Protágoras admitiu que certos
indivíduos levam vantagem sobre outros no discernir o melhor e o pior, vindo a ser esses,
precisamente, os sábios. Não foi isso?
Teodoro — Certo.
Sócrates — Se ele se achasse aqui presente e nos fizesse semelhante concessão, não sendo
nós os que cedêssemos, como seus defensores não teríamos necessidade de voltar a essa
questão com o propósito de reforçá-la. Poderiam, aliás, objetar-nos que nos falta autoridade
para admitir seja o que for no nome dele. Em tais questões, não é pequena diferença ser
deste modo ou de outro.
Teodoro — Tens razão.
Sócrates — Não procuremos auxílio estranho; a assentemos em poucas palavras as bases
do nosso acordo só com elementos tirados do seu próprio argumento.
Teodoro — De que jeito?
Sócrates — É o seguinte: o que aparece para cada pessoa é, realmente, como lhe aparece.
Não é assim que ele se exprime?
Teodoro — Exatamente.
Sócrates — Nós, também, Protágoras, expomos a opinião de algum homem, ou melhor, de
todos os homens, quando dizemos não haver quem não se considere em determinados
assuntos mais sábio do que outros, ou inferior em certas coisas a muita gente, e que, pelo
menos nos grandes perigos, como sejam: campanhas militares, doenças, tempestades no
mar, são tidos como verdadeiros deuses os que comandam nessas diferentes situações, por
ser de esperar deles a salvação, conquanto em nada se distingam dos demais homens, se
não for, tão-só, pelo saber. Por toda a parte, no burburinho da vida, todos procuram
preceptores e comandantes para si próprios, para os animais e seus trabalhos, não faltando,
por outro lado, quem não se considere competente para ensinar e comandar. Em todos esses
casos, que mais poderemos dizer, se não for que os homens estão convencidos de haver
entre eles sábios e ignorantes?
Teodoro — Nada mais.
Sócrates — E não consideram todos eles a sabedoria como pensamento verdadeiro, e a
ignorância como opinião falsa?
Teodoro — Sem dúvida.
Sócrates — Que faremos, então, Protágoras, com essa proposição? Diremos que as
opiniões dos homens são sempre verdadeiras, ou que algumas vezes são certas e outras
vezes falsas? Em qualquer hipótese, o que se conclui é que nas opiniões dos homens não há
só verdade, porém as duas coisas: verdades e erros. Reflete agora, Teodoro, se algum dos
adeptos de Protágoras, ou tu mesmo, afirmaria que ninguém considera ignorante outra
pessoa, ou capaz de formar falsas opiniões?
Teodoro — Não é de acreditar, Sócrates.
Sócrates — No entanto, é a conclusão inevitável a que tende a tese de que o homem é a
medida de todas as coisas.
Teodoro — Como assim?
Sócrates — Quando formas em teu foro intimo alguma opinião sobre determinado objeto e
ma comunicas, de acordo com aquela assertiva terá ela de ser verdadeira para ti. Mas não
nos assistirá também o direito de atuar como juízes de teu julgamento, ou precisaremos
concluir sempre que tua opinião é verdadeira? E em cada caso, não pegarão em armas
contra ti milhares de adversários que pensam de maneira diferente e denunciam como
falsos a tua opinião e o teu juízo?
Teodoro — Sim, Sócrates, por Zeus; miríades, e como diz Homero, prontos para
aprestarem toda sorte de incômodos.
Sócrates — E então? Precisamos dizer, se assim o determinas, que formas opiniões
verdadeiras para ti, porém falsas para essas miríades de pessoas?
Teodoro — É o que necessariamente se conclui daquela proposição.
Sócrates — E Protágoras, como se arranjaria? Na hipótese de não acreditar que o homem é
a medida das coisas, nem ele nem a grande maioria, que, de fato, não acredita, não seria
inevitável não existir para ninguém sua Verdade, tal como ele a descreveu? E se ele a
admitisse, porém as multidões a rejeitassem, sabes muito bem, para começar, que na
mesma proporção em que o número dos que não a aceitam ultrapassa o dos que a aceitam,
há mais razões para seu princípio não existir do que para existir.
Teodoro — Necessariamente, se depender do critério pessoal a existência ou não existência
de alguma coisa.
Sócrates — Ao depois, o mais bonito, no caso, é reconhecer ele próprio que terão de estar
certos seus contraditores, quando opinam sobre seu princípio e o declaram falso, visto
admitir que a opinião de todos se refere ao que existe.
Teodoro — Perfeitamente.
Sócrates — Então, ele confessa que sua opinião é falsa, uma vez declarada verdadeira a dos
que afirmam estar ele em erro.
Teodoro — Necessariamente.
Sócrates — E os outros, admitem que estejam errados?
Teodoro — Em absoluto.
Sócrates — Ao passo que ele proclama estarem todos certos, de acordo com seus próprios
escritos.
Teodoro — Parece.
Sócrates De todo lado, pois, há contestação, a começar por Protágoras. Sim,
principalmente por ele, visto aceitar como verdadeira a opinião dos que o contraditam. De
onde vem, que o próprio Protágoras admite que nem um cão nem qualquer homem da rua
não é medida de nada que não houvesse previamente estudado. Não e isso mesmo?
Teodoro — Exato.
Sócrates — Logo, se é contestada por todo o mundo, a Verdade de Protágoras não é
verdadeira para ninguém, nem para ele próprio.
Teodoro — Atacamos com muita violência, Sócrates, esse meu amigo.
Sócrates — Mas meu caro, não dispomos de nenhum critério absoluto para dizer que
encontramos o caminho certo. É de crer que, como mais velho, ele seja mais sábio do que
nós. Se neste momento ele conseguisse sair da terra só até o pescoço, com toda a certeza
me acusaria de dizer muita tolice, e a ti também, por concordares comigo, depois do que
afundaria de novo na terra e desapareceria. Só o que nos compete, quero crer, é valermonos
de nós mesmos, tal como nos fez a natureza, e dizer sempre o que nos pareça
verdadeiro. Agora, por exemplo, não devemos sustentar, de acordo, aliás, com a opinião
geral, que há pessoas mais sábias do que outras, como as há, também, mais ignorantes?
Teodoro — A mim, pelo menos, assim parece.
XXIII — Sócrates — E não será certo dizermos que constitui base sólida para a tese de
Protágoras o que afirmamos em sua defesa, que muita coisa é o que parece ser para cada
um de nós: quente, seco, doce e tudo o mais do mesmo tipo? Mas se ele confessar que em
certos casos os homens diferem entre si, por força terá de admitir que em matéria de saúde
ou de doença não está ao alcance de qualquer mulherzinha ou criançola curar-se a si mesmo
graças ao conhecimento do que lhes é salutar, mas que, pelo menos neste terreno, se não
alhures, um homem difere do outro.
Teodoro —É assim que eu penso também.
Sócrates — Em política dá-se o mesmo: belo e feio, justo e injusto, pio e ímpio, o que
nesses assuntos cada cidade tem nessa conta e declara ser legal, é verdadeiro para cada
uma, não havendo, nesse domínio, superioridade em matéria de sabedoria, nem entre os
particulares nem entre as cidades. Agora, quanto à questão de determinar o que é de
proveito para cada cidade, ele terá de concordar que aqui ou nenhures um conselheiro pode
ser melhor do que outro e que as cidades diferem fundamentalmente umas das outras com
relação à verdade, sem ter ele a ousadia de afirmar que tudo o que determinada cidade
legisla, na convicção de que lhe será de proveito, terá de ser, infalivelmente, vantajoso.
Acerca do que me referi há pouco, o justo e o injusto, o pio e o ímpio, os homens se
comprazem em proclamar que nada disso é assim mesmo por natureza nem tem existência à
parte, mas que a opinião aceita por todos torna-se verdadeira nesse próprio instante e todo o
tempo em que lhe derem assentimento. Os que não estudam a tese de Protágoras até suas
últimas conseqüências não podem estadear outra sabedoria. Porém observo, Teodoro, que
nossa investigação nos fez passar de um argumento pequeno para um grande.
Teodoro — E não temos tempo de sobra para tudo, Sócrates?
Sócrates — Parece. Por vezes, meu admirável amigo, tal como agora e em outras
circunstâncias, me tem ocorrido como é natural revelarem-se oradores ridículos as pessoas
dadas a especulações filosóficas, sempre que se apresentam nos tribunais.
Teodoro — Que queres dizer com isso?
Sócrates — Parece-me que os indivíduos que desde moços vivem a rolar nos tribunais ou
quejandos ajuntamentos, em confronto com os educados na filosofia e estudos correlatos
são como escravos comparados a homens livres.
Teodoro — E qual é a razão?
Sócrates - A que apontaste agora mesmo: o tempo de que sempre dispõem, por terem folga
para conversar em paz, tal como se dá neste momento conosco, pois agora mesmo
mudamos de assunto pela terceira vez. É o que eles fazem quando um novo tema lhes
agrada mais do que o debatido, sem se preocuparem se a conversa dura muito ou pouco. O
que importa é atingir a verdade. Os outros, ao revés disso, só falam com o tempo marcado,
premidos a todo instante pela água da clepsidra, que não os deixa alargar-se à vontade na
apreciação dos temas prediletos. Ademais, o adversário não arreda pé de junto deles, a
insistir nos artigos da acusação, de nome antomosia, outras tantas barreiras que não podem
ser ultrapassadas. Trata-se sempre de discursos de escravos a favor de algum conservo, pronunciado
na presença do senhor que se acha ali sentado e traz na mão alguma queixa. A
luta nunca se trava por questões indiferentes, porém sempre de interesse pessoal, estando,
muita vez, em jogo a própria vida. De tudo isso resulta que eles ficam hábeis e sumamente
atilados, por saberem adular o senhor com suas falas e servi-lo de mil modos. Porém sua
alma deles acaba estiolada e retorcida, pois, escravos desde a infância, ressentem-se no
crescimento, na retidão e na liberdade, o que os leva a práticas tortuosas e deixa suas tenras
almas expostas a perigos e temores de toda a espécie. Não podendo transpor esses
obstáculos sem ferir a justiça e a liberdade, voltam-se muito cedo para a mentira e
respondem, à injustiça com injustiça, donde vem ficarem inteiramente deformados e
retorcidos. Desse modo, terminada a adolescência, sem. terem nada sadio na mente, quando
atingem a idade madura tornam-se sábios e de malícia incontrastável, segundo crêem.
Queres que examinemos também os que compõem nosso coro, ou será preferível deixá-los
de lado e reatarmos nossa discussão, para não abusarmos demais da liberdade tão peculiar a
nossos discursos a que há pouco nos referimos e da facilidade de mudar de tema?
Teodoro — De jeito nenhum, Sócrates; convém examiná-los. Observaste, com muita
propriedade, que os componentes deste coro não somos escravos, mas o inverso: os
discursos é que nos servem, aguardando cada um deles o remate que lhes quisermos dar,
pois não temos juizes postados na nossa frente, nem, como no caso dos poetas,
espectadores que nos censurem ou dêem ordens.
XXIV — Sócrates — Então, falemos dos diretores do coro, já que isso te agrada, conforme
verifico. Qual a vantagem de perdermos tempo com a arrala miúda do campo da filosofia?
De início, devemos observar acerca dos primeiros que desde a mocidade o que mais do que
tudo ignoram é o caminho da ágora ou onde fica o tribunal, a sala de conselho e quejandos,
locais de reuniões públicas; não ouvem nem vêem as leis nem as decisões escritas ou
faladas. As disputas dos cargos públicos nas hetérias, as reuniões e os festins, os banquetes
animados por tocadoras de flauta: nem em sonhos lhes ocorre comparecer a nada disso.
Nasceu na cidade alguém de nobre ou baixa estirpe? Certo cidadão herdou tara de seus
antepassados, homens ou mulheres? É o que filósofo conhece tão pouco, como se diz, como
quanta areia há no mar. Nem chega mesmo a saber que não sabe nada disso. Porém não se
alheia dessas coisas por vanglória, mas porque realmente só de corpo está presente na
cidade em que habita, enquanto o pensamento, considerando inane e sem valor todas as
coisas merecedoras apenas de desdém, paira por cima de tudo, como diz Píndaro, sondando
os abismos da terra e medindo a sua superfície, contemplando os astros para além do céu, a
perscrutar a natureza em universal e cada a ser em sua totalidade, sem jamais descer a
ocupar-se com o que se passa ao seu lado.
Teodoro — Que queres dizer com isso, Sócrates?
Sócrates — Foi o caso de Tales, Teodoro, quando observava os astros; porque olhava para
o céu, caiu num poço. Contam que uma decidida e espirituosa rapariga da Trácia zombou
dele, com dizer-lhe que ele procurava conhecer o que se passava no céu mas não via o que
estava junto dos próprios pés. Essa pilhéria se aplica a todos os que vivem para a filosofia.
Realmente, um indivíduo assim alheia-se por completo até dos vizinhos mais chegados e
desconhece não somente o que eles fazem como até mesmo se se trata de homens ou de
criaturas de espécie diferente. Mas o que seja o homem e o que, por natureza, lhe cumpre
fazer ou suportar, para distingui-lo dos outros seres, eis o que ele procura conhecer, sem se
poupar a esforços em sua investigação. Compreendes-me, Teodoro, ou não?
Teodoro — Compreendo; é muito verdadeiro tudo isso.
Sócrates — Eis a razão, amigo, como disse no começo, de em todas as circunstâncias,
assim na vida pública como no trato particular com seus concidadãos, no tribunal ou
alhures, sempre que nosso filósofo é forçado a tratar de assuntos que lhe caem sob a vista
ou diante dos pés, tornar-se alvo de galhofa não apenas por parte das raparigas da Trácia
como de todo o povo, levando-o sua falta de experiência a cair nos poços e na mais triste
confusão. Sua irremediável inabilidade para as coisas práticas fá-lo passar por imbecil.
Num revide de injúrias não sabe como atacar o adversário, por desconhecer os vícios dos
homens, já que nunca se preocupou com a vida de ninguém. E por não saber como sair-se
de tais enrascadelas, faz papel mais que ridículo. Por outro lado, quando se trata de elogios
e de enaltecerem uns aos outros com termos pomposos, não procura esconder o riso;
estoura em gargalhadas sem nenhum constrangimento, o que o faz parecer tolo. Quando
ouve o encômio de qualquer tirano ou potentado, imagina que se trata do elogio de um
pastor: porqueiro, cabreiro ou vaqueiro, por ser abundante a sua ordenha. É de opinião,
aliás, que os reis guardam e ordenham um rebanho muito mais insidioso e intratável do que
os dos verdadeiros pastores, e que por falta de vagar acabam ficando tão rústicos e
ignorantes como aqueles e tão cercados por seus muros como os verdadeiros pastores pelos
currais nas montanhas. Quando ouve dizer que tal indivíduo é dono de dez mil plectros de
terra, ou até de mais, como se se tratasse de uma grande propriedade, julga que lhe falam de
coisinhas sem valor, acostumado, como está, a contemplar a terra inteira. Ao ouvir gabarem
títulos de nobreza, por poder alguém mencionar sete antepassados ricos, considera
absolutamente fútil tal elogio e revelador de curteza de vista por parte dos que falam, os
quais, por ignorância, são incapazes de apreender o todo e de calcular que não há quem não
tenha miríades sem conta de avós e antepassados, entre os quais se sucedem ricos e pobres,
também por miríades, potentados e escravos, Helenos e bárbaros, indiscriminadamente,
nesta ou naquela geração. Enumerar como grande coisa vinte e cinco antepassados ou
dizer-se originário de Héracles, filho de Anfitrião, é para ele uma contagem ínfima. O
vigésimo quinto antepassado de Anfitrião foi quem a sorte quis, sem falarmos no
qüinquagésimo avô desse vigésimo quinto, divertindo-se o filósofo com a incapacidade de
toda essa gente para contar e para purgar a mente de tanta fatuidade. Em tais situações o
filósofo é ridicularizado pela plebe, que ora o considera desdenhoso, ora desconhecedor do
que lhe está na frente dos pés e a quem as menores coisas causam inextricável confusão.
Teodoro — Tudo, Sócrates, se passa exatamente como disseste.
XV — Sócrates — Porém no caso, amigo, de conseguir ele arrastar alguém para as alturas
em que se encontra e de resolver-se este outro a sair das perguntas: Em que te ofendi? ou
Em que me ofendeste? para considerar a justiça ou a injustiça em si mesmas e procurar
saber em que uma difere da outra ou de tudo o mais, desistindo de aplicar-se a temas como
o de saber se é feliz o Rei ou quem for possuidor de montões de ouro, para estudar a realeza
em geral ou a felicidade e a desgraça do homem em universal, em que consistem e de que
modo convém à natureza humana adquirir uma e fugir da outra: quando aquele indivíduo de
alma pequenina, afiada e chicanista se vê obrigado a responder a todas essas questões,
então, é sua a vez de sofrer o mesmo castigo: sente vertigens na altura a que se viu
guindado, e por falta de hábito de sondar com a vista o abismo fica com medo, atrapalha-se
todo e mal consegue balbuciar, tornando-se objeto de galhofa não apenas das raparigas
trácias ou das pessoas incultas em geral, pois todos estes são incapazes de notar o ridículo
da situação, como de quantos receberam educação contrária à dos escravos. Eis aí,
Teodoro, a condição desses dois tipos. Um, educado realmente com liberdade e lazer, a
quem dás o nome de filósofo, não merece ser vituperado por fazer figura simplória e
revelar-se imprestável quando se vê às voltas com alguma ocupação servil, como, por
exemplo, não saber amarrar os cobertores na hora de viajar nem temperar alimentos ou
preparar discursos bajulatórios. O outro é capaz de fazer tudo isso com rapidez e perfeição,
porém não saberá arranjar o manto no ombro direito como o faz o homem livre, e muito
menos, apanhando a música do discurso, entoar condignamente o hino da verdadeira vida
dos deuses e dos varões bem-aventurados.
Teodoro — Se conseguisses, Sócrates, convencer todo o mundo da verdade do que disseste
como fizeste comigo, haveria mais paz e menos males entre os homens.
Sócrates — É certo, Teodoro. Porém não é possível eliminar os males — forçoso é haver
sempre o que se oponha ao bem — nem mudarem-se eles para o meio dos deuses. É
inevitável circularem nesta região, pelo meio da natureza perecível. Daqui nasce para nós o
dever de procurar fugir quanto antes daqui para o alto. Ora, fugir dessa maneira é tornar-se
o mais possível semelhante a Deus; e tal semelhança consiste em ficar alguém justo e santo
com sabedoria. Mas a verdade, meu excelente amigo, é que não é fácil convencer ninguém
de que as razões consideradas válidas pela maioria para fugir do vício e procurar a virtude
não são as que levam um a cultivar esta e evitar aquela, a fim de não parecer ruim, senão
virtuoso. A meu ver, tudo isso não passa de história de velhas, como se diz. Mas a verdade,
vou declarar-te qual seja: de modo nenhum Deus é injusto, senão justo em grau máximo,
não podendo ninguém ficar semelhante a ele se não for tomando-se o mais justo possível. É
assim que se avalia com acerto a superioridade de uma pessoa, ou sua covardia e falta de
virilidade. O conhecimento de semelhante fato configura a sabedoria e a verdadeira virtude,
e sua ignorância, maldade e tolice manifestas. As demais aparências de habilidade e de
sabedoria, quando se mostram no exercício do poder público, são conhecimentos
grosseiros; nas artes, vulgaridade. Assim, quando alguém é injusto ou ímpio, por ações ou
palavras, será melhor não conceder-lhe que todo o seu êxito se baseia na astúcia, pois esse
indivíduo se envaideceria com o reparo, muito ancho por ter ouvido dizer, segundo crê, que
não é néscio ou fardo inútil sobre a terra, porém homem como terão de ser os que melhor
sabem vencer na vida pública. A esses tais é preciso dizer-lhes a verdade: que são tanto
mais o que julgam não ser, quanto menos sabem o que são. De fato, todos eles
desconhecem qual seja o castigo da injustiça, o que menos do que tudo não se pode ignorar.
Não é o que todos pensam: castigos corporais e morte, de que os malfeitores muitas vezes
escapam, senão penalidade a que ninguém se exime.
Teodoro — A que penalidade te referes?
Sócrates — Na própria ordem das coisas, amigo, há dois paradigmas: um divino e bemaventurado;
outro, contrário a Deus e miserabilíssimo. Porém nada disso eles percebem; a
enfatuação e a demência em grau máximo os impedem de sentir que com suas ações
injustas eles se aproximam do segundo e cada vez mais se afastam do primeiro. São
castigados pela vida que levam, conforme ao modelo de sua preferência. E se lhes dizemos
que se não renunciarem àquela habilidade, depois de mortos não serão recebidos no local
estreme de maldades e aqui em baixo terão de levar vida conforme seu caráter: os maus
convivendo com a maldade: tudo isso eles escutam, sabidíssimos e astuciosos, como
palavreado vazio, de pessoas desprezíveis.
Teodoro — É muito certo, Sócrates.
Sócrates — Sei disso, companheiro. Mas uma coisa acontece com eles. Sempre que se
vêem forçados, nalgum encontro particular, a argumentar a respeito das teses por eles
rejeitadas, e a sustentar com brio por algum tempo a discussão, sem abandonar
cobardemente o campo: então, amigo, com todos eles se passa uma coisa muito
interessante, pois acabam por se desgostarem de seus próprios argumentos; toda a sua
retórica emurchece, fazendo eles, afinal, figura de crianças. Porém deixemos essas
considerações, que não passam de acessórios; como novos tributários, poderão afogar o
argumento principal, a que teremos de voltar, caso te declares de acordo.
Teodoro — Para mim não foi desagradável, Sócrates, semelhante digressão. Com toda a
minha idade, foi-me fácil acompanhá-la. Mas, se assim preferes, refaçamos nosso caminho.
XXVI — Sócrates — Em nosso estudo ficamos na asserção de que os adeptos da doutrina
de ser o movimento a essência última das coisas e de que a realidade para cada indivíduo é
exatamente como lhe parece ser, são obrigados a aceitar no resto, principalmente no que
concerne à justiça, quanto uma determinada cidade institui como lei é perfeitamente justo
para essa cidade enquanto a lei não for derrogada; mas no que entende com os bens,
ninguém ainda teve coragem de sustentar que é vantajoso para a cidade tudo sobre o que
lhe aprouver legislar, e que vantajoso continuará sendo enquanto a lei não for abolida.
Porém isso eqüivaleria a ridicularizar nosso tema, não é verdade?
Teodoro — Perfeitamente.
Sócrates — Não falemos, pois, do nome, mas apenas da coisa por ele designada.
Teodoro — Sem dúvida.
Sócrates — Seja o que for que a cidade designa por este ou aquele nome, a isso é que ela
visa quando promulga leis, não havendo lei dentro de suas cogitações e possibilidades, que
não seja proposta com vistas ao seu maior proveito. A que outro fim pode visar uma
legislação?
Teodoro — A nenhum.
Sócrates — E será que as cidades sempre acertam? Não se dará o caso de errarem, e
errarem muito?
Teodoro — Eu, de mim, estou convencido de que também erram.
Sócrates — É com o que mais prontamente todos concordariam, se orientássemos nossa
investigação para o problema do útil em universal. Ora, este se estende também para o
futuro. Sempre que legislamos, é com a idéia de que essas leis possam ser vantajosas no
tempo por vir, sendo futuro, precisamente, a denominação certa desse tempo.
Teodoro — Perfeitamente.
Sócrates — Assim sendo, perguntamos o seguinte a Protágoras ou a quem afinar com ele
na maneira de pensar: O homem é a medida de todas as coisas, conforme afirmas,
Protágoras: do branco, do pesado, do leve, em suma: de tudo o mais do mesmo gênero, sem
nenhuma exceção. Por trazer ele em si mesmo o critério decisivo de tudo, como ele percebe
as coisas, assim acredita que elas sejam, considerando-as verdadeiras para ele e como
existentes. Não é isso mesmo?
Teodoro — Certo.
Sócrates — E com respeito às coisas futuras, Protágoras, lhe diremos, traz o homem,
também, o critério em si mesmo, e tal como cada um pensa que as coisas irão acontecer,
tudo se passará exatamente como eles imaginam? Exemplifiquemos com o calor: quando
um leigo em medicina pensa que vai ter febre e que nele se irá revelar essa espécie de calor,
e o médico, de seu lado, assevera o contrário: de acordo com qual opinião diremos que o
futuro decorrerá? Com ambas, porventura, no sentido de que para o médico o paciente não
ficará nem quente nem febril, e para este, as duas coisas ao mesmo tempo?
Teodoro — Seria o cúmulo do ridículo.
Sócrates — Porém imagino que a respeito de como ficará o vinho, se doce ou ácido, é
decisiva a opinião do agricultor, não a do citarista.
Teodoro — Como não?
Sócrates — O mesmo se diga da consonância ou dissonância futuras: o pedótriba, com seus
conhecimentos de ginástica não se manifestará com mais segurança do que o músico acerca
do que ele próprio, professor de ginástica, achará mais bem soante.
Teodoro — De forma alguma.
Sócrates — Do mesmo modo nos preparativos de um banquete, a opinião do convidado
desconhecedor da arte culinária valerá menos que a do cozinheiro, em matéria do tempero
das iguanas. Sim, porque não iremos discutir agora acerca do prazer que qualquer pessoa
possa ter neste momento ou tivesse tido no passado; o que se pergunta é se cada um de nós
é o melhor juiz para o que nos venha a parecer ou ser, de fato, agradável no futuro. Ou,
ainda: sobre o poder maior ou menor de persuasão de discursos que terão de ser
pronunciados no tribunal, não serás, porventura, Protágoras, mais capaz de prejulgar do que
os leigos na matéria?
Teodoro — Certamente, Sócrates; nesse terreno, pelo menos, ele se declararia superior a
todos.
Sócrates — Por Zeus, amigo; sei muito bem disso! Ninguém lhe teria dado tanto dinheiro,
só para gozar de sua conversação, se ele não tivesse convencido os ouvintes de que a
respeito de tudo o que terá de ser ou parecer no futuro, nem os próprios adivinhos julgam
com tanta segurança como ele.
Teodoro — É muito certo.
Sócrates — E a legislação e sua utilidade, não olha também para o futuro? E não é admitido
por toda a gente que, por vezes, o legislador terá de enganar-se sobre o que possa ser de
mais vantagem?
Teodoro — Sem a menor dúvida possível.
Sócrates — Mui discretamente, pois, precisaremos levar teu mestre a confessar que há
homens mais sábios do que outros e que só estes servem de medida, e que eu, ignorante
como sou, de jeito nenhum poderei ver-me forçado a ser medida, como há pouco queria
aquele discurso pronunciado, de bom ou de mau grado, a seu favor.
Teodoro — A meu ver, Sócrates, esse é o ponto mais vulnerável de sua tese, e também pelo
fato de admitir ele a validez das opiniões alheias, que, conforme vimos, se recusam a
aceitar como bons seus argumentos.
Sócrates — Em muitos outros pontos, também, Teodoro, pode ser atacada a tese de que a
opinião de qualquer pessoa é verdadeira. Porém quando se trata das impressões presentes
de alguém, fontes de sensações e de opiniões correlatas, é mais difícil demonstrar que não
são verdadeiras. É possível que o que eu digo não tenha consistência e que elas sejam, de
fato, irrefutáveis, estando com a verdade os que as consideram evidentes e iguais a
conhecimento. Não deixou, pois, o nosso Teeteto de acertar no alvo, quando formulou a
identidade entre sensação e conhecimento. É de mister, assim, atacar de mais perto a
questão, como nos recomendou, aliás, o discurso em defesa de Protágoras, e examinar de
novo este ser inquieto e movediço, para percuti-lo e ver se emite som cheio ou de taboca
rachada. A batalha travada ao redor dele não é de importância secundária nem mobiliza
pouca gente.
XXVII — Teodoro — Está longe de carecer de importância; na Jônia, principalmente, ela
se alastra a olhos vistos. Os sectários de Heráclito são os mais ardorosos defensores de tal
doutrina.
Sócrates — Tanto maior é nosso dever, amigo Teodoro, de reexaminá-la desde seus
fundamentos, tal como eles mesmos a formularam.
Teodoro — Perfeitamente. Porém discutir com seriedade, Sócrates, doutrinas heraclitianas,
ou, como disseste, homéricas, se não forem ainda mais velhas, com aquela gente de Éfeso
que se apresentam como conhecedores delas, é tão impossível como falar com quem se
encontra azoratado por ferroadas de tavões. Em coerência com a lição de seus próprios
escritos, estão sempre em movimento. Demorar no exame de determinado argumento ou
questão e, um por vez, com toda a seriedade, perguntar ou responder, e o que menos de
tudo são capazes de fazer. Até mesmo a expressão Nada já fora excessiva para exprimir a
nenhuma tranqüilidade de ânimo daquela gente. Quando lhes formulas alguma pergunta,
retiram como de um carcás pequeninas e enigmáticas sentenças que desferem contra ti; se
solicitares esclarecimentos sobre o seu significado, és atingido por outra de construção
ainda mais original. E quanto é nisso, nunca chegarás a qualquer conclusão com nenhum
deles, como não chegam, aliás, eles mesmos entre si. Põem o máximo empenho em não
deixarem que algo se estabilize nos seus discursos nem em suas próprias almas, pelo receio,
segundo penso, de que já seria alguma coisa estacionário, que é o que eles mais combatem
e se esforçam por expulsar de toda a parte.
Sócrates — Decerto, Teodoro, só viste esses homens no calor das disputas, sem nunca teres
conversado com eles em tempo de paz, por não serem teus amigos. Porém nos intervalos de
mais calma, segundo penso, comunicam essas coisas aos discípulos que eles cuidam de
formar à sua imagem.
Teodoro — Que discípulos, homem? Entre eles ninguém é discípulo de ninguém. Todos
brotam espontaneamente, ao sabor da inspiração, achando cada um de per si que o vizinho
não sabe nada. De toda essa gente, como disse, jamais alcançarás a menor resposta, nem à
força nem de bom grado; precisamos apanhá-los e examiná-los como a problemas.
Sócrates — Falas com muito senso. E esse problema, não o recebemos dos antigos velado
pela poesia, para melhor escondê-lo das multidões, que o Oceano e Tétis, geradores do
resto das coisas, são corrente d’água, e que nada é imóvel? É o que os modernos, mais
sábios do que eles, demonstram abertamente, para que os próprios sapateiros, ouvindo-os,
assimilem tamanha sabedoria e deixem de acreditar estultamente que há. seres parados e
seres em movimento, e aprendam que tudo é movimento, com o que passarão a reverenciar
os mestres. Porém por pouco me esqueceu, Teodoro, que outros sustentam precisamente o
contrário, como, por exemplo:
Só como imóvel, de fato, é que o Todo deverá chamar-se,
e tudo o mais quanto os Melissos e os Parmênides atiram contra aqueles, a saber: que tudo é
um e se mantém imóvel em si mesmo, não havendo lugar para onde possa declinar. E
agora, amigo, que faremos no meio de toda essa gente? Avançando aos pouquinhos, viemos
cair, sem o percebermos, entre os dois grupos, e se não descobrirmos jeito de escapar de
ambos, incorreremos em penalidade, como se dá na palestra com os jogadores de barra,
quando, apanhados pelos dois quadros, se vêem arrastados em direções contrárias. Pareceme
aconselhável começar nosso exame pelos que abordamos primeiro, os que estão em
fluxo permanente, e se virmos que sua doutrina tem fundamento sério, nós mesmos os
ajudaremos a puxar-nos, para ver se escapamos dos outros. Porém se os que imobilizam o
Todo nos parecerem mais verdadeiros, nos acolheremos sob seu amparo, a fim de nos
livrarmos dos que movimentam até o imóvel. Por último, no caso de concluirmos que
nenhum diz coisa com coisa, suportaremos o ridículo de pretender emitir opinião própria,
em que pese à nossa insignificância, após condenarmos a de pessoas tão veneráveis pelo
saber e pela idade. Agora vê, Teodoro, se vale a pena correr semelhante risco.
Teodoro — O que não é admissível, Sócrates, de jeito nenhum, é deixar de investigar o que
ambas as facções pretendem.
XXVIII — Sócrates — Pois investiguemos, já que fazes tanto empenho nisso. A meu
parecer, o começo do nosso estudo da natureza do movimento deve consistir na indagação
do que eles querem dizer quando afirmam que tudo se movimenta. É o seguinte: referem-se
a uma única forma de movimento ou a duas? Não me agrada ficar sozinho com o meu
modo de pensar; põe-te ao meu lado para, juntos, se for o caso, recebermos o castigo.
Responde-me ao seguinte: não dirás que uma coisa se movimenta quando ela muda de lugar
e também quando gira em torno do mesmo ponto?
Teodoro — Exato.
Sócrates — Eis aí, por conseguinte, uma primeira forma de movimento. Mas, quando
determinada coisa, parada no lugar em que está, vem a envelhecer, ou de negra fica branca,
ou passa de duro para mole, ou sofre alterações de outra natureza, não merece tudo isso,
também, ser considerado formas de movimento?
Teodoro — Acho que sim.
Sócrates — Não pode ser de outra maneira. Digo, pois, que há duas espécies de
movimento: o de alteração e o de translação.
Teodoro — Falas com muito senso.
Sócrates — Firmado esse ponto, voltemos a conversar com os que afirmam que tudo se
movimenta e lhes formulemos a seguinte pergunta: Pretendes que todas as coisas se movem
simultaneamente dos dois modos, por alteração e por translação, ou algumas dos dois
modos, e outras apenas de um?
Teodoro — Por Zeus, não saberei dizê-lo; porém acho que eles responderiam que é pelos
dois.
Sócrates — Se o não dissessem, amigo, teriam de reconhecer que estão paradas as mesmas
coisas que lhes parecem movimentar-se, e que tão certo seria afirmar que tudo se move
como tudo está em repouso.
Teodoro — Só dizes a verdade.
Sócrates — Ora, se tudo tem de mover-se e em nada há imobilidade, tudo se move sempre
com todos os movimentos.
Teodoro — Necessariamente.
Sócrates — Analisa também o que eles declaram: Já não dissemos que eles explicam a
gênese: do calor ou a da brancura ou seja do que for, pelo movimento de cada uma dessas
coisas, no momento da sensação, entre o agente e o paciente, com o que este se torna
sentiente, não sensação, e o agente, por sua vez, certo qual, não propriamente qualidade?
Decerto a expressão Qualidade não só te parece estranha como difícil de apreender em sua
acepção genérica. Então, ouve por partes. O agente não se torna nem calor nem brancura,
porém quente e branco, e tudo o mais pelo mesmo conseguinte. Como deves lembrar-te do
que ficou dito antes, em parte alguma existe a umidade em si mesma, como não existem o
agente e o paciente; do encontro de ambos é que se geram as sensações e seus respectivos
objetos, passando a haver, de um lado, uma coisa com certa qualidade, e, do outro, um
sujeito que percebe.
Teodoro — Lembro-me; como não?
Sócrates — Deixemos tudo o mais de lado, sem nos preocuparmos com explicações, e nos
atenhamos apenas ao que afirmamos no começo, quando lhes perguntamos: Tudo se move
e passa, como dizeis, não é isso mesmo?
Teodoro — Exato.
Sócrates — De acordo, sempre, com as duas formas de movimento por nós distinguidas:
alteração e translação?
Teodoro — Certamente, sem o que o movimento não seria perfeito.
Sócrates — Se só houvesse passagem de um para outro lugar, sem nenhuma alteração,
seríamos capazes de dizer de que natureza são as coisas que se deslocam e passam, não é
isso mesmo?
Teodoro — Certo.
Sócrates — Porém desde que nem isso é estável, e o que se escoa, escoa branco, que
também se altera, de forma que há fluxo até da própria brancura, com transição para uma
cor diferente, não podendo, pois, de jeito nenhum ser apreendida como tal, haverá meio de
dar o nome de cor a alguma coisa, com a certeza de estarmos empregando a designação
certa?
Teodoro — De que jeito, Sócrates? Nem a isso nem a nada do mesmo gênero, se no próprio
instante de designá-la essa coisa nos escapa, visto não parar de escoar-se?
Sócrates — E que diremos das sensações, sejam de que natureza forem, como as da vista,
ou as do ouvido? No ver e no ouvir, elas se conservam estáveis?
Teodoro — De jeito nenhum, pois que tudo se move.
Sócrates — Nesse caso, em vez de dizer que alguma coisa é vista, seria mais certo dizer
que não é vista, valendo o mesmo para toda espécie de sensação, já que tudo se move de
todas as maneiras.
Teodoro — Não, realmente.
Sócrates — No entanto, sensação e conhecimento se eqüivalem, como afirmamos eu e
Teeteto.
Teodoro — Afirmastes, sim.
Sócrates — Nesse caso, nossa resposta à pergunta: Que é conhecimento? tanto se referia a
conhecimento como a não-conhecimento.
Teodoro — É possível.
Sócrates — Saiu-nos uma obra-prima a tentativa de corrigir nossa primeira resposta,
quando nos dispusemos a demonstrar que tudo se move, justamente para que a resposta
parecesse certa. Agora, porém, pelo que se vê, ficou mais do que claro que se tudo se move,
toda resposta a respeito seja do que for é igualmente justa, pois tanto faz dizer que uma
coisa é deste jeito como daquele, ou melhor, caso queiras, que devém assim ou assado, para
não imobilizarmos toda essa gente com nossa argumentação.
Teodoro — Tens razão.
Sócrates — Menos, Teodoro, no ter eu dito: Assim e Não assim. Pois nunca devemos
valer-nos da expressão Assim, visto como esse Assim já não seria movimento, nem, ainda,
da contrária, Não assim, que também implicaria ausência de movimento. Os adeptos de
semelhante tese terão de criar uma linguagem nova, por carecerem presentemente de
expressões para traduzir sua hipótese, a não ser a fórmula De nenhum modo, repetida ao
infinito, que é a que mais condiz com o que eles querem significar.
Teodoro — Seria, de fato, a expressão mais conveniente.
Sócrates — Desse modo, Teodoro, ficamos livres de teu amigo, sem lhe concedermos em
absoluto que todos os homens são a medida de todas as coisas, a não ser o homem
inteligente. Não aceitamos, também, que conhecimento seja sensação, pelo menos em
conexões com o princípio de que tudo se move, tirante a hipótese de ter ainda o nosso
Teeteto alguma coisa a acrescentar.
Teodoro — Falaste admiravelmente bem, Sócrates. E, uma vez terminado esse assunto,
sinto-me dispensado da obrigação de responder, pois o combinado entre nós foi: Até o fim
da discussão sobre o princípio de Protágoras.
XXIX — Teeteto — Porém não antes, Teodoro, de tu e Sócrates estudarem a doutrina dos
que proclamam que o Todo está parado, conforme propusestes há pouco.
Teodoro — Moço como és, Teeteto, ensinas os mais velhos a cometer injustiça e violar
tratados? Não; cuida do que vais responder a Sócrates no que ainda falta analisar.
Teeteto — Se for do seu agrado. Porém teria mais gosto em ouvir o que acabei de dizer.
Teodoro — Convidar Sócrates para argumentar é o mesmo que chamar cavaleiros para a
planície. Se desejas ouvir, basta perguntar.
Sócrates — Porém quer parecer-me, Teodoro, e que não me será possível satisfazer a
vontade de Teeteto no que ele me pediu.
Teodoro — Por quê?
Sócrates — Tenho escrúpulos de analisar por maneira muito grosseira Melissos e os mais
que proclamam a imobilidade do Todo, em que me mostre mais brando do que fui com
Parmênides. Porém Parmênides me inspira, para empregar a linguagem de Homero,
respeito e vergonha a um só tempo. Estive com o homem quando ainda era muito moço e
ele já avançado em anos, tendo-se-me revelado de rara profundidade de pensamento. Por
isso, tenho receio de não compreender suas palavras e que nos escape ainda mais o sentido
profundo das idéias. Porém o que acima de tudo me faz medo é poder a tese que arrastou
para tão longe nossa argumentação, a saber, o que seja conhecimento, deixar de ser
devidamente apreciada, se novos argumentos tumultuarem o banquete, no caso de lhes
facilitarmos a entrada. Principalmente a questão levantada há pouco é de alcance
incalculável; considerá-la pela rama não seria tratamento condigno; mas se a estudarmos
como convém, far-nos-á perder de vista a do conhecimento. Teremos de fugir desses dois
escolhos. O aconselhável é ajudar Teeteto com nossa arte maiêutica no seu trabalho de
parto do conhecimento.
Teodoro — Sim, façamos isso mesmo, se pensas desse modo.
Sócrates — Considera mais o seguinte, Teeteto, como aditamento ao que ficou exposto:
sensação é conhecimento; não foi isso que respondeste?
Teeteto — Foi.
Sócrates — E se alguém te perguntasse: Com que o homem vê o branco e o preto e com
que ouve o agudo e o grave? penso que lhe responderias: com os olhos e com os ouvidos.
Teeteto — Certo.
Sócrates — O emprego um tanto livre dos vocábulos e expressões, sem escravizá-los a um
rigorismo exagerado, de regra não É indício de falta de educação liberal; o contrário,
justamente, É que é mostra de servilismo. Porém em certos casos é necessário precisão, tal
como agora, em que se nos impõe a tarefa de procurar o que há de incorreto em tua
resposta. Reflete um pouco, para dizer qual é a fórmula mais certa: Vemos com os olhos,
ou por meio dos olhos? e Ouvimos com os ouvidos, ou por meio dos ouvidos?
Teeteto — Quer parecer-me, Sócrates, que é por meio dos órgãos, não com eles, que
percebemos alguma coisa.
Sócrates — Seria absurdo, menino, se uma quantidade enorme de sensações estivessem
apinhadas dentro de nós como num cavalo de pau, sem se relacionarem com uma única
idéia, ou seja a alma ou como te aprouver denominá-la, ponto de convergência delas todas,
por meio da qual, usada como instrumento, percebemos todo o sensível.
Teeteto — Essa explicação me parece mais certa do que a outra.
Sócrates — A razão de eu exigir em nosso diálogo tamanha precisão, é para sabermos se
não há em nos um princípio, sempre o mesmo, com o qual, por meio dos olhos, atingimos o
branco e o preto, e, por meio de outros órgãos, outras qualidades, e se, interrogado,
poderias relacionar tudo isso com o corpo. Mas talvez seja melhor que a resposta parta de ti
mesmo, em vez de eu formulá-la com tanto trabalho. Dize-me o seguinte: os órgãos por
intermédio dos quais sentes o quente e o seco, o leve e o doce, tu os localizas no corpo ou
noutra parte?
Teeteto — Em nada mais, se não for no próprio corpo.
Sócrates — E não quererás, também, admitir que tudo o que sentes por meio de uma
faculdade não podes sentir por meio de outra? Assim, o que é percebido por meio dos olhos
não o será pelos ouvidos, e o contrário: o que percebes pelo ouvido, não perceberás pelos
olhos.
Teeteto — Como não hei de querer?
Sócrates — E no caso de conceberes, ao mesmo tempo, alguma coisa por meio desses dois
sentidos, não poderás ter alcançado essa percepção comum nem só por meio de um nem por
meio do outro.
Teeteto — De jeito nenhum.
Sócrates — E a respeito do som e da cor, não admites, inicialmente, que ambos existem?
Teeteto — óbvio.
Sócrates — E também que cada um difere do outro, mas é igual a si mesmo?
Teeteto — Como não?
Sócrates — E que juntos são dois, e cada um em separado é apenas um?
Teeteto — Isso também.
Sócrates — E a semelhança ou dissemelhança entre eles, não és também capaz de
investigar?
Teeteto — Talvez.
Sócrates — E por meio de que percebes tudo isso a respeito de ambos? Só por meio da
vista ou só por meio do ouvido é que não poderás apreender o que apresentam de comum.
Aí vai uma outra prova, em reforço do que dissemos. Se fosse possível determinar até que
ponto eles são ou não são salgados, saberias dizer-me por meio de que faculdade os
examinarias? Não haveria de ser nem com a vista nem com o ouvido, porém com algo
diferente.
Teeteto — Sem dúvida: a faculdade que tem por instrumento a língua.
Sócrates — Muito bem. Mas, por qual órgão se exerce a faculdade que te permite conhecer
o que há de comum a todas as coisas e às de que nos ocupamos, para que de cada uma
possas dizer que é ou não é, e tudo o mais acerca do que há pouco te interroguei? Para isso
tudo, que órgão quererás admitir, por meio do qual perceberá as coisas o que em nós
percebe?
Teeteto — Referes-te a ser e a não-ser, semelhança e dissemelhança, identidade e diferença,
e também à unidade e aos mais números que se lhe aplicam. Evidentemente, tua pergunta
abrange, outrossim, o par e o ímpar e tudo o mais que lhes vem no rastro, desejando tu
saber por intermédio de que parte do corpo percebemos tudo isso com a alma.
Sócrates — Acompanhas-me admiravelmente bem, Teeteto; foi isso exatamente o que
perguntei.
Teeteto — Por Zeus, Sócrates; não sei como responder, salvo dizer que se me afigura não
haver um órgão particular para essas noções, como há para as outras. A meu parecer, é a
alma sozinha e por si mesma que apreende o que em todas as coisas é comum.
Sócrates — És lindo, Teeteto, não feio, como Teodoro disse há pouco; quem fala desse
modo é belo e bom. Além da beleza de tua fala, prestaste-me um excelente serviço com me
aliviares de uma exposição prolixa, se te parece realmente que algumas coisas a alma
investiga por si mesma, e outras por meio das diferentes faculdades do corpo. Era isso que
eu pensava e o que queria que tu também admitisses.
Teeteto — É como vejo essa questão.
XXX — Sócrates — E em qual das duas classes pões o ser? Pois o ser ocorre em tudo.
Teeteto — Na das coisas que a alma procura atingir por si mesma.
Sócrates — Que também abrange o semelhante e o dissemelhante, o idêntico e o diferente?
Teeteto — Sim.
Sócrates — E isto agora: o belo e o feio, o bom e o mau?
Teeteto — No meu modo de pensar, é nessas noções, especialmente, que a alma examina o
ser, comparando-as em suas relações recíprocas e com os fatos passados, presentes e
futuros.
Sócrates — Pára aí. E não sentirá pelo tacto a dureza do que é duro e a moleza do que é
mole?
Teeteto — Sem dúvida.
Sócrates — E a essência e dualidade desses fatos, sua oposição recíproca, a essência dessa
mesma oposição, não é nossa alma que, voltando a considerá-las e a confrontá-las, procura
discernir?
Teeteto — Perfeitamente.
Sócrates — Logo, desde o nascimento, tanto os homens como os animais têm o poder de
captar as impressões que atingem a alma por intermédio do corpo. Porém relacioná-las com
a essência e considerar a sua utilidade, é o que só com tempo, trabalho e estudo conseguem
os raros a quem é dada semelhante faculdade.
Teeteto — Perfeitamente.
Sócrates — E poderá atingir a verdade de alguma coisa quem não alcançar a sua essência?
Teeteto — Nunca!
Sócrates — E do que não se alcança a verdade, poder-se-á ter conhecimento?
Teeteto — De que jeito, Sócrates?
Sócrates — Naquelas impressões, por conseguinte, não é que reside o conhecimento, mas
no raciocínio a seu respeito; é o único caminho, ao que parece, para atingir a essência e a
verdade; de outra forma é impossível.
Teeteto — Claro.
Sócrates — E darás o mesmo nome aos dois processos, já que é tão grande a diferença
entre ambos?
Teeteto — Não fora justo.
Sócrates — Então, que nome dás ao primeiro, isto é, ao fato de ver, ouvir, cheirar e sentir
frio ou calor?
Teeteto — O de sensação. Qual mais poderia ser?
Sócrates — A tudo isso dás o nome de sensação?
Teeteto — Forçosamente.
Sócrates — Ao que, conforme vimos, não é dado atingir a verdade, por isso mesmo que
não nos conduz à essência.
Teeteto — Sem dúvida.
Sócrates — Como não atinge o conhecimento.
Teeteto — Não, de fato.
Sócrates — Sendo assim, Teeteto, não poderão ser a mesma coisa sensação e
conhecimento.
Teeteto — Parece mesmo que não, Sócrates. Patenteou-se-nos agora que conhecimento é
diferente de sensação.
Sócrates — Porém o fim primordial de nossa análise não visava a determinar o que
conhecimento não é, mas o que venha a ser. De qualquer forma, já avançamos o suficiente
para não procurá-lo de jeito nenhum na sensação, porém no nome que possa ter a alma
quando se ocupa sozinha com o estudo do ser.
Teeteto — Mas isso, Sócrates, segundo creio, chama-se julgar.
Sócrates — Pois tens razão, amigo, em pensar dessa maneira. Retoma o assunto desde o
começo, depois de apagar quanto ficou dito, e considera se não vês melhor do ponto em que
chegaste. E agora dize mais uma vez que é conhecimento?
XXXI — Teeteto — Dizer que tudo é opinião, Sócrates, não é possível, visto haver opinião
falsa. Mas pode bem dar-se que conhecimento seja a opinião verdadeira, o que formulo à
guisa de resposta. Mas, se com o avançar da discussão não nos parecer aceitável, como
agora, espero encontrar outra.
Sócrates — Firme, assim, Teeteto, é que convém falar; não como respondias no começo,
com tantas reticências. Continuando desse jeito, de duas fatalmente uma há de ser: ou
encontraremos o que procuramos, ou não pensaremos saber, assim de ligeiro, o que
desconhecemos em absoluto, vantagem que não é para desprezar. E agora, como te
manifestas? Havendo duas espécies de opinião, uma verdadeira e outra falsa, defines
conhecimento como opinião verdadeira?
Teeteto — Isso; é como penso neste momento.
Sócrates — E a respeito de opinião, não valeria a pena reconsiderar certa particularidade?
Teeteto — Qual?
Sócrates — Algo que me deixa perplexo, como já tenho ficado tantas vezes, e em grande
confusão comigo mesmo e com os outros, por não saber explicar o que se passa nem como
começou.
Teeteto — De que se trata?
Sócrates — Como pode ter alguém opinião falsa. Agora mesmo estou em dúvida sobre se
devemos deixar de lado essa questão ou considerá-la por maneira diferente da que fizemos
antes.
Teeteto — Por que não, Sócrates, por menos necessário que te pareça? Não faz muito, com
referência ao lazer tu e Teodoro dissestes com muita propriedade que nada nos premia
nestas lucubrações.
Sócrates — É muita oportuna a lembrança; talvez não seja fora de propósito voltar sobre
nossas pegadas e refazer o caminho andado. Vale mais conseguir pouco e bom do que
muito e imperfeito.
Teeteto — Isso mesmo.
Sócrates — E então? De que maneira nos expressaremos? Diremos que em todos os casos
classificados como de opinião falsa, sempre que um de nós tem essa opinião e o outro tem
opinião verdadeira, diremos que essa distinção se funda na natureza?
Teeteto — É o que diremos, sem dúvida.
Sócrates — Acontece, porém, que com o todo e com cada coisa em particular nos
defrontamos com a alternativa de saber ou não saber. É certo que entre ambos se encontram
o aprender e o esquecer, mas vou deixá-los de lado, pois nada têm que ver com o presente
argumento.
Teeteto — Realmente, Sócrates em tudo, essa é a alternativa que se nos impõe: saber ou
não saber.
Sócrates — Sendo assim, quando alguém forma alguma opinião seja do que for, é
inevitável que diga respeito ao saber ou ao não saber.
Teeteto — Necessariamente.
Sócrates — Pois não se concebe que quem sabe não saiba, e o inverso: saiba quem não
sabe.
Teeteto — Como fora possível?
Sócrates — Logo, quando alguém forma opinião falsa, toma as coisas que sabe, não pelo
que elas são, mas por outras que ele sabe; de onde vem que, conhecendo ambas, ignora as
duas.
Teeteto — Mas isso não é possível, Sócrates.
Sócrates — Ou então, toma o que não sabe por outra coisa que ele também não sabe, como
seria o caso de alguém que, não conhecendo nem Teeteto nem Sócrates, se pusesse a
imaginar que Sócrates é Teeteto e Teeteto, Sócrates.
Teeteto — De que jeito?
Sócrates — Ninguém chega a imaginar que o que ele sabe seja o que ele não sabe, nem o
inverso: ser o que ele não sabe aquilo que ele sabe.
Teeteto — Seria monstruoso.
Sócrates — Então, de que maneira chegará alguém a formar opinião falsa? Pois, tirante os
casos apresentados, não será possível produzir-se qualquer opinião, uma vez que, a respeito
de tudo, ou sabemos ou não sabemos, não havendo, assim, em parte alguma lugar para
opinião falsa.
Teeteto — É muito certo.
Sócrates — Quem sabe, então, se não será preferível, no estudo em que nos empenhamos,
em vez de partir da oposição: saber e não saber, fixarmo-nos na de ser e não ser?
Teeteto — Que queres dizer com isso?
Sócrates — Afirmar, simplesmente, que não pode deixar de formar opinião falsa quem
pensa o que não existe a respeito seja do que for, pense como pensar em tudo o mais.
Teeteto — Isso, também, é muito provável.
Sócrates — E agora? Que responderíamos, Teeteto, se alguém nos perguntasse: Poderá um
fazer o que dizeis, e haverá quem pense o que não existe, seja a respeito de determinada
coisa, seja de modo absoluto? A isso, como parece, responderíamos: Sim, quando acredita
em algo, e não existe o em que ele crê. Ou como diremos?
Teeteto — Isso mesmo.
Sócrates — E não haverá outro caso em que isso aconteça?
Teeteto — Qual?
Sócrates — Vendo alguma coisa, sem nada ver.
Teeteto — De que jeito?
Sócrates — Quem vê determinada unidade, vê algo existente; ou achas que a unidade
pertence à classe das coisas inexistentes?
Teeteto — De forma alguma.
Sócrates — Quem vê, portanto, uma unidade, vê o que existe.
Teeteto — É evidente.
Sócrates — E quem ouve algo, ouve uma unidade que também existe.
Teeteto — Certo.
Sócrates — Como também toca em alguma coisa quem toca em algo.
Teeteto — Isso também.
Sócrates — Quem pensa, não pensará em alguma coisa?
Teeteto — Forçosamente.
Sócrates — E quem pensa em alguma coisa, não pensa em algo existente?
Teeteto — De acordo.
Sócrates — Logo, quem pensa no que não existe, pensa em nada.
Teeteto — É claro.
Sócrates — Mas, pensar em nada é não pensar de jeito nenhum.
Teeteto — Parece evidente.
Sócrates — Não é possível, por conseguinte, pensar no que não existe, nem em si mesmo
nem em relação com o que existe.
Teeteto — Parece que não.
Sócrates — Ter opinião falsa, por conseguinte, é diferente de pensar no que não existe.
Teeteto — Diferente, parece.
Sócrates — Então, não será nem dessa maneira nem da que consideramos antes que se
formam em nós opiniões falsas.
Teeteto — Não, decerto.
XXXII — Sócrates — Porém não lhe damos esse nome, quando se forma da seguinte
maneira?
Teeteto — De que jeito?
Sócrates — Designamos como opinião falsa o equívoco de quem, confundindo no
pensamento duas coisas igualmente existentes, afirma que uma é outra. Desse modo, ele
sempre pensa em algo existente, porém põe uma coisa em lugar de outra. Assim, visar a um
alvo errado é o que com todo o direito se pode denominar opinião falsa.
Teeteto — Tenho a impressão de que tudo o que disseste está muito certo. Quando alguém
julga feio o que é bonito, ou bonito o que é feio, emite opinião verdadeiramente falsa.
Sócrates — Pelo que vejo, Teeteto, tratas-me com muito pouco caso e não tens medo de
mim.
Teeteto — Por quê?
Sócrates — Por imaginares, conforme creio, que eu iria deixar passar sem reparo aquele teu
Verdadeiramente falso, para perguntar-te se o veloz pode ser lento, ou pesado o que é leve,
e manifestar-se cada contrário, não de acordo com sua própria natureza, mas com a do seu
contrário, oposta à sua. Porém deixo passar essa oportunidade, para não decepcionar teu
desembaraço. Satisfaz-te, conforme disseste, afirmar que ter opinião falsa é tomar uma
coisa pela outra?
Teeteto — A mim satisfaz.
Sócrates — Assim, de acordo com tua opinião, é possível conceber uma coisa como
diferente, não como ela é em pensamento.
Teeteto — É possível.
Sócrates — E quando algum pensamento se engana desse jeito, não será forçoso imaginar
as duas coisas ao mesmo tempo, ou apenas uma delas?
Teeteto — Necessariamente: ou como simultâneas ou como sucessivas.
Sócrates — Ótimo! Mas por pensar entendes a mesma coisa que eu?
Teeteto — Que queres dizer com isso?
Sócrates — Um discurso que a alma mantém consigo mesma, acerca do que ela quer
examinar. Como ignorante é que te dou essa explicação; mas é assim que imagino a alma
no ato de pensar: formula uma espécie de diálogo para si mesma com perguntas e respostas,
ora para afirmar ora para negar. Quando emite algum julgamento, seja avançando devagar
seja um pouco mais depressa, e nele se fixa sem vacilações: eis o que denominamos
opinião. Digo, pois, que formar opinião é discursar, um discurso enunciado, não
evidentemente, de viva voz para outrem, porém em silêncio para si mesmo. E tu, como te
parece?
Teeteto — A mesma coisa.
Sócrates — Logo, sempre que alguém toma uma coisa por outra, diz para si mesmo,
conforme creio, que uma é a outra.
Teeteto — Como não?
Sócrates — Sendo assim, procura recordar-te se alguma vez já disseste para ti mesmo que o
belo é seguramente feio, e o injusto, justo. Ou melhor, num exemplo decisivo; se alguma
vez já procuraste persuadir-te de que uma coisa é seguramente outra, ou se, ao contrário,
nunca, nem mesmo em sonhos, tiveste a ousadia de tentar convencer-te de que o ímpar é
seguramente par, ou qualquer outra asserção da mesma espécie?
Teeteto — Tens razão.
Sócrates — E acreditas mesmo que haja alguém, ou louco ou de juízo perfeito, capaz de
tentar convencer-se de que o boi terá de ser cavalo e que dois é um?
Teeteto — Não, por Zeus.
Sócrates — Nesse caso, se julgar é discursar para si mesmo, não há quem, ao falar a
respeito de dois objetos e ao imaginá-los, e apreendendo a ambos pelo pensamento, seja
capaz de dizer ou de imaginar que um é o outro. O que me importa significar é que
ninguém imagina que o feio é belo, ou qualquer outra coisa do mesmo gênero.
Teeteto — Aceito, Sócrates, tudo isso, pois sou dessa mesma opinião.
Sócrates — Quem pensa, pois, em ambos, não pode tomar um pelo outro.
Teeteto — Exato.
Sócrates — Por outro lado, se essa pessoa pensar num, sem cogitar absolutamente do outro,
não haverá jeito de imaginar que um é o outro.
Teeteto — Tens razão; eqüivaleria a fixar o pensamento no que está ausente dele.
Sócrates — Logo, quer se pense nos dois, quer num apenas, não será possível tomar um
pelo outro. Quem define, por conseguinte, opinião falsa como troca de representação, não
diz coisa com coisa. Não é desse modo nem das maneiras consideradas antes que se
formam em nós opiniões falsas.
Teeteto — Parece mesmo que não é.
XXXIII — Sócrates — No entanto, Teeteto, se não admitirmos semelhante possibilidade,
seremos forçados a aceitar um sem-número de absurdos.
Teeteto — Quais são?
Sócrates — Não tos direi, enquanto não analisarmos o problema sob todos os seus
aspectos; sentir-me-ia envergonhado por nós dois, se nesta perplexidade fôssemos
obrigados a admitir o que vou dizer. Porém se encontrarmos a solução procurada e
conseguirmos sair deste apuro, livres, de todo, do ridículo, poderemos falar de quem se
encontre em situação idêntica. Porém se falharmos, acho que precisaremos revestir-nos de
humildade e deixar que o argumento nos pise e faça conosco o que quiser, como acontece a
bordo com os passageiros atacados de enjôo. Só vejo um caminho para nos livrarmos deste
cipoal. Escuta.
Teeteto — Podes falar.
Sócrates — Nego que estivéssemos certos quando admitimos não ser possível tomar o que
se sabe pelo que não se sabe e, desse modo, enganar-se. No entanto, de um jeito ou de outro
isso é possível.
Teeteto — Falas do que eu já havia suspeitado, quando tratamos dessa questão, no caso, de
conhecendo Sócrates, ver de longe outra pessoa desconhecida para mim e imaginar que é
Sócrates, a quem conheço. Passa-se nesse exemplo exatamente o que disseste.
Sócrates — Porém já não afastamos essa explicação, por implicar o absurdo de sabermos e
de não sabermos, ao mesmo tempo, aquilo que sabemos?
Teeteto — Perfeitamente.
Sócrates — Não ponhamos, pois, a questão nesses termos, mas nos seguintes; com isso,
talvez concordem conosco, talvez protestem com veemência. Na apertura em que nos
encontramos, forçoso nos será volver os argumentos de todos os lados e pô-los à prova. Vê
se o que eu digo tem algum sentido. É possível aprender-se alguma coisa que antes se ignorava?
Teeteto — Sem dúvida.
Sócrates — E depois mais outra, e outra mais?
Teeteto — Por que não?
Sócrates — Suponhamos, agora, só para argumentar, que na alma há um cunho de cera;
numas pessoas, maior; noutras, menor; nalguns casos, de cera limpa; noutros, com
impurezas, ou mais dura ou mais úmida, conforme o tipo, senão mesmo de boa
consistência, como é preciso que seja.
Teeteto — Está admitido.
Sócrates — Diremos, pois, que se trata de uma dádiva de Mnemenosine, mãe das Musas, e
que sempre que queremos lembrar-nos de algo visto ou ouvido, ou mesmo pensados
calcamos a cera mole sobre nossas sensações ou pensamentos e nela os gravamos em
relevo, como se dá com os sinetes dos anéis. Do que fica impresso, temos lembrança e
conhecimento enquanto persiste a imagem; o que se apaga ou não pôde ser impresso,
esquecemos e ignoramos.
Teeteto — Terá de ser assim mesmo.
Sócrates — Vê agora se não pode ajuizar falsamente o indivíduo que dispõe desse
conhecimento, ao considerar alguma coisa que ele tivesse visto ou ouvido. É do seguinte
modo.
Teeteto — De que jeito?