A crítica construtiva (sobre Ayn Rand)

Do blog de Sergio Oliveira Jr.

Isaac Newton descreveu de forma bela as leis que regem os movimentos dos corpos. Seja uma maçã ou um planeta, as fórmulas de Newton possibilitaram prever a posição de objetos em movimento com precisão. Não é a toa que ele se encontra entre as mentes mais brilhantes do século XVII. Até que no início do século XX surgiu Albert Einstein que afirmou que as coisas não eram tão simples assim, ou melhor, que a teoria de Newton não era precisa, que falhava em certas situações (corpos que se movem muito rapidamente) e que podia ser melhorada. Qual foi a reação inicial de praticamente toda a comunidade científica? Naturalmente Einstein foi tachado de maluco, ignorante, arrogante, inocente, etc. Afinal quem era ele para confrontar as idéias estabelecidas de Sir Isaac Newton?

“Antes de 1908, a resposta para a Teoria da Relatividade nos Estados Unidos foi ignorá-la. (…) Após 1908, os cientistas começaram a responder a Einstein. A maioria ridicularizou a sua teoria como absurda. O clímax desses tipos de comentários veio em 1911 no encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência quando W. F. Magie, no seu discurso presidencial, clamou pelo retorno a Newton.” (*)

Contei essa historinha para ilustrar a importância da crítica. Não da crítica DESTRUTIVA que muitos fizeram a Einstein, mas da crítica que Einstein corajosamente fez a Newton. A crítica construtiva é aquela que acende uma pergunta em nossa mente: “Será que olhando por esse lado ele pode ter razão?“. Já a crítica destrutiva é aquela que enfatiza a vaidade e a inveja de quem critica, adicionando muito pouco ao debate.

Recentemente li um artigo em Veja sobre Ayn Rand e sua filosofia (A papisa do liberalismo) que trazia algumas críticas construtivas que me fizeram pensar. Para quem não conhece, Ayn Rand foi uma das principais filósofas, escritoras e defensoras do liberalismo, do individualismo, do racionalismo e do capitalismo. Suas idéias são controversas e não combinam nem um pouco com a mentalidade brasileira vigente, mas nos EUA seus livros aparecem com freqüência na lista dos mais influentes de todos os tempos.

A sua filosofia do Objetivismo foi definida por ela assim:

“Minha filosofia, em essência, é o conceito do homem como ser heróico, que tem sua felicidade como objetivo moral de sua vida, a realização produtiva como atividade mais nobre e a razão como seu único absoluto.”

Me focarei agora na crítica feita pelo artigo de Veja, mas ao final disponibilizo alguns links (**) para o leitor que desejar conhecer melhor a filosofia dessa autora que no Brasil infelizmente não passa de uma ilustre desconhecida.

A crítica construtiva de Veja foi a seguinte:

“No entanto, há certas ideias da autora que não são totalmente compatíveis com o capitalismo. O desprezo pelo homem comum que seus romances destilam é contrário ao imperativo fundamental do mercado – servir à demanda dos consumidores. “Não pretendo construir para ter clientes, pretendo ter clientes para construir”, diz o herói arquiteto de A Nascente. Não é exatamente o tipo de estratégia que garanta o sucesso empresarial.”

Há duas críticas aqui: A primeira quando se fala no “desprezo ao homem comum” e a segunda quando se afirma que “satisfazer a demanda do consumidor é um imperativo fundamental para o sucesso empresarial”.

Começarei pela segunda, que me parece ser mais fácil de contra-argumentar. Primeiro o personagem que afirmou que pretendia ter clientes para construir e não construir para ter clientes era um arquiteto e não um homem de negócios. Independentemente desse fato, é fundamental constatar que ele era um visionário. Um visionário é aquele indivíduo que vê oportunidades onde ninguém consegue ver, isto é, ele CRIA demanda e não apenas SATISFAZ a demanda existente. Ele acredita na sua capacidade, na sua visão de como as coisas poderiam ser feitas, e contra tudo e contra todos vai em frente, até que com muito esforço e integridade as pessoas acabem se rendendo à sua verdade. Alguma semelhança com Einstein e sua teoria?

Não precisa ter um MBA para concordar que o caminho mais fácil e curto para se ter sucesso empresarial é ir de encontro a uma demanda pré-existente. Criar uma nova demanda é muito mais difícil e arriscado, mas é exatamente aí que se sobressaem os grandes homens de negócios como Steve Jobs, Bill Gates, Henry Ford, etc. Tomemos Henry Ford como exemplo: Ele simplesmente desejou popularizar o uso do carro quando ainda não existiam estradas e ruas. Não é muito difícil imaginar qual foi a reação dos empresários da época. Visionários são líderes fundamentais para o sucesso empresarial nos dias de hoje, eu diria não apenas para o sucesso mas para a sobrevivência num mundo cada vez mais dinâmico e acelerado. Inovar é preciso, pensar de forma diferente também, nem que para isso você tenha que remar contra a maré.

Já a primeira crítica requer um esforço maior de avaliação. Ayn Rand realmente exaltou o homem heróico, aquele que possui ética e integridade, que se sobressai da massa e que obtém sucesso pelo seu esforço próprio. Entretanto o arquiteto do romance A Nascente não era rico, não ligava para dinheiro nem para prestígio, não possuía poder no sentido de que não controlava nem subjugava as pessoas, não se importava com a opinião alheia nem com as críticas destrutivas que recebia com freqüência. Também não tinha uma rede de contatos que o favoreciam. Por causa disso teve que enfrentar um tortuoso caminho para o sucesso, munido apenas da sua coragem e integridade. Não era humilde, não era fraco, não era covarde, não era desleal e nem anti-ético. Era egoísta e colocava o seu interesse em primeiro lugar, sem que para isso precisasse passar por cima de ninguém ou trapacear. Ele não vivia para os outros nem pedia que os outros vivessem para ele. Ele vivia para si mesmo. Realmente não era um homem comum, mas sim uma utopia de homem.

Não creio que o enaltecimento do homem diferenciado automaticamente significa que Ayn Rand menosprezou o “homem massa”. Ele desprezou sim, e ao meu ver de forma merecida, o homem irracional mas isso é assunto para um próximo artigo. Na verdade cada indivíduo deveria ser único, dotado de suas próprias capacidades e aspirações. Da palavra “comum” deriva a palavra “comunidade” e também “comunismo”. Quem realmente quer ser um comum? Quem realmente deseja viver num mundo onde todos são iguais? Será que o fato de que algumas pessoas se sobressaem mais do que outras justifica nivelar todos por baixo promovendo cada vez mais essa tal de “justiça” social?

Talvez a matéria de Veja tenha confundido o homem comum como sendo aquele que não possui poder ou prestígio. Não é necessário ter poder ou prestígio para ser um não-comum. É necessário ter integridade, ética, uma mente racional e auto-estima. A autora não tem culpa se isso é uma raridade. O certo é que há muitos que vão exatamente para o caminho oposto: exaltam o comum e pregam uma igualdade social injusta, ineficiente e insustentável no longo prazo. Entre a utopia autoritária do socialismo e a utopia libertária de Ayn Rand eu fico com a segunda. Mas estarei sempre aberto a abandoná-la ou revê-la a partir de uma crítica construtiva e contundente.

Local original do artigo

Fontes indicadas no texto:

(*) Fonte: http://www.arts.yorku.ca/huma/kateya/courses/2915/documents/Reception.doc

(**)

http://stapafurdius.net/2008/10/03/quem-e-john-galt-atlas-shrugged-de-ayn-rand/

http://www.institutoliberal.org.br/galeria_autor.asp?cdc=921

http://www.youtube.com/watch?v=esBfeCUiiBs

http://www.atitudenegocial.com.br/lite2.htm

http://blogs.mentaframework.org/posts/list/243.page