Entendendo Gustavo Iochpe
Posted on December 15, 2007
Não é muito difícil entender Gustavo Ioschpe.
Ele tem uma formação acadêmica cara, com duas graduações por Wharton e mestrado por Yale. Se você não entende o que isso quer dizer, bem, isso é uma coisa que só consegue se seu papai ou mamãe tiver muito dinheiro(Provavelmente muito mais dinheiro que seu papai e mamãe jamais sonharam ter). Não sem querer denegri-lo por isso: é um gasto melhor que em roupa da Daslu ou na Oscar Freire.
O problema de Ioschpe é que ele se prende demais a sua formação como economista ao falar de educação. Isso é problemático porque em Economia é natural você analisar todo tipo de fenômeno por meio de estatísticas, mas em Educação isso fica mais complicado. Ainda mais num país de extremos e de realidades diferentes. E claro, no Brasil as estatísticas sobre educação deixam a desejar(Tanto que ele cita respostas de aplicações de exames e outras coisas de amostragem ruim).
Ele costuma acertar bem mais quando fala de Educação Superior, uma vez que conhece bem aquele que é talvez o melhor sistema universitário do planeta. Ele tem razão quando fala que o problema do sistema universitário brasileiro é a falta de competitividade, uma vez que as públicas recebem os melhores alunos. E claro, quando relaciona às agruras do vestibular à gratuidade das públicas. O modelo que ele sugere de empréstimos ao invés da gratuidade não é distante do que eu proponho.
E sim, quando o ponto é educação em nível fundamental e médio eu concordo com ele que os professores costumam culpar todo mundo - família e pais em especial - como se eles não tivessem nada a ver com isso. É algo que não faz sentido e costuma-se ignorar, por exemplo, que sim, políticas simples podem ter bons resultados - como quando numa escola em que trabalhei a coordenadora fez com que a professora de Português dos terceiros anos trabalhasse com redação, o que melhorou horrores a nota da escola no ENEM.
Mas a análise de Ioschpe sobre o assunto tende a falhar como um todo porque ele não conhece a realidade das escolas públicas. Claro que quase praticamente todo mundo que publica alguma coisa sobre o assunto em papel escrito não conhece também, mas Ioschpe parece fugir um pouco da própria realidade do país.
Por exemplo, quando ele escreve, para tentar justificar que o professor já seria valorizado: Onde quer que eu vá, vejo manifestações de apreço e encorajamento aos professores. Há uma série de prêmios, regionais e nacionais, destinados à categoria. Seguidamente jornais, revistas e programas de TV se referem aos professores como heróis.
O problema não é ver manifestações de apreço nem prêmio. Isso não enche a barriga de ninguém. O ponto é a forma de que as pessoas vêem a profissão como opção profissional. E nisto o magistério é uma coisa complicada uma vez que uma profissão de ambições modestas(Aonde ao final de carreira você ganha não muita coisa mais que um iniciante, e pior, suas perspectivas de promoção são pequenas), ganhos salariais não muito altos, estabilidade e ainda aposentadoria especial vai atrair um público que quer um emprego confortável e seguro, não desenvolver grandes projetos. Como uma colega minha definiu uma semana atrás, é uma função que te faz sentir incompetente, e isso assusta quem gosta de satisfação profissional.
O problema é o fato de grande parte das pessoas verem o magistério como opção profissional ruim, ou na melhor das hipóteses um trabalho estável e sem riscos de demissão. E o que se costuma ignorar é que os problemas da educação costumam se mostrar ainda piores na área de Exatas. Em muitas universidades públicas a nota de corte em Matemática é baixa, grande parte das particulares nem oferece o curso e por mais que muitas regiões tenham bons números de professores em Exatas e Humanas, mesmo escolas em grandes centros encontram dificuldades para encontrar professores na área.
O problema é que Matemática é um elemento crucial num sem número de formações técnicas, como engenharia, eletrônica, programação ou mesmo contabilidade. Considerando o fato destas habilidades serem fundamentais na indústria de tecnologia atual, que os asiáticos tenham uma formação impecável na área e que essa deficiência fica evidente no nosso Ensino Superior(Aonde os cursos na área técnica têm procura baixa) é surpreendente como ninguém coloca esse assunto no centro da discussão da educação, ao invés de, sei lá, se discutir cidadania.
Por mais que o panorama como um todo pareça menos duro pelo relativo bom número de professores e formados em áreas como Português, Educação Física e Pedagogia, é difícil alegar que sobrem professores de Matemática e gente disposta a isso. E este é um ponto que joga muita água no barquinho de papel que é a argumentação de Ioschpe.
E pode-se alegar várias coisas, como por exemplo, o fato da aposentadoria especial colocar professores no auge da produtividade fora da sala de aula ou ainda de que a estabilidade não só inibe a produtividade dos concursados como impede a entrada de profissionais jovens no mercado*, mas professores não são os únicos responsáveis pelo ensino. Há toda uma estrutura, como bibliotecas, tamanho das salas e mesmo equipes de apoio. E claro, há todo aquele negócio de projetos, que muitas vezes são definidos por prefeituras e secretarias de educação.
No final, descobre-se que o Ioschpe quer:
“Tenho certeza de que se os professores tiverem o desprendimento de aceitarem realizar uma instrospecção honesta e conseguirem identificar suas carências, a sociedade brasileira - por meio de seus representantes eleitos, mas não apenas eles - saberá estender-lhes a mão, sem recriminações, e ajudar-lhes na melhoria das nossas escolas.”
Ah, tá. Ele quer que os próprios professores reflitam sobre suas carências. Como se professor trabalhasse por dever cívico.
* Sim, sou contra tanto a estabilidade quanto a aposentadoria especial.
Nota: O autor trabalha como professor na rede pública estadual do Estado de São Paulo
http://www.andrekenji.com.br/weblog/?p=1831
André Kenji de Sousa