Norberto Bobbio

SOBRE NORBERTO BOBBIO

Por Paulo Silvino Ribeiro

Norberto Bobbio (1909-2004) foi um dos maiores politógos do século XX. Dentre sua extensa obra, deixou uma importante contribuição à Ciência Política: seu livro Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos Clássicos. Este texto tentará abordar ligeiramente algumas considerações sobre o conceito de política na visão desse autor.

A palavra política deriva de politikós, do grego, e diz respeito àquilo que é da cidade, da pólis (na Grécia Antiga), da sociedade, ou seja, que é de interesse do homem enquanto cidadão. Já na Grécia Antiga, um dos primeiros a tratar da política como uma prática intrínseca aos homens foi Aristóteles, com seu livro A Política.

Ao longo do tempo, o termo política deixou de ter o sentido de adjetivo (aquilo que é da cidade, sociedade) e passou a ser um modo de “saber lidar” com as coisas da cidade, da sociedade. Assim, fazer política pode estar associado às ações de governo e de administração do Estado. Por outro lado, também diria respeito à forma como a sociedade civil se relaciona com o próprio Estado.

Mas para Norberto Bobbio, falar em política enquanto prática humana conduz, consequentemente, a se pensar no conceito de poder. O poder estaria ligado à ideia de posse dos meios para se obter vantagem (ou para fazer valer a vontade) de um homem sobre outros. Assim, o poder político diria respeito ao poder que um homem pode exercer sobre outros, a exemplo da relação entre governante e governados (povo, sociedade). Contudo, ao falar em poder político, é preciso pensar em sua legitimação. Podemos ter poderes políticos legitimados por vários motivos, como pela tradição (poder de pai, paternalista), despótico (autoritário, exercido por um rei, uma ditadura) ou aquele que é dado pelo consenso, sendo este último um modelo de governo esperado. O poder exercido pelo governante em uma democracia, por exemplo, dá-se pelo consenso do povo, da sociedade. No caso brasileiro, o poder da presidenta é garantido por que existe um consenso da sociedade que o autoriza e, além disso, há uma Constituição Federal que formaliza e dá garantias a esse consenso.

Conforme nos mostra Norberto Bobbio (2000), há uma tipologia moderna das formas de poder, como poder econômico, poder ideológico e poder político, sendo que este último seria aquele no qual se tem a exclusividade para o uso da força. Nas palavras de Bobbio (ibidem, p. 163), “o poder político, enfim, funda-se sobre a posse dos instrumentos através dos quais se exerce a força física (armas de todo tipo e grau): é o poder coativo no sentido mais estrito da palavra”. Contudo, Norberto Bobbio também aponta que não é apenas o uso da força, mas sim seu monopólio, sua exclusividade, que tem o consentimento da sociedade organizada. Em outras palavras, será uma exclusividade de poder que pode ser exercida sobre um determinado grupo social, em determinado território.

Outro aspecto importante para Bobbio sobre a política é que sua finalidade ou seu fim não pode se resumir apenas em um aspecto, pois “[...] os fins da política são tantos quantas forem as metas a que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias” (ibidem, p. 167). Porém, um fim mínimo à política (enquanto poder de força) é a manutenção da ordem pública e a defesa da integridade nacional. Essa finalidade é mínima para a realização de todos os outros fins do poder político. Porém, é importante se atentar para o fato de que o poder político não pode ter como finalidade o poder pelo poder, pois se assim fosse perderia o sentido.

Norberto Bobbio, citando Carl Shmitt, também fala da ideia de política como relação amigo-inimigo, dizendo que “o campo de origem e de aplicação da política é o antagonismo, e sua função consistiria na atividade de agregar e defender os amigos e de desagregar e combater os inimigos” (ibidem, p. 170). No debate de ideias para se pensar a ordem social, essa oposição é fundamental, contudo, apenas esse nível de antagonismo pode ser tolerado pelo Estado, uma vez que a extrema divisão ou situação de conflito entre aqueles que compõem uma sociedade poderia levar ao caos.

No exercício de compreensão do conceito de política, deve-se considerar que na filosofia política moderna aquilo que é político não necessariamente coincide com o social, pois, ao longo da história, as outras esferas da vida foram se separando do Estado, a exemplo do poder religioso e do poder econômico. Na visão de Bobbio, a política restringe-se à esfera do Estado, instituição esta responsável pela ordem social. Para Bobbio, “enquanto a filosofia política clássica está alicerçada sobre o estudo da estrutura da pólis e das suas várias formas históricas ou ideais, a filosofia política pós-clássica caracteriza-se pela contínua tentativa de uma delimitação daquilo que é político (o reino de César) em relação àquilo que não é político (seja ele o reino de Deus ou o reino das riquezas), por uma contínua reflexão sobre aquilo que diferencia a esfera da política da esfera da não política, o Estado do não Estado...” (ibidem, p. 172).

O processo de emancipação da sociedade no sentido de seu “funcionamento” sem a presença do Estado poderia levar ao fim da política enquanto ação coercitiva para coesão social. Em outras palavras, se a sociedade conseguisse manter sua ordem sem o poder político (que usa da força), ela não precisaria mais do Estado.

Nesse mesmo livro, Bobbio também fala da relação entre política e moral, uma vez que ambas estão ligadas à ação (à práxis) humana. Porém, aquilo que fundamenta ou motiva, ou aquilo que é permitido ou proibido, nem sempre tem o mesmo sentido para a política e para a moral. Segundo Bobbio, pode haver “ações morais que são impolíticas (ou apolíticas) e ações políticas que são imorais (ou amorais)” (ibidem, p. 174), distinção esta que, aliás, já se fazia presente na obra de Nicolau Maquiavel. Dessa forma, seria preciso considerar que existem razões e ações do Estado que são justificadas quando por ele praticadas, mas jamais permitidas a um indivíduo. A política seria a razão do Estado, enquanto a moral seria a razão do indivíduo. Assim, seria preciso pensar na autonomia da ação política, a qual é motivada por razões que não são as mesmas da ação individual.

Em suma, dessa breve explanação sobre alguns aspectos da obra citada de Norberto Bobbio, pode-se inferir que, em linhas gerais, sua posição tenta compreender a política como “atividade ou conjunto de atividades que têm de algum modo, como termo de referência, a pólis, isto é, o Estado” (ibidem, p. 160).

Paulo Silvino Ribeiro

Colaborador Brasil Escola

Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

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Norberto Bobbio

18/10/1909, Turim (Itália)

09/01/2004, Turim (Itália)

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

"Cada vez sabemos menos". A frase é de um dos grandes pensadores do século 20, Norberto Bobbio. Formado em filosofia e em direito, foi professor universitário e jornalista - e um apaixonado pela teoria política e pelos direitos individuais. Na Itália dos anos 1940, mergulhada na Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), Bobbio fez parte do movimento da Resistência: ligou-se a grupos liberais e socialistas que combatiam a ditadura do fascismo.

Para quem não sabe, o movimento fascista foi fundado por Benito Mussolini, em 1922 e se baseava na crença de superioridade de uma "raça" sobre as demais, além de governar autoritariamente com um regime baseado na perda das liberdades individuais e na violência. Por suas idéias, o filósofo foi preso duas vezes, em 1942 e em 1944 - no intervalo entre as duas prisões, casou-se com Valeria Cova. O casal teria três filhos e viveria junto por quase 60 anos.

A decisão de não concorrer a cargos na política de seu país não impediu Bobbio de influenciá-la ativamente, sempre presente e participante. Professor emérito das universidades de Turim, Paris, Buenos Aires, Madri e Bolonha, o filósofo foi um ponto de referência no debate intelectual e político de seu tempo - e continua a ser para todos que defendem a democracia. Autor de mais de vinte obras, foi nomeado senador vitalício pelo presidente italiano Sandro Pertini, em 1984, que escreveu a Valéria: "Diga a ele que suas idéias são iguais às minhas".

O pensador se autodefinia como um militante da razão. Costumava dizer que embora o homem moderno tenha desvendado milhões de coisas que eram desconhecidas dos antigos, o mundo de hoje é cada vez mais incompreensível, menos transparente. Bobbio sempre defendeu o individualismo diante do Estado. Isso significa que ele acreditou e lutou contra as ditaduras, para que a liberdade de cada pessoa tivesse mais valor que a autoridade do governo de qualquer país quando esta é excessiva. Por esse motivo, considerava a criação dos tribunais para julgar crimes de guerra a maior conquista do seu século.

Sua vasta obra estuda a filosofia do direito, a ética, a filosofia política e a história das idéias. Nela se discutem as ligações entre razões de Estado e democracia, além de temas fundamentais, como a tolerância, relacionada ao preconceito, ao racismo e à questão da imigração na Europa atual, obrigada a conviver com diferentes crenças religiosas e políticas. Bobbio acreditava que a democracia precisa de cidadãos comprometidos com o combate a todo tipo de preconceito e com a prática diária da tolerância.

A ética é apontada pelo intelectual italiano como um requisito indispensável para uma saudável relação entre a moral e a política. A ética é um ramo da filosofia que estuda a natureza do que se considera ser o bem, adequado e moralmente correto.

O jornal francês "Le Monde" chamou Bobbio de "mâitre-à-penser" (mestre do pensamento) do século 20, no mesmo patamar de Raymond Aron e Jean Paul Sartre. Mas ele não fazia questão de ser chamado de ateu (que não crê em Deus), como muitos dos intelectuais. Costumava dizer que havia se afastado da igreja, não da religião.

Numa entrevista em abril de 2000, ao jornal italiano "La Repubblica", o filósofo disse: "Quando sinto ter chegado ao fim da vida sem ter encontrado uma resposta às perguntas últimas, a minha inteligência fica humilhada, e eu aceito esta humilhação, aceito-a e não procuro fugir desta humilhação com a fé, por meio de caminhos que não consigo percorrer. Continuo a ser homem, com minha razão limitada e humilhada: sei que não sei. Isso eu chamo de minha religiosidade".

Bobbio morreu como viveu, com grande dignidade, instruindo os médicos a não intervir para tentar prolongar sua vida.

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