A Filosofia Popular e a Educação

Do Jornal de Angola on line

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Filipe Zau* - 07/05/2014

Fixei-me, ultimamente, na leitura de provérbios tradicionais, que, sobretudo, nas áreas rurais, são transmitidos, de forma oral, às gerações mais jovens pelas mais idosas.

Ao estarmos perante um manancial de ideias e aconselhamentos para a vida, a serem aprendidos na prática quotidiana, leva-me a encarar a filosofia popular como um patrimônio cultural, que não deixa de ser, simultaneamente, uma verdadeira filosofia de Educação.

O padre Raul Ruiz de Asúa Altura, ao citar o livro “Culture Africane e Cristianisme”, de A. Shorter, refere-se ao elenco de formas literárias orais africanas da civilização “bantu”, que se resumem a fórmulas rituais, textos didáticos, histórias etiológicas mitos, récitas, poesia e narrações históricas.

Debrucei-me sobre o provérbio em kikongo: “longa mwana kwenda ku zandu, ku longi mwana tuka ku zandu ko”, cuja tradução em português é a seguinte: “educa o filho que vai ao mercado e não eduques o que vem de lá”. O fator preventivo para o devir encontra-se naturalmente aqui expresso; isto é, a Educação como preparação e formação para fins determinados, à partida estabelecidos pelos anseios de uma sociedade.

De um modo geral, independentemente de uma dinâmica individual intrínseca a cada pessoa, a mesma se encontra inserida numa dinâmica escolar e sociocultural e, em situação normal, no seio de uma família, onde, os seus progenitores terão de assumir, até à idade adulta, uma maternidade e paternidade responsáveis. Daí que a educação comece por ser dada em casa, passe por ser complementada nas instituições de ensino e nas associações comunitárias religiosas, cívicas e desportivas, que, de certo modo, influenciam a sua dinâmica grupal. Espera-se, mais tarde, que essa pessoa tenha uma atitude positiva perante o trabalho, saiba preservar a sua identidade cultural e respeitar a de outros com sentido de alteridade, concorrendo, assim, para o primado da paz, da solidariedade, do Estado de direito democrático, dos direitos humanos, da justiça e coesão social, com respeito pelas diferenças, incluindo as de opinião.

Estes são os fins de uma Educação moderna que, nos dias de hoje, concorre para o desenvolvimento e para a cidadania e que se opõe ao espírito de mera irreverência juvenil e/ou de anomia, que a nossa sociedade, por perda acentuada de valores foi, em larga escala, afetada, quer pela ausência de estabilidade político-militar decorrente de uma guerra civil com intervenção direta de forças estrangeiras, quer, consequentemente, por acentuadas dificuldades de caráter econômico-social.

A palavra anomia, proveniente do grego, significa, do ponto de vista etimológico, ausência de normas ou leis. Hoje representa um conceito sociológico, criado por Émile Durkheim, que o utilizou para caracterizar certos comportamentos desviantes de caráter criminoso e anti-social, resultantes do enfraquecimento de mecanismos de integração social. Vários sociólogos, como o americano R. K. Merton, referem que a anomia aparece quando uma fração da população já não partilha os valores de uma sociedade e, desta forma, a anomia surge como um comportamento de desvio em relação aos fins e às normas geralmente aceites pelo grupo. Contesta os meios socialmente aceites de realização dos modelos de conduta e em troca há a recusa de participação social.

A axiologia surge-nos como uma teoria dos valores e dos seus opostos, já que o ser humano tem uma faculdade cognitiva que lhe permite emitir juízos sobre a realidade como também sobre o valor das coisas. Há quem diga que, quando se fala de valores em Educação, se está abordado todo um mundo de ideias platônicas que o filósofo ateniense se esforçou para privilegiar como autêntica realidade. Porém, não existem valores como realidades fora das coisas ou do homem, mas sim como valorização que o homem faz dessas mesmas coisas. Como afirmou o filósofo francês Michel Foucault, “as pessoas sabem o que fazem; por norma, sabem o que fazem; o que as pessoas por norma não sabem, são os efeitos dos seus actos”. No entanto, como adultos, não podemos, de modo algum, deixar de nos responsabilizar por eles…

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

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