Carta 28

SOBRE o que me desassossega mais entre todas as minhas perturbações , e abate mais minha alma que todo meu corpo, mais meu coração que toda minha razão.

Daquilo que não entendo o motivo de ser e não compreendo como pode os homens aceitar passivos, esta falta tamanha, a comiseração consigo mesmo.

Digo do que me traz a maior das tristezas que pode suportar minha alma e que inquieta minha mente e não me deixa passivo em reflexões diuturnas, que se demonstram cada vez mais um ato de impossibilidade por girarem em torno da indagação e da indignação que me acompanha mesmo em sono.

É do que vejo, sinto, convivo e não compreendo, que faz nascer a inquietude que me persegue em questionamentos infindáveis sobre o porquê da permanência da miséria humana entre os homens, mais ainda que sua origem. Pois esta o filósofo já nos mostrou.

E porque a criamos, e a alimentamos, e a aceitamos, e a ignoramos impassívos, como se a nossa miséria não fosse a dos outros e a dos outros não fosse também a nossa?

Não digo da origem da desigualdade humana em termos sociais ou políticos, digo da miséria que abate o espírito humano e se percebe sem maquiagem no rosto dos mais pobres: a dor e a doença, a insanidade e a ignorância, o desamor e o desprezo, a maldade e a injustiça, o apego e a inveja, a decrepitude e o abandono, a pobreza e a falta. De onde vem toda essa miséria que abate sobre os homens?

Não só aquela que é a mazela de seu corpo, mas, sobretudo aquela que flagela seu espírito e degenera sua alma ainda em vida.

De onde vem esse “Ópus Dei” que fere o corpo de seu espírito em carne viva e que faz correr nos olhos os gemidos que vem da alma? - Como arde em minha retina o sofrimento humano que enxergo no espelho do rosto do outro!

Mas preferimos fechar os olhos.

Carta Filosófica Nº 28

Não é o Estado com suas leis,

normas e punições que garante

o convívio harmonioso entre

os homens; é a solidariedade humana”

1 Coisificaram a Humanidade. Estado de Direito feito estado de miséria, pedintes dependurados em balaústres urbanos trafegam quotidianamente por nosso olhar acostumado. Enquanto veículos nunca vistos não vêem o rosto do outro que lhe estende a mão. Incômodos pobres desatentos, transeuntes desprovidos de teus intelectos e de teus corpos prostituídos, porque de resto, é o que lhes resta. Pedintes desapropriados, pedem às almas que a finitude chegue antes da decrepitude, porque não suportam mais morrer!

Meu coração bate lento tentando sentir as batidas do outro que mais parece um gemido de dor. E diminui sua batida tentando compassar ao ritmo dele, na intenção de ser ao menos ouvinte de seu sofrimento. Não consegue! – o coração daquele que me abate, bate fraco parecendo não querer mais bater.

Dezembro, de 2005

Westerley