VALORES - O Porquê da Ética

Um velho fantasma nos revisita, remoçado e com novos adereços. Não mais para nos reprimir, como na nossa infância, nem para falar em nome de Deus, como no passado, mas para semear novas esperanças. Quem diria, a discussão sobre ética moral invadiu a sociedade e transformou profundamente a vida política e social do nosso País.

Por todos os cantos, desde os meios de comunicação social até nas empresas privadas, passando pelas universidades, a ética é um tema corrente. As inúmeras conferências internacionais sobre ecologia, fome, direitos da mulher são exemplos significativos da necessidade de uma mudança ética nos vários campos da vida social.

Ao mesmo tempo em que a ética se torna um assunto cada vez mais amplo e destinado a um público crescente, as reflexões teóricas continuam muito restritas aos espaços estritamente acadêmicos. Os textos, em sua maioria, vêm da área de filosofia e são complexos demais para pessoas não iniciadas. Ou, então, são textos que tratam da ética profissional de uma determinada área, como a ética médica, o que não atende também a um público mais amplo.

Acreditamos que é preciso Inovar e ousar. Produzir livros que sejam acessíveis aos não-iniciados, sem cair no superficialismo. Amplos o suficiente para contextualizar a discussão sobre a ética e dar conta das diversas Implicações que a envolvem na relação com os diversos aspectos da vida em sociedade, sem ser extensos e cansativos. Foi isso que tentamos fazer.

(...)Para começo da conversa.

"Que devo fazer?" "Será que é correto fazer isso?" "O mundo não deveria ser assim" ou "Por que o mundo é assim?"... Quem nunca fez este tipo de pergunta? Constantemente nos vemos diante de situações ou problemas que nos levam a fazê-las. Isso é tão "normal" que nunca, ou dificilmente, nós paramos para pensar sobre o ato mesmo de fazer estas perguntas. Simplesmente perguntamos, sem nos questionarmos por que as fazemos; elas fazem parte do nosso cotidiano, da nossa "normalidade".

Uma das coisas importantes na vida em sociedade é exatamente saber responder bem este tipo de pergunta. Diante de um amigo em perigo devo ajudá-lo, mesmo correndo riscos? Ou então, quando um amigo está se "afundando" em drogas, posso e devo "me intrometer" em sua vida, ou cada um "sabe o que faz", e devo me manter Indiferente? Haveria algum caso em que seria certo atravessar um sinal vermelho? Em que casos Isto seria absolutamente incorreto?

Frente ao problema dos menores abandonados ou da corrupção no mundo político e econômico, devo tomar alguma atitude ou simplesmente manter-me alheio a estas coisas e cuidar dos meus Interesses? Respostas a este tipo de questões vão determinando o rumo e os passos concretos das nossas vidas.

O problema é que não estamos multo acostumados a refletir sobre estas questões. Na maioria das vezes respondemos de uma forma quase que instintiva, automática, reproduzindo alguma fórmula ou "receita" presente no nosso meio social. Geralmente seguimos as normas da sociedade ou do nosso grupo social, e, assim, nos sentimos dentro da normalidade. E isso nos dá a segurança e o alívio de não termos que nos responsabilizar por alguma atitude ou ações diferentes das tomadas por outros.

Moral e ética

As normas da sociedade que estamos falando aqui têm muito a ver com os valores morais. Elas são os meios pelos quais os valores morais de uma sociedade são expressos e adquirem um caráter normativo, isto é, obrigatório. Normas, normativo, normal, moral e costumes são palavras que estão interligadas em torno da questão que estamos analisando.

Aliás, a palavra moral vem do latim mos (singular), e mores (plural), que significa costumes. Por Isso, muitos utilizam a expressão "bons costumes" como sinônimo de moral ou moralidade.

Quando todos aceitam os costumes e os valores morais estabelecidos na sociedade não há necessidade de muita discussão sobre eles. Mas quando surgem questionamentos sobre a validade de determinados valores ou costumes, surge a necessidade de fundamentar teoricamente estes valores vividos de uma forma prática; e, para aqueles que não concordam, a de criticá-los. Aqui aparece o conceito ético, que vem do grego ethos, modo de ser, caráter.

De modo geral é comum usar o conceito de ética e moral como sinônimos ou, quando muito, a ética é definida como o conjunto das práticas morais de uma determinada sociedade, ou então os princípios que norteiam estas práticas.

Quando se diferencia a ética da moral, geralmente visa-se distinguir o conjunto das práticas morais cristalizadas pelo costume e convenção social dos princípios teóricos que as fundamentam ou criticam. O conceito ético é usado aqui para se referir à teoria sobre a prática moral. Ética seria então uma reflexão teórica que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral (dimensão prática).

Não é raro na história o surgimento de filósofos ou profetas que propõem um sistema ético criticando a moral vigente e propondo uma revolução nos valores e normas estabelecidas da sociedade. Sócrates, por exemplo, questionou com a sua filosofia os valores da democracia ateniense, e Jesus com a sua prática e ensinamento criticou profundamente a moral judaica do seu tempo. É nesse sentido, de crítica da moral estabelecida, que estaremos utilizando o termo ético.

Esta experiência de se rebelar diante de uma prática ou valor moral não é exclusiva dos grandes filósofos ou profetas. Todos nós a vivemos ou podemos vivê-la. Basta não estarmos totalmente domesticados pelos valores morais vigentes para discordarmos de algumas ou muitas coisas que vemos ao nosso redor. E a experiência de "estranhamento" frente à realidade, de sentir-se estranho (fora da normalidade) diante do modo como funciona a sociedade, ou até mesmo em relação ao modo de ser e agir de outrem. É a descoberta da diferença entre o que é e o que deveria ser: a experiência ética fundamental.

Autores: Jung Mo Sung e Josué Cândido da Silva

Livro: Conversando Sobre ética.

Ed.: Vozes.