A revisar
Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Erich Fromm, Jürgen Habermas
Erich Fromm (já existe em "Capitalismo" - Criar página em "Filósofos") 07/05/2019
A DEMOCRACIA NOS
LIMITES DA ESCOLA
Ana Leonor Santos
2009
FICHA TÉCNICA
Título:
A Democracia nos Limites da Escola. Ou da Disjunção
entre Educação e Política em Hannah Arendt
Autor: Ana Leonor Santos
Colecção: Artigos L
USOSOFIA
Direcção: José Rosa & Artur Morão
Design da Capa: António Rodrigues Tomé
Logótipo: Catarina Moura
Composição & Paginação: José Rosa
Universidade da Beira Interior, Covilhã,
2009
A Democracia nos Limites da Escola.
19
A natalidade é a razão de ser da educação. A cada nascimento
vem ao mundo algo de singularmente novo, em relação ao qual os
educadores têm a responsabilidade da respectiva introdução no mundo,
sem anular a possibilidade de efectivação de tal singularidade na realização
do novo. Daqui decorre a fragilidade das leis e instituições
humanas, à mercê da ilimitação e da imprevisibilidade que caracterizam
a acção. O facto de seres humanos nascerem no mundo importa,
pois, à educação e à política, reunidas ambas, desde Platão e Aristóteles,
no âmbito da filosofia.
A recente e invasiva implementação da
educação para a cidadania
nas democracias hodiernas prolonga a referida herança, na busca
de uma resposta eficaz para os conflitos caracterizadores das mesmas
e relativamente aos quais a escola se tem mostrado totalmente
permeável. O agravamento da desordem e da violência no meio escolar,
comprometedor, nas circunstâncias mais gravosas, do próprio
ensino transformou a referência à
autoridade numa presença incontornável
nos discursos pedagógicos, num contexto em tudo adverso
a hierarquias contrárias aos pressupostos democráticos, porquanto a
consciência democrática impõe o valor da igualdade nas relações humanas,
enquanto o desnivelamento parece estar analiticamente contido
no conceito de autoridade. Esta outrora anunciada incompatibilidade
democrática com a autoridade conduziu-nos à actualmente
lamentada crise da educação, integrante da crise geral que, como nota
Hannah Arendt de forma truística no ensaio dedicado à educação, se
abateu sobre o mundo moderno e trespassa quase todas as esferas
da vida humana.
1 A excepcionalidade daquela decorre do facto de
“[...] pela sua natureza, a educação não poder fazer economia nem
da autoridade nem da tradição, sendo que, no entanto, essa mesma
educação se deve efectuar num mundo que deixou de ser estruturado
pela autoridade e unido pela tradição.”
2
Na denúncia arendtiana, no final da década de 1950
3, da crise
da educação, pese embora a circunstância de ter por referência os
problemas então vividos pelas escolas americanas, encontramos os
elementos presentes nos debates actuais sobre a escola em diversos
países da Europa, incluindo Portugal. A transposição possível, cinquenta
anos passados, leva-nos a acompanhar a análise de Hannah
Educação, política e juízo
15
A democracia nos limites da escola
10
O fantasma da autoridade
7
(Ou da Disjunção entre Educação e Política em
Hannah Arendt)
Ana Leonor Santos
Universidade da Beira Interior
Índice
A crise da educação
, trad. José Miguel Silva, Lisboa, Relógio d’Água, 2006, p.
183.
o pensamento político
Cf. “A crise na educação” in Entre o passado e o futuro: Oito exercícios sobre
1
Fragwurdige Traditionsbestande im
Politischen Denken der Gegenwart
, Frankfurt, Europaische Verlagsanstalt. Em
1961 foi reimpresso em
Between Past and Future: Six exercises in political
thought
New York, Viking Press.
mesmo ano, conheceu uma versão alemã em
O texto foi publicado pela primeira vez em 1957, na Partisan Review, e, no
3
Ibid., p. 205.
2
Arendt em quatro momentos distintos: primeiramente, referir-nosemos aos factores, pressupostos e consequências da crise da educação; seguidamente, abordaremos o problema da autoridade; debruçarnos-emos, depois, sobre o lugar da democracia na escola; por fim, e em jeito de conclusão, pensaremos a relação entre educação e política, através de uma análise às considerações arendtianas sobre a capacidade de julgar. Desta forma, procuraremos indagar a consubstancialidade da crise educativa aos sistemas democráticos, reconduzindoassim o discurso à relação entre educação e política.
A crise da educação
A crise da educação não é obra do acaso. Reflexo da crise mais geral que caracteriza a modernidade, constitui, simultaneamente, um fenómeno privilegiado na análise da mesma. Falar de crise da educação é referirmo-nos, a montante dos sintomas que a denunciam, ao reconhecimento da inadequação dos princípios orientadores da acção educativa. A crise corresponde ao momento no qual os preconceitos desaparecem e ressurgem as questões para as quais os mesmos constituíam respostas. Sob esta perspectiva, pode tratar-se de um momento particularmente fértil, se a salvo das ideias feitas e do
pathos da novidade. Foi no século XX que, no que diz respeito à educação, se produziram as consequências mais gravosas destes dois factores, precisamente na medida em que abriram caminho para as teorias modernas da educação, relativamente às quais Hannah Arendt destaca três ideias basilares, a saber: (i) existe um mundo próprio das crianças, bem como uma sociedade formada por elas; enquanto seres autónomos que são, devemos deixar que se autogovernem.
Consequência: do ponto de vista do adulto, este ficou de
samparado face à criança tomada individualmente, restando-lhe permitir que esta faça aquilo que lhe agradar e impedir que aconteça o pior; do ponto de vista da criança, liberta que ficou da autoridade dos adultos, viu-se submetida a uma autoridade mais tirânica—a da maioria. Tomada isoladamente, a criança tem escassas hipóteses de se revoltar ou de fazer algo por iniciativa própria; deixou de estar na situação de uma luta desigual com alguém que detém superioridade absoluta sobre ela—situação na qual podia contar com a solidariedade dos seus pares—, passando à situação de ser uma minoria de um só face à absoluta maioria de todos os outros; (ii) a ideia de que é professor aquele que é capaz de ensinar seja o for. Consequência: porque a sua formação é em ensino e não em conteúdos particulares, muitas vezes pouco mais sabe sobre o que ensina do que os seus alunos; (iii) a ideia, considerada a mais perniciosa de todas, respeitante à substituição do aprender pelo fazer, porquanto se considera, no âmbito de uma concepção pragmatista, que só conhecemos e compreendemos aquilo que fazemos por nós mesmos. Consequência: tendo em conta o pressuposto de que o jogo é o modo mais apropriado de a criança se introduzir no mundo, porque o mais espontâneo e característico, há que suprimir tanto quanto possível a diferença entre trabalho e jogo, em benefício do último, sem tampouco inculcar gradualmente o hábito de trabalhar ao invés de brincar, situação característica da idade adulta.Estas três ideias, em “flagrante contradição com o senso comum”, merecem alguma atenção porquanto, em conjunto e na sua interligação, terão precipitado a crise. Quanto à primeira, cabe sublinhar que a contestação é fundamentalmente dirigida à transferência da autoridade e do poder dos adultos para uma suposta sociedade formada por crianças. A correlativa perda de autoridade dos educadores é decisiva no contexto da crise, pelo que será adiante alvo de uma análise mais detalhada. Para já, importa recordar o considerando já referido sobre o facto de a autoridade constituir condição essencial da educação.
Quanto à segunda ideia, pese embora algum exagero arendtiano, forçoso é reconhecer que o repúdio pela figura do professor detentor e transmissor de conhecimento conduziu à aposta quase exclusiva nas competências pedagógicas de relacionamento, de domínio dos
recursos tecnológicos mais recentes, de capacidade de definir estratégias
motivadoras, aposta consubstanciada na máxima “aprender a
ensinar”, levada à prática pela disseminação das didácticas. O hiato
entre
saber e saber ensinar, promovido pelas novas pedagogias,
fez prevalecer a formação profissional dos professores sobre a respectiva
formação académica, com o que viram diminuída a fonte da
sua autoridade, de acordo, aliás, com o intento das novas pedagogias
em oposição à escola dita tradicional. As aulas magistrais deram
lugar à partilha de experiências, seguindo a concepção de que os alunos
não devem ser receptores passivos e sim actores da sua própria
aprendizagem, sob a orientação da figura do “professor facilitador”.
Eis-nos, portanto, chegados à terceira das ideias basilares da pedagogia
moderna. A aprendizagem de conteúdos cedeu lugar à aquisição
de competências; adquirir conhecimentos tornou-se obsoleto e foi
substituído pela (re)criação dos próprios conhecimentos; aprender a
aprender sobrepôs-se à aprendizagem
tout court.
Pelo exposto se compreende que a formação dos professores,
dita pedagógica, tenha recaído na aquisição de competências relacionais,
atentas às particularidades contextuais. Aprender a ensinar,
não importa o quê, colocou o aluno no centro do processo de
ensino/aprendizagem, como então passou a ser designado. Porém,
o pressuposto de que ensinar é um processo comunicacional, que
implica, portanto, uma adequação atenta ao público-alvo, não está
isento de problematicidade. Se o saber for de natureza informativa,
o pressuposto dever-se-á colocar em prática; mas, sendo da ordem
da compreensão, como nos parece que deve ser entendido, forçoso
é reconhecer a inoperacionalidade do mesmo. A compreensão
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10 Ana Leonor Santos
não é transferível, podendo ser realizada apenas pelo próprio sujeito.
Donde que explicar uma coisa seja torná-la inteligível a qualquer espírito,
pelo que o professor—no sentido de mestre e não no sentido
moderno da palavra—não é tanto aquele que
fala a alguém de alguma
coisa quanto aquele que
fala de alguma coisa.6 Conhecer, e não saber
relacionar-se, é a prerrogativa necessária a qualquer professor. Assim,
ao mesmo tempo que os novos pedagogos afirmavam ter como
único objectivo servir as crianças, criticando a escola tradicional por
ignorar a natureza e as necessidades das mesmas, não conseguiram
garantir as condições necessárias à aprendizagem (como atestam os
níveis cada vez mais preocupantes de falta de conhecimentos dos alunos,
apesar de todo o cenário estratega que actualmente
deve envolver
uma aula). O progresso na formação pedagógica dos professores tem
caminhado a par da degradação da instituição escolar. Não estamos
a sustentar uma relação de causalidade; apenas constatamos a concomitância.
A educação está, pois, em crise, o mesmo é dizer: reconhecida a
inadequação das ideias subjacentes à educação moderna, é chegado
o momento de colocar perguntas e procurar respostas.
O fantasma da autoridade
O que é a autoridade?
A primazia desta questão decorre do já referido
papel fundamental atribuído à autoridade no domínio da educação,
bem como do repúdio que lhe é dirigido pelas novas pedagogias,
enquanto contrária aos ideais da escola democrática. Na verdade,
na resposta à questão que nos ocupa, deparamo-nos com um
factor que, não sendo causa da crise da educação, tê-la-á agravado
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, Paris, L’Hartmattan, 2003, pp. 118-119.
L’école et l’autorité
Cf. LORVELLEC, Yves, “Savoir et autorité” in LOMBARD, Jean (dir.),
6
A Democracia nos Limites da Escola
11
substancialmente—referimo-nos ao papel desempenhado pela igualdade
no mundo moderno.
No seu ensaio sobre a autoridade, Hannah Arendt refere-se-lhe
como “o factor principal, senão o decisivo, das comunidades humanas”
, embora balizado historicamente—nem sempre existiu e desapareceu
na modernidade, como se faz notar nas primeiras palavras do
texto: “Para evitar malentendidos, talvez fosse mais sensato intitular
este ensaio: O que foi, e não o que é, a autoridade, pois sou da opinião
de que aquilo que nos permite e nos incita a formular esta pergunta é
o facto de a autoridade, no mundo moderno, ter desaparecido.”
8 Reformularíamos
a pergunta colocada, não fora o facto de procurarmos
a essência compreensiva do conceito—para lá das controvérsias que
serviu, por apropriações abusivas e associações indevidas—, indiferente
à ordem da existência. A abordagem arendtiana, aliás, é em
tudo semelhante à nossa, pois os apontamentos históricos que nela
encontramos mais não servem do que a circunscrição compreensiva
do conceito de autoridade. É justamente nessa medida que seguimos,
com Hannah Arendt, a sua história, decorrente da experiência
política.
Autoridade
é um conceito romano.9 Derivada do verbo augere,
que significa
aumentar, a palavra autorictas era associada aos mais
velhos (o Senado ou
patres), que a recebiam por herança ou transmissão
dos antepassados e a quem cabia aumentar o património por
eles deixado, e iniciado aquando da fundação da cidade de Roma.
A relação entre autoridade e tradição está, pois, desde logo estabelecida.
Simultaneamente, a dissociação entre autoridade e poder
7
Apesar de a filosofia política grega ter influenciado o pensamento político
subsequente, “nem a língua grega nem as diversas experiências políticas da história
grega mostram qualquer conhecimento da autoridade ou do género de governação
que esta implica” (ibid., p. 118), pelo que a abordagem da mesma se torna irrelevante
no contexto da nossa análise. Para um desenvolvimento do tema v. Arendt,
9
Ibid., p. 105.
8
“O que é a autoridade?” in op. cit., p. 118.
7
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, pp. 119-134
op. cit.
12 Ana Leonor Santos
compreende-se, precisamente, na referência à tradição, na medida
em que, diferentemente do poder, a autoridade tem as suas raízes no
passado. “A característica mais notável dos que detêm a autoridade
é a de não terem poder.
Cum potestas in populo auctoritas in senatu
sit
, “O poder está no povo, a autoridade no Senado”.”10 Esta
fórmula, através da qual, no seu
De legibus, Cícero definiu o papel
do Senado, desautoriza por si só a confusão há muito estabelecida
entre autoridade e tirania. Sendo certo que aquela exige obediência,
o facto de excluir o uso de meios exteriores de coacção, tanto quanto
é incompatível com a persuasão, faz com que não tenha lugar onde
se verifiquem relações de poder, de violência ou de paridade, com o
que somos conduzidos à transposição do conceito para o domínio da
educação.
“A relação autoritária entre quem comanda e quem obedece não
assenta nem numa razão comum nem no poder daquele que comanda;
aquilo que ambos partilham é a hierarquia em si, cuja justiça e legitimidade
ambos reconhecem e dentro das quais possuem o seu lugar
fixo e predeterminado.”
11 Estas palavras, proferidas, ainda a propósito
do contexto político, condensam diversos elementos decisivos na
análise a levar a cabo no âmbito da autoridade pedagógica. Começamos
por sublinhar a já por várias vezes referida inadequação da compreensão
da autoridade em termos de poder. Tal perspectiva permitenos
explicar por que razão a transferência da autoridade do professor
para o grupo de crianças, tal como preconiza a primeira das ideias
basilares da nova pedagogia, não é legítima: por natureza, a autoridade
do professor não é da ordem do poder, mas sim da competência
e da responsabilidade. Autoridade, competência e responsabilidade
interpenetram-se, de tal modo que a ausência de uma é condenatória
para as restantes. Não sendo da ordem do poder, a autoridade pedagógica
é fundada na competência para aumentar o conhecimento
daqueles que a ela aceitam submeter-se. Tal competência encerra em
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Ibid., p. 107.
11
Ibid., p. 136.
10
A Democracia nos Limites da Escola
13
si mesma uma assimetria inalienável: tem como condição de possibilidade
a desigualdade e a hierarquia recusadas pelas novas pedagogias,
mas sem as quais o professor não pode—porque não sabe
que—ensinar. A falta de competência dos professores é, pois, também
ela, causa da perda de autoridade, a par da recusa de submissão
a esta mesma autoridade por parte dos alunos. Estas duas causas,
ao invés de estranhas, entrecruzam-se algures, porquanto a submissão
consentida à situação de desigualdade, exigida pela autoridade,
só acontece nas circunstâncias em que se reconhece a legitimidade
da diferença e se compreende a sua razão de ser. A verdadeira autoridade
é alheia à arbitrariedade, pelo que aquele que a aceita reconhece
no que a exerce condições para o respectivo exercício. Contra
o intuito de abolir a distância na prática pedagógica, forçoso é notar
que esta repousa sobre o desejo e a competência do professor para
aumentar o conhecimento do aluno e, simultaneamente, sobre o reconhecimento
por parte do aluno da genuinidade desse desejo e da
efectiva capacidade que deve, imperiosamente, acompanhá-lo. Para
mais, a autoridade do professor concorre para a possibilidade da autonomia
do aluno; o seu fim último não é dominar o aluno, não é
mantê-lo no estádio em que se encontra, mas sim anular a distância
que a fundamenta, nisso se situando o seu elemento diferenciador relativamente
a outros tipos de autoridade (por exemplo, religiosa ou
judicial).
Condição necessária da autoridade, a competência não se apresenta
a Hannah Arendt como sua condição suficiente: “No caso da
educação, a responsabilidade pelo mundo toma a forma de autoridade.
(...) A competência do professor consiste em conhecer o
mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros.
Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo
mundo”.
12 Tal responsabilidade é-lhe delegada enquanto “representante”
de todos os adultos e surge como dimensão fundamental para
a continuidade do mundo humano, decorrendo, simultaneamente, de
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“A crise da educação”, in op. cit., p. 199.
12
14 Ana Leonor Santos
uma necessidade natural e política.
13 Assim sendo, a autoridade do
professor surge a Hannah Arendt como uma delegação, não dos pais,
mas antes do próprio mundo, o que justifica o facto de a escolaridade
não se apresentar como uma imposição da família e sim do Estado.
14
Contudo, esta concepção de uma autoridade transformada em responsabilidade
e que é
delegada, mesmo que pelo mundo, obscurece
a relevância do conhecimento no exercício da profissão docente. Sócrates
surge a este propósito como figura paradigmática pois, longe
de ser perante os jovens um mandatário de Atenas, era detentor de
uma autoridade pessoal cabalmente identificável com o saber.
15 É
deste, na verdade, que depende a autoridade pedagógica, a qual não
pode, por natureza, ser delegada. Evidentemente, não basta que um
professor seja nomeado como tal por uma qualquer instituição para
que os alunos reconheçam nele uma fonte de autoridade. É necessário
que os mesmos vejam no professor alguém capaz de dar resposta
ao seu desejo de conhecer: “que o laço do saber e do desejo de saber
venha a ser desfeito, seja pela falta de curiosidade da juventude, seja
pela ignorância dos mestres, e deixa de haver autoridade pedagógica
de todo.”
16 É, portanto, em função do conhecimento (ou da competência,
nas palavras de Hannah Arendt), que o professor pode ser o
representante dos adultos na responsabilidade de introduzir a criança
no mundo, e não em nome do amor pelas crianças, a que a autora se
refere no final do artigo sobre educação, o qual, por muito desejável
Cf. LORVELLEC, Yves, “Savoir et autorité” in LOMBARD, Jean, op. cit.,
pp-113-114.
15
Cf. “A crise da educação”, in op. cit., p. 199.
14
“[...] a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fôra aceite
como uma necessidade natural, exigida obviamente tanto por razões naturais (a
dependência das crianças) como por razões políticas (a continuidade de uma civilização
estabelecida, que só pode ser garantida se os recém-chegados forem guiados
através de um mundo pré-estabelecido onde, ao nascer, são como estranhos).” “O
que é a autoridade?” in
op. cit., p. 106
13
Ibid., p. 114. [“Aussi, que la boucle du savoir et du désir de savoir vienne à
être rompue, soit par l’incuriosité de la jeunesse, soit par l’ignorance des maîtres,
et il n’y a plus d’autorité pédagogique du tout.”]
16
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A Democracia nos Limites da Escola
15
que possa parecer-nos, não está implicado no termo “professor”. Assim
sendo, é a desigualdade em termos de saber, de conhecimento do
mundo, que constitui o fundamento da autoridade pedagógica. Ao
pretender ignorá-la, as novas pedagogias implodem a acção educativa.
A democracia nos limites da escola
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Foi preciso esperar pelo século XX para que os direitos das crianças fossem
Felipe Duarte, Lisboa, Instituto Piaget, 2005, p. 25-31.
18
Cf. RENAUT, Alain (2004), La fin de l’autorité. O fim da autoridade, trad.
17
De entre os valores veiculados pelas democracias modernas, a
igualdade detém um lugar de relevo, na medida em que suporta outros
tantos ideais que lhe são congéneres. É mesmo um apriorismo—
ou pelo menos assim seria desejável—da nossa compreensão do mundo
humano e das relações que nele se estabelecem a concepção do outro
como um
outro eu.17 A amplitude da diferença em nada é impeditiva
do reconhecimento da semelhança, constituindo-se aquilo que
pode ser visto como
paradoxo da similitude. Basta a condição de ser
humano para que o outro deva ser tratado como igual, numa lógica
que faz abstracção de todas as diferenças, sejam elas de género, de
raça, ou quaisquer outras. Contudo, para que essa mesma lógica permaneça
a salvo de lacunas invalidantes, forçoso é que o outro seja
igualmente reconhecido e respeitado na sua diferença. A lógica da
igualdade exige, pois, o direito à diferença.
As dificuldades que envolvem a problemática da similitude agudizamse
aquando da atribuição da figura da
alteridade do semelhante à criança.
Historicamente, a proclamação pela Revolução Francesa de
que todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos não
antecipou em nada aquilo que hoje está instituído
como direitos das
crianças
.18 De alguma forma, a desigualdade pressuposta na prática
reitere em diferentes escritos o seu igualitarismo republicano, devemos notar a
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Cf. “A crise na educação”, in op. cit., p. 187. Embora Hannah Arendt
20
RENAUT, Alain, op. cit., p. 112.
objecto de registo institucional: primeiro em 1924, pela Sociedade das Nações;
depois em 1959, pela Organização das Nações Unidas, entidade responsável pela
Convenção dos Direitos da Criança de 1989.
19
16 Ana Leonor Santos
educativa, seja no âmbito familiar, seja no domínio escolar, justificou
tal ausência integrativa. Porém, a modernização das relações intersubjectivas,
edificada sobre o pressuposto da igualdade, acabou por
penetrar todas as esferas da acção humana e reflectir-se na relação entre
adultos e crianças, contexto que conduz à necessidade de indagar
em que medida a criança é nosso igual,
de facto e em direitos.
Por um lado, a sua inegável condição de humanidade, a que aludimos
antes, basta-lhe para que seja considerada como semelhante.
Por outro lado, tal consideração deve acompanhar-se de limites, sob
perigo de ser contrária ao seu propósito, pois levada ao extremo impossibilita
a prática educativa, sustentada no pressuposto da desigualdade
entre aquele que procura educar e aquele que tem de ser educado.
Decorre, aliás, dos proclamados direitos da criança o carácter
imperioso da sua consideração como dissemelhante, em função do
que lhe são devidas uma protecção especial e uma educação autêntica.
“A criança encontra-se assim votada a constituir e a permanecer,
para os Modernos, o único de todos os seres humanos com o qual temos
que manter relações, não apenas de igualdade em direitos e, residualmente,
de desigualdade de facto, mas igualmente de igualdade
e desigualdade em direitos.”
19
O modelo da democracia parece, então, não se ajustar devidamente
à relação entre adultos e crianças, precisamente porque não
é evidente que entre ambos deva prevalecer o ideal democrático da
igualdade. Eis o que pode ajudar-nos a compreender a afirmação
arendtiana de que só as crianças podem ser educadas e a política só
diz respeito àqueles que já foram educados, pois a política exerce-se
entre iguais enquanto a educação pressupõe uma desigualdade possibilitadora
da mesma.
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“On oublie alors qu’il n’y a pas d’école de la responsabilité, au sens où il
n’y a pas de cercle carré. Il est de la nature de l’étude d’être exonérée du poids
des responsabilités, qui sont l’aspect onéreux de l’engagement social; il est de la
nature de l’exercice scolaire d’être sans autre conséquence que sur l’institution de
l’élève [...]. L’exercice scolaire n’est pas même la simulation du travail productif:
la responsabilité simulée n’est nullement responsable. Et l’on ne s’instruit pas en
équipe; s’instruire est un acte indivisible de l’esprit, qu’il faut nécessairement faire
soi-même, qu’il est donc impossible de déléguer.” LECHAT, Jean, “La crise de
l’autorité à l’école” in LOMBARD, Jean,
op. cit., p. 63.
21
On Revolution.
complexidade do seu pensamento sobre a igualdade, porquanto esta se restringe à
política, extraindo do seu âmbito a dimensão social. Vejam-se, a este propósito, as
considerações que são tecidas sobre os pobres, a sua relação com a liberdade e as
consequências da respectiva entrada no domínio político, na obra
A Democracia nos Limites da Escola
17
A analogia entre a escola e a sociedade democrática, pretendendo
fazer da primeira o microcosmos da segunda, cria um espaço de ficção
sustentado em pressupostos e consubstanciado em práticas tão
perniciosos para a educação quanto as anteriormente referidas ideias
basilares da nova pedagogia, a saber: (i) o pressuposto de que as crianças
são sujeitos de pleno direito, aptas a exercer os direitos que lhe
são devidos e, por isso, justamente libertas da autoridade repressiva
dos adultos; (ii) a ideia de que devem ser as crianças a construir as
regras a que devem submeter-se, no intuito de promover uma futura
cidadania activa; (iii) a implementação de trabalhos de grupo, sob
pretexto da importância absoluta de saber trabalhar em equipa nas sociedades
modernas. Todas estas referências têm como ponto de fuga
a responsabilização dos alunos, cuja promoção olvida que “não há escola
da responsabilidade, no sentido em que não há círculo quadrado.
É da natureza do estudo ser exonerado do peso das responsabilidades,
que são o aspecto oneroso do envolvimento social; é da natureza
do exercício escolar não ter outra consequência senão sobre a instituição
do aluno [...]. O exercício escolar não é sequer a simulação
do trabalho produtivo: a responsabilidade simulada não é de forma
nenhuma responsável. E não nos instruímos em equipa; instruir-se é
um acto indivisível do espírito, que é preciso necessariamente fazer
por si mesmo, que é, pois, impossível de delegar.”
21
18 Ana Leonor Santos
A concepção da escola como um prolongamento do espaço social
transformou-a numa comunidade política à mercê de todos quantos
nela se queiram integrar, segundo o estatuto de igualdade próprio das
comunidades democráticas: os pais são oficialmente convocados na
qualidade de parceiros da escola, sendo-lhes atribuído um papel cada
vez mais relevante. Simultaneamente, impera a concepção de que a
figura mais adequada para dirigir uma escola é o gestor. A confusão
é dupla: primeiramente, em relação ao papel dos pais, cabe-nos sistematizar
o óbvio—os pares pais/filhos, professores/alunos são imiscuíveis;
apenas podemos reconduzir a figura dos pais à dos filhos ou,
dito de outro modo, só há pais de filhos, não os há de alunos.
22 Mas
outra nota óbvia se impõe: enquanto lugar e tempo votados ao estudo,
a escola é alheia às questões relativas à rentabilidade e mesmo
à eficácia. A escola não é um serviço, pelo que não está obrigada
à consecução de resultados.
23 No respeito pela sua finalidade pode
diluir-se a dupla confusão.
Ao escrever que o papel da escola é ensinar às crianças o que o
mundo é e não iniciá-las na arte de viver
24, Hannah Arendt delimita
a esfera de acção dos diferentes intervenientes na educação das crianças
e legitima a oposição de interferências exteriores à escola na
prática docente. Ao abrir-se à comunidade, a escola submergiu nas
fragilidades próprias da democracia, sem que pudesse fazer-se valer
dos respectivos benefícios. Tal exigiria abdicar do princípio da
desigualdade na relação professor/aluno, o mesmo é dizer, destruí-la.
Como escreve Jean Lechat no artigo supracitado, a escola não pode garantir o
sucesso escolar de todos, pois não depende dela que todos se instruam igualmente
(cf. idem, p. 55). Donde a absurdidade de avaliar escolas e professores com base
no sucesso dos alunos.
23
Cf. ibid., p. 64.
22
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Cf. “A crise na educação” in op. cit., p. 205.
24
Educação, política e juízo
A Democracia nos Limites da Escola
19
14.
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A vida do espírito, trad. João Duarte, Lisboa, Instituto Piaget, 1999, vol. I, p.
25
Do vasto conjunto de consequências resultantes dos pressupostos
das novas pedagogias, uma há que, pela sua particularidade, merece
ser objecto de referência específica. Culminar das opções pedagógicas
criticadas por Hannah Arendt, a incapacidade para julgar revelase
em estreita articulação com a irreflexão. Embora não se deva confundir
a capacidade para distinguir o bem do mal com a faculdade de
pensar, esta realiza-se na primeira e tem nela um subproduto. Pelo
facto de ser paralisante—todo o pensar exige um parar para pensar—
, o pensamento conduz-nos ao questionamento daquilo que parecia
indubitável quando colocado em prática sem reflexão prévia. Para
mais, se recordarmos a definição platónica de pensar como o diálogo
sem som que travamos connosco próprios, logo compreenderemos
que aquele que não conhece esse diálogo, pelo qual examinamos
aquilo que dizemos e fazemos, não terá dificuldade em contradizer-se
nem se inquietará com a prática de acções que sabe esquecer rapidamente.
Eichmann surge a Hannah Arendt como exemplo paradigmático
da perigosidade que constitui a ausência de pensamento, pelo que
as considerações que a autora tece a propósito do mesmo devem ser
consideradas também no âmbito da educação. A constatação de que
aos respectivos actos monstruosos correspondia um agente “absolutamente
vulgar, nem demoníaco, nem monstruoso”, o relato de que
“não havia nele nenhum sinal de convicções ideológicas firmes ou de
motivos maldosos específicos, e a única característica notável que se
podia detectar no seu comportamento durante o julgamento e durante
todo o período de investigação policial anterior ao julgamento era
algo de inteiramente negativo: não era estupidez mas
irreflexão”25,
20 Ana Leonor Santos
evidenciam a relevância absoluta atribuída a uma capacidade que não
é, nem poderia ser, privilégio dos que são pensadores por profissão,
sendo legítima a exigência de que qualquer ser humano seja capaz de
distinguir o bem do mal. Eichmann não o era e os actos que praticou
foram resultado dessa dupla incapacidade: se julgar implica o esforço
de compreender o ponto de vista do outro
26, a justiça de um juízo supõe
liberdade, sendo a capacidade de pensar condição de autonomia,
tanto mais importante quanto, em certos contextos, as regras instituídas
não devem ser respeitadas (como foi o caso da Alemanha nazi).
O juízo auxilia, pois, a dotar um acto de inteligibilidade. Foi, no dizer
de Hannah Arendt, a pura ausência de pensamento que transformou
Eichmann num dos maiores criminosos do seu tempo.
27
Estando dado que a incapacidade para pensar se traduz em gravosas
consequências no âmbito do julgamento, e porquanto a capacidade
para julgar pode ser alvo de ensinamento e aprendizagem, cabe
à escola garantir o desenvolvimento daquela que é considerada por
Hannah Arendt “a mais política das aptidões mentais”.
Ora, a intencionalidade que a fenomenologia afecta à consciência
transpomo-la nós para a reflexão, impossível sem conteúdo e, por
isso, dificultada pela subvalorização do saber promovida pelas novas
pedagogias. Acresçamos a esta dificuldade a promiscuidade entre
educação e política, a qual, destituindo a primeira da desigualdade
inerente e necessária à relação entre os seus intervenientes, levando
para a vida pública aquilo que a ela não pertence, impede, com con-
Neste sentido, o juízo constitui condição de possibilidade da acção política, na
medida em que é a capacidade para adoptar a perspectiva de outrem que permite
aos seres humanos agir enquanto seres políticos (cf. Beiner, Ronald, “Hannah
Arendt et la faculté de juger” in ARENDT, Hannah,
Juger. Sur la philosophie
politique de Kant
, trad. fr. Myriam d’Allones, Paris, Seuil, 1991, p. 136-137).
Entrevemos desde já a importância do papel que a educação desempenha também
no domínio político, pois nela se pode aprender a pensar e a julgar ou, através dela,
pode-se condenar um indivíduo à ausência de autonomia.
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Paris, Gallimard, 1991, p. 460.
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Cf. Eichmann in Jerusalém. Eichmann à Jérusalem, trad. fr. Anne Guérin,
27
A Democracia nos Limites da Escola
21
sequências nefastas para a política, que a educação cumpra plenamente
o seu papel.
Ou educação ou política—não é possível promover ambas simultaneamente.
Esta disjunção tem tão somente o poder de permitir que
a primeira decorra na verdadeira acepção da palavra, garantindo o
desenvolvimento da capacidade de pensar e, por essa via, evitando a
banalidade com que o mal é praticado e recebido. É preciso, pois,
começar por separar ambos os domínios para por fim uni-los nas implicações
de uma boa ou má educação.
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22 Ana Leonor Santos
Bibliografia
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__ (1971),
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, trad. fr. Myriam d’Allones,
Paris, Seuil, 1991.
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Cano, Madrid, Ediciones Akal, 2001, cap. 4: “Hannah Arendt: el
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trad. Felipe Duarte, Lisboa, Instituto Piaget, 2005.
http://www.lusosofia.net/textos/santos_ana_leonor_democracia_limites_escola.pdf
«A segunda ideia-base a tomar em consideração na presente crise tem a ver com o ensino. Sob influência da psicologia moderna e das doutrinas pragmáticas, a pedagogia tornou-se uma ciência do ensino em geral ao ponto de se desligar completamente da matéria a ensinar. O professor — assim nos é explicado — é aquele que é capaz de ensinar qualquer coisa. A formação que recebe é em ensino e não no domínio de um assunto particular. Como veremos adiante, esta atitude está, naturalmente, ligada a uma concepção elementar do que é aprender. Para além disso, esta atitude tem como consequência o facto de, no decurso dos últimos decénios, a formação dos professores na sua própria disciplina ter sido grandemente negligenciada, sobretudo nas escolas secundárias. Porque o professor não tem necessidade de conhecer a sua própria disciplina, acontece frequentemente que ele sabe pouco mais do que os seus alunos. O que daqui decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao professor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade enquanto professor. Pense-se o que se pensar, o professor é ainda aquele que sabe mais e que é mais competente. Em consequência, o professor não autoritário, aquele que, contando com a autoridade que a sua competência lhe poderia conferir, quereria abster-se de todo o autoritarismo, deixa de poder existir.»
Hannah Arendt, "A Crise na Educação". Tradução de Olga Pombo, in Olga Pombo (org.), Quatro Textos Excêntricos. Relógio d’Água (2000).
Evitemos os mal-entendidos: penso que o conservadorismo, tomado enquanto conservação, faz parte da essência mesma da actividade educativa cuja tarefa é sempre acarinhar e proteger alguma coisa — a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o antigo, o antigo contra o novo. A própria responsabilidade alargada pelo mundo que a educação assume implica, como é óbvio, uma atitude conservadora. Mas, isto só é válido para o domínio da educação, ou melhor, para as relações entre crescidos e crianças e, de modo algum para o domínio político, onde agimos sempre entre e com adultos ou iguais. Em política, a atitude conservadora — que aceita o mundo tal como ele é e unicamente luta por preservar o status quo — só pode levar à destruição. E isto porque, nas suas grandes linhas como nos seus detalhes, o mundo está irrevogavelmente condenado à acção destrutiva do tempo, a menos que os humanos estejam determinados a intervir, a alterar, a criar o novo. As palavras de Hamlet, «o tempo está fora dos gonzos. Oh! sorte maldita, que nos fez nascer para restabelecer o seu curso», são verdadeiras para cada nova geração, ainda que, desde o início do nosso século, porventura tenham adquirido uma ainda validade maior do que anteriormente.
Hannah Arendt, "A Crise na Educação". Tradução de Olga Pombo, in Olga Pombo (org.), Quatro Textos Excêntricos. Relógio d’Água (2000).
http://averomundo-jcm.blogspot.com/2007/06/hannah-arendt-e-crise-no-ensino.html