Westerley
ME REFUTEI até quando pode suportar minha razão, até ceder às forças de minhas paixões que insistiam em externar minhas inquietações mais íntimas. Conquanto, não posso mais evitar dize-las a todos, do modo que as vejo e sinto, pois são elas responsáveis pelo que sou e penso de mim mesmo.
Esta carta é especial por estar nela, talvez, os fundamentos psicológicos e principalmente ontológicos de todas as outras. Não direi de quem sou, mas de como sou quem sou.
Mas que pode isso interessar a alguém?
Não sei, só sei que pode haver quem sofra do mesmo mal que me acompanha intimamente, o de saber como fui impelido a ser quem sou pelas circunstancias de uma formação desregrada e abandonada ao acaso de modo irresponsável, por quem não sabia sequer cuidar de si mesma e, não alcançando a propriedade do ser mãe, utilizou mesmo assim deste título para se manter servida em suas vaidades individuais e excêntricas as vezes tragicômicas, as vezes paranóicas.
A tragédia grega já nos apresentou sua progenitora mais conhecida que para se vingar de seu amado que o abandonara, alimentou a perversidade de seu espírito com o gosto do sadismo e do masoquismo impelidos na relação com seus próprios filhos. Devorando-os aos próprios dentes.
Quem sabe esses escritos que são mais a expressão dos conflitos humanos que propriamente dos meus, encontrem quem a partir deles, reflita sobre si mesmo e até alcance ao menos, meios para evitar o sofrimento perene que comumente são passados de geração a geração, de mães para filhos e de filhos para filhos, por falta, creio de refletir sobre eles?
É assim que estes escritos me servem. È esta a intenção primeira de todo eles, provocar a reflexão de si, do outro, do mundo e de nossas relações neste espaço de conflitos para que através dessa reflexão, quem sabe, encontremos um modo de entender como se é cada um de nós, por que somos o que somos e para que estamos aqui neste palco das vicissitudes eternas.
É nesse sentido que esses escritos podem interessar a alguém. Se assim for, já valeu a pena me dedicar a eles com tanta sinceridade de sentimentos.
Longe de ser uma pretensão antropológica ou mesmo ontológica sobre o homem, mas perto de ser uma provocação, um estímulo para se pensar sobre si mesmo no mundo dos homens digo de como me percebo neste mundo.
O vulgo poderá me condenar pelo que vou dizer, mas como sabe bem quem me seguiu até aqui, digo sempre o que sinto porque o que sinto é sempre o que vivo. Não na intenção de que seja a verdade, mas com a certeza de que é toda a verdade dos meus sentimentos.
Feitas essas advertências iniciais, digo que ao contrário do que se pensa, nem toda progenitora é mãe, assim como nem toda mãe é a progenitora.
Entendo mãe como sendo uma atitude. Ser mãe é antes de um título de família, dado por uma presunção social de que a progenitora desde a gestação, assumirá uma nova atitude perante si mesma, a sociedade e ao outro imediato que é seu filho. O filho gestado traz consigo, o título de mãe que invariavelmente, nasce antes dele mesmo.
E o que exige este novo título? Que a progenitora assuma uma nova atitude perante a vida, pois, agora, em geral, uma outra vida dependerá dela em boa parte. Por isso, é preciso um novo olhar sobre si mesma, o mundo e o outro e este novo olhar, será eterno e conduzirá de agora em diante toda sua atitude e relação com o outro e com o mundo. O olhar e a titude serão agora, maternos.
Ser mãe então exige uma mudança de atitude; primeiro consigo mesma. É preciso que se pense e aja não só como mulher mas, acima de tudo como mãe. Não fui eu quem determinou esta regra, foi a natureza.
A mãe deixa de ser um indivíduo simples e passa a ser “duo”, passa a ser um indivíduo composto. Não se é mais um, agora, se é dois e, não estou falando de partes como se pensa no senso comum; meu filho é parte de mim, é mais que isso, o filho sou eu fora e diferente de mim. É um outro Eu que me torna duo sendo um.
Esta visão faz com que, a mãe na atitude materna, ponha o filho como número um na escala de prioridade da existência, acima da própria existência inclusive.
Pois, ele seu filho, agora é ela também e, alem disso, é ele mesmo. Logo, entre ela mesma e o filho, a mãe numa atitude materna deve sempre e em qualquer caso, escolher o filho à ela própria. Esta é uma atitude materna.
Esta atitude exprime uma outra visão de si, diferente das demais, que só a mãe pode ter. É a essência do ser mãe, é o ser da mãe. Por isso, a mãe sente o sofrimento e as dores do filho e prefere senti-las por ele. Por isso também, a mãe se felicita com a felicidade do filho e viceja os prazeres dele. Isso porque, para a mãe a realização plena do filho é em essência, a sua própria.
Deste modo a mãe numa atitude materna, protege o filho contra todo sofrimento, ainda que signifique o seu próprio, protege-o contra toda dor, ainda que cause alguma a si mesma, defende a existência e a felicidade do filho ainda que lhe custe a sua própria.
Estes são efeitos da mudança de atitude com relação a si mesma.
Outra mudança causada pela atitude materna, é com relação ao outro. E o primeiro e singular outro é o próprio filho.
O filho é o outro mas, não é um outro qualquer, ele é para a mãe em atitude materna, o seu Eu no outro. O que ela vê no filho, é o outro Eu dela própria. - Este outro que é meu filho, sou Eu e é ele próprio.
Esta nova visão do outro coloca a mãe em um estágio superior entre todos os mortais, é como se ela tivesse morada no olimpo , isso por que ela mesma passa a ver os outros indivíduos não só como pessoas, seres humanos comuns, mas com um olhar de solidariedade materna digna apenas ao espíritos iluminados.
O outro que não é seu filho, passa a ser visto como o filho de alguém, naquele outro inicialmente estranho, há também, uma identidade materna por ser ele o filho de uma igual, de uma outra mãe.
Há para a mãe em atitude materna, naquele outro que ali sofre no frio da calçada, não um mendigo, há para esta mãe, naquele que sofre as dores de uma doença e a solidão dos leitos de um hospital, não um enfermo. Há para esta mãe, naquele que rouba e é trancafiado nas celas frias do esquecimento, não um ladrão ou um condenado, há para a mãe em todos estes outros, o sofrimento e a amargura de uma outra mãe, por não ter podido evitar o sofrimeto de seu filho. Ela se condói com a dor dele como se fosse ela própria sua mãe e clama por compaixão e perdão sentimentos dignos apenas aos deuses. Por isso ser mãe é compartilhar da compaixão divina.
Já a progenitora, esta é a que pariu a cria e não absorveu em suas atitudes perante a si, ao outro e ao mundo, a atitude de ser mãe.
A progenitora ao contrário da mãe, se vangloría de ter dado a luz e até alimentado sua cria, não por sentimento materno que é de solidariedade mas, por autodefesa que é um individualismo. Em outros termos: a progenitora pensa antes em si própria, defende antes seus interesses próprios, quer antes o seu bem mesmo que isso signifique o mal e o sofrimento daquele que ela deu a luz.
A progenitra usa do título de mãe vindo da gestação de sua cria, para se beneficiar, ainda que isso custe o malefício, a vida ou a felicidade daquele que chama de filho.
Ser mãe para a progenitora não é amar é sim ser amada pelos seus, mas não um amor de sentimento apenas mas um “amor” que lhe gere algum lucro ou vantagem, pois para a progenitora sua cria é um eterno devedor e deve pagar-lhe por ter sido ela sua progenitora.
Toda esforço da progenitora é para que sua cria cuide dela, a proteja, a sustente, se submeta aos seus desejos, caprichos, vaidades e vontades pois, sua cria é seu servo-eterno e lhe deve um favor hereditário, o de ter nascido de suas entranhas.
Sem compreender bem a dimensão de ser mãe a progenitora troca Olimpo pelo Hades e lá, mantêm aprisionada todas suas crias até sugar delas a última gota de sua existência.
E aquele que ousar a se desvencilhar das amarras da dominação e do extermínio de seu ser por parte de sua progenitora, será para sempre amaldiçoado por esta que jamais admitirá perder um de seus servos-eterno pois ela precisa alimentar suas avarezas, se alimentando da própria vida destes e para isso usa das armas dos covardes que são as únicas que dispõe os ímpios; a chantagem quase sempre emocional, a mentira que provoca a injustiça e o sufrimento dos outros e a falta de autocrítica, que a impede de perdoar e ter compaixão, primeiro consigo mesma, depois para com os outros.
Todos estes elementos impedem a progenitora de ser mãe, ainda que use as benesses de ser, o que acaba por distanciá-la de seus filhos e do filho de Deus.
Abril/2008
[Inacabada]