VALORES - Ética e Economia - Viver para enriquecer

"Business is business!" (Negócio é negócio!), ou, "amigos, amigos, negócios à parte!" são frases que revelam uma das características centrais das nossas sociedades modernas. Elas mostram a separação que existe entre a amizade (e os valores morais) e a racionalidade econômica. Não somente a separação, mas a subordinação dos valores como a amizade à racionalidade econômica. Quando a amizade entra em conflito com interesse econômico, é esse que prevalece em detrimento do primeiro.

Nas sociedades tradicionais não havia essa separação. A economia era vista como um meio para a reprodução da vida. As pessoas trabalhavam para viver; e não viviam para trabalhar, como nos nossos dias. E para viver precisavam de amigos e do trabalho. Ética e atividades econômicas eram inseparáveis. Isso fica mais compreensível se levarmos em conta que nas sociedades pré-industriais era muito difícil alguém sobreviver isolado de uma comunidade familiar ou de amigos.

Nas nossas sociedades modernas capitalistas, com o mito do progresso, a economia passou a ser um fim em si mesmo. As pessoas não trabalham mais para viver, mas vivem para trabalhar e ganhar dinheiro. As pessoas se perguntam "como ganhar dinheiro", mas dificilmente se perguntam "para que ganhar dinheiro". Diante dessa pergunta inconveniente, respondem que é para ganhar mais dinheiro ou para poder comprar muitas coisas. Mas comprar é trocar dinheiro por outro tipo de riqueza. No fundo, continua no mesmo objetivo de acumular riquezas. A pergunta "para que acumular riquezas" é inconveniente e até sem sentido para os que interiorizaram a cultura capitalista porque é "óbvio" que a acumulação infinita é o que dá sentido à vida. Dizemos "acumulação infinita", sem fim, não somente porque os teóricos do sistema capitalista usam explicitamente essa expressão, mas também porque se a acumulação tivesse fim, um limite preestabelecido, ela acabaria sendo um meio para um objetivo mais importante.

Quando a acumulação da riqueza passa a ser o objetivo maior de um grupo social, a lógica econômica passa a ser o centro da vida e o principal critério de discernimento para as questões morais.

Racionalidade do mercado

Esses fatos exigiram a criação da moderna ciência econômica, no início, a economia foi definida como a ciência que busca a melhor utilização dos recursos econômicos escassos (terra, matérias-primas, mão-de-obra, máquinas, tecnologia...) em vista da reprodução da vida humana e dos fatores de produção (natureza, máquinas...). Como passar do tempo, a ciência econômica, nos países capitalistas, passou a ser entendida como a teoria que busca a utilização ótima dos recursos escassos em vista da acumulação infinita.

Aqui temos uma contradição importante, Tem-se como objetivo a acumulação infinita que vai possibilitar a realização de todos os desejos (o Paraíso), ao mesmo tempo em que se reconhece que os meios que temos para isso são escassos, isto é, finitos. Busca-se um objetivo infinito com meios finitos. É uma contradição que a maioria ignora. Existem, é claro, economistas que reconhecem os limites da natureza. Mas, na medida em que eles não querem abdicar do objetivo da acumulação infinita, tentam superar esta contradição dizendo que o conhecimento humano é infinito. E que a infinitude do conhecimento vai "driblar" a finitude da natureza e permitir a acumulação infinita. Mas se o ser humano é finito, como ele pode ter um conhecimento infinito? Essa é mais uma das perguntas "inconvenientes" evitadas por esses economistas.

Voltando à racionalidade econômica capitalista, é comum ouvirmos falar em "leis do mercado". Essas leis são apresentadas quase como leis naturais ou divinas, pois elas são inquestionáveis, e tudo é legitimado em nome delas. Para evitar mal-entendidos é preciso distinguir o "mercado" de "sistema de mercado". Mercado é o lugar onde acontecem trocas econômicas. Ele existe desde que os primeiros grupos humanos conseguiram produzir determinados bens muito mais do que necessário e começaram a trocar por outros produtos com grupos vizinhos. Nas sociedades pré-capitalistas o mercado ocupa um lugar secundário na economia. A produção está voltada principalmente para a satisfação das necessidades da comunidade produtora, e somente o excedente é destinado ao mercado. A simples existência de mercado não caracteriza uma sociedade como capitalista.

No capitalismo vigora o "sistema de mercado", isto é, o mercado é o coração da economia. Tudo gira em torno do mercado. Os produtores não produzem para o seu consumo, mas sim para trocar no mercado. O mais importante na produção de mercadorias (produtos feitos para venda no mercado) não é a satisfação de alguma necessidade das pessoas, mas sim a satisfação dos desejos dos consumidores.

Autores: Jung Mo Sung e Josué Cândido da Silva

Livro: Conversando Sobre ética.

Ed.: Vozes.