Continuamos pensantes e produzindo ideias - parte III - Final

Neste último texto da série busco exemplificar de maneira simples e citando ações concretas, o que seria uma sociedade humana preocupada com o bem estar de todos, que conseguisse harmonizar práticas até aqui consideradas antagônicas pelos autores dos livros que analisaram o capitalismo, o socialismo e o comunismo. Como preâmbulo, repito meu comentário (levemente modificado) no Blog do Fernando Henrique Cardoso onde ele discorreu sobre “Corrupção institucionalizada”:

“Além da corrupção há outras atitudes tão nefastas quanto, institucionalizadas. Precisamos perceber que quem realmente governa as nações não são suas instituições e governos democraticamente eleitos, não importa se de direita, esquerda ou centro. É necessário vislumbrar que a influência do poder econômico legisla em causa própria e conduz por meio de expedientes diversos quase todos os atos dos governantes, do legislativo, do judiciário e das outras esferas. É uma situação em que o povo, as instituições e os governos estão engessados dentro da mesma camisa de força imposta pelo interesse do único patrão invisível porque sem rosto, e disseram que sua mão também é invisível, o poder econômico do capital acumulado. Governos e instituições estão se tornando literalmente reféns de uma ideologia baseada em crescimento econômico contínuo, aumento do consumo e distribuição mínima da renda na base da pirâmide. Incentiva-se consumir para garantir a geração de empregos, se o consumo diminuir aumenta-se o crédito e a dívida daqueles que mantêm o sistema em funcionamento para que o sistema se perpetue. Estão errados os corruptos e os corruptores, mas nossa vitória contra eles não será uma vitória contra os outros erros deste mesmo sistema. E não pensem que estou propondo substituir o capitalismo pelo socialismo, pelo comunismo ou qualquer das vertentes destes. Estou apontando a necessidade de se pensar e projetar um novo sistema, livre dos defeitos de todos estes que já foram testados e declarados incapazes de resolver as questões mais básicas e elementares da humanidade.”

Infere-se pelo meu comentário que insisto bastante sobre a necessidade de se pensar novos paradigmas e novas maneiras de convívio humano, modificando principalmente as relações entre trabalhadores e patrões; entre capital e governos; entre capital e força de trabalho; apontando e promovendo alterações nas relações comerciais entre produtores e consumidores de mercadorias e serviços; realizando uma transição pacífica e paulatina da propriedade privada para coletiva.

Antes que alguém vá bombardear esta minha proposta como usualmente se faz, classificando-a de utopia, sonho irrealizável, quero afirmar que alguns lampejos deste tipo de sociedade que proponho já existem aqui e acolá, mas não foram fenômenos devidamente analisados nem estudados cientificamente visando sua implantação geral em benefício da humanidade. Ficou-se no mero ato de admirar e escrever algumas linhas enaltecendo e elogiando o agir daqueles que além de pensar, implantaram no micro-cosmo ao seu redor o verdadeiro estado de bem estar para si e para os outros.

Refiro-me a pessoas de carne e osso, empresários que não sucumbiram à ganância desmedida, tiveram uma antevisão da sociedade perfeita e a coragem de mostrar a possibilidade e a relativa facilidade de se construir um mundo melhor sem necessidade de grandes revoluções ou da troca constante dos representantes na esperança de que num dia qualquer, por milagre divino, eles irão construir a legislação que resultará na redenção de tudo e de todos.

Escreverei um parágrafo sintético sobre cada um destes homens, recomendando ao leitor uma pesquisa detalhada sobre suas vidas, atitudes, pensamentos e maneiras de agir que modificaram e ainda modificam verdades tidas como imutáveis.

José Ephim Mindlin (1914-2010) advogado, empresário, fundador da Metal Leve, uma potência nacional no setor de peças para automóveis, disse ao doar mais de 40.000 exemplares de livros para a USP: “Nunca me considerei o dono desta biblioteca. Eu e Guita (esposa dele também já falecida) éramos os guardiões destes livros que são um bem público.”

“José Mindlin constitui-se em exemplo multifacetário de brasileiro. Intelectual primoroso, preocupado não unicamente com o seu próprio aperfeiçoamento, mas também com a disseminação da cultura entre os seus concidadãos. Empresário de visão e de sucesso, obteve respeito nacional e internacional. Democrata intransigente, firme, mas sem radicalismos. Sua virtude principal, entretanto, foi cultivar a bonomia, a simplicidade e a abertura para com o próximo. Isso fez dele uma pessoa ímpar, que encantava os que dele se aproximavam.

Para a comunidade uspiana, além da valiosíssima Biblioteca Brasiliana, deixou o mandato de juntar tradição e modernidade: restaurar e guardar os livros, digitalizando-os para permitir acesso a todos. O maior monumento à sua memória será, paulatinamente, digitalizar todo o acervo bibliográfico e documental da USP, passível de sê-lo, para maximizar a pesquisa, coibir o plágio e, mesmo, para o mero deleite intelectual.” Palavras do Reitor da USP

Ricardo Frank Semler (1959) empresário de sucesso, que modificou conceitos na empresa do pai, conseguindo alcançar crescimento vertiginoso da mesma, permitindo a participação dos funcionários nas decisões e preocupando-se que os mesmos também usufruíssem dos resultados desse crescimento. Atualmente, como um dos seus negócios alternativos há a escola Lumiar, adepta da pedagogia libertária, um sistema de ensino inspirado nos princípios de liberdade e democracia do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau. Em 2002, Semler valeu-se de um casarão da década de 30, nos arredores da avenida Paulista, em São Paulo, para montar a instituição. As escolas libertárias têm em comum a participação dos estudantes na gestão, a ausência de hierarquia, de provas e de boletins e o livre aprendizado. Nelas, cabe ao professor apenas guiar as crianças na descoberta dos próprios interesses. (imaginou um Ricardo Semler como ministro da Educação Brasileira?)

Oded Grajew (Tel-Aviv, 1944) é um empresário israelense, naturalizado brasileiro, com importante atuação no terceiro setor. Defende a responsabilidade social da empresa e a maior interação entre as empresas e o movimento social. Em 1989, participou do grupo fundador e foi o primeiro coordenador-geral do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE). Atualmente Oded Grajew é coordenador geral do Movimento Nossa São Paulo, criado pelos fundadores e conselheiros do Instituto Ethos. Pretende-se mobilizar a sociedade na busca por uma administração socialmente responsável e oferecer um bom exemplo ao Brasil. Hoje, são 600 entidades filiadas, 6 mil cidadãos cadastrados e 32 cidades espalhadas pelo país com movimentos semelhantes. De Bogotá, o Movimento Nossa São Paulo trouxe a chamada Lei das Metas ─ programa que lista as carências da cidade e pressiona a administração pública para supri-las. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab tem uma relação de 223 metas para cumprir. A população pode acompanhar cada etapa do processo pela internet. Para Grajew, presidente emérito do Instituto, isso é o começo de uma revolução política.

Então eu pergunto: quantos talentos como Midlin, Semler e Grajew estão sendo desperdiçados nas sociedades do mundo inteiro, tolhidos em seus horizontes, relegados ao ostracismo por um sistema que só reconhece o valor do ser humano quando este valor se encaixa dentro das leis de mercado e do sistema que exige o lucro exorbitante para alguns em detrimento do bem estar dos demais?

Quando construiremos uma sociedade mais perfeita que a atual, iniciando nossa jornada pelo reconhecimento das necessidades humanas e objetivos a atingir, renegando todas as in-verdades com as quais emprenharam a mente de muitos de nós e embotaram a capacidade da maioria em gestar novas idéias voltadas para a construção do bem comum?

A “esperteza” existente dentro de cada um, comumente denominada de “jeitinho brasileiro”, instalada no íntimo de cada pessoa que se considera um capitalista esperto, precisa ser substituída pelo desejo de ser cidadão ético, honesto e cumpridor dos seus deveres conforme a consciência de cada um aponta. Mas essa substituição, em quase todos os brasileiros ao mesmo tempo só será possível quando o sistema que interfere diuturnamente na formação dos pensamentos for substituído por outro que interfira trazendo de volta a liberdade de pensar, existir e produzir ideias próprias e livres do medo da inexistência do almoço de amanhã, por absoluta falta do vil metal para comprá-lo.

Disseram em livro que não existe almoço grátis não é mesmo? É mentira. Toneladas de alimentos são queimados anualmente para equilibrar a oferta com a demanda e manter o preço lá no alto. Enorme quantidade de comida é descartada no lixo diariamente por causa do prazo de validade vencido ou porque a lei responsabiliza o doador pelo bem estar do alimentado com doações de comida pronta.

Vamos pensar sobre isso? Vamos descobrir outras in-verdades capitalistas?