Gramsci

Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) foi um filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística. Foi membro-fundador e secretário-geral do Partido Comunista da Itália, e deputado pelo distrito do Vêneto, sendo preso pelo regime de Benito Mussolini. Gramsci é reconhecido, principalmente, pela sua teoria da hegemonia cultural que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições culturais para conservar o poder.

FONTE: Wikipédia

Escola unitária

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Gramsci entendeu que a educação tona-se dimensão estratégica na luta pela transformação social

Rosemary Dore

Gramsci não era professor, mas um “educador” no sentido lato do termo. Não de um ponto de vista dogmático – que ele tanto condenou –, mas de um ponto de vista dialético, atualizando as teorias que estavam na base dos projetos socialistas de transformação social. Queria torná-las capazes de responder às novas questões apresentadas pelas mudanças históricas de seu tempo.

Não sendo pedagogo, Gramsci entendeu que a educação era uma dimensão estratégica na luta pela transformação da sociedade e apresentou uma das mais consistentes propostas para organizar a cultura no mundo capitalista, delineando o projeto da escola unitária. Por que a educação e a escola assumiram, para ele, importância tão decisiva?

Uma resposta para essa questão relaciona-se ao aprofundamento de seus estudos sobre o Estado capitalista, que o fizeram romper com teorias que dominavam o movimento socialista, do qual ele também fazia parte. Um dos principais aspectos dessa ruptura é a sua crítica à noção de que as ideias não tinham importância, de que eram apenas um produto do domínio do capital. Para tal concepção, se a coisa mais importante era derrubar o capital, a escola era uma questão secundária. Suas mudanças viriam depois da queda do capitalismo.

Gramsci condena a concepção fatalista do colapso do capitalismo, mostrando que as mudanças ocorridas a partir do fim do século 19 tinham modificado muito as relações entre Estado e sociedade. A partir dessa época, começam a cair as proibições ao direito dos trabalhadores de fazer greve, formar sindicatos, votar e ser votados, organizar partidos, publicar jornais. Com isso, vão se constituindo mediações entre a economia e o Estado, que se expressam na sociedade civil: o partido político, o sindicato, a imprensa, a escola.

Se o surgimento dessas instituições indica um processo de organização das classes subalternas, também mostra que os grupos dominantes atuam nas instituições da sociedade civil difundindo concepções de mundo com vistas a obter o consentimento das massas às suas ideias e ao seu governo. O trabalho realizado pela burguesia nas instituições da sociedade civil para garantir o consenso ao seu governo deixa aberta a disputa pela direção cultural da sociedade.

Essa ideia aproxima-se do que Gramsci entendeu como “trama privada”, chamando a sociedade civil de “aparelho ‘privado’ de hegemonia”. As instituições da sociedade civil são compreendidas como “trincheiras de luta” porque nelas se dá o confronto entre projetos sociais e políticos que são contraditórios entre si, no quadro da disputa pela hegemonia.

O trabalho para convencer as classes subalternas a aceitar o status quo não se restringe ao mundo das ideias. As concepções de mundo são acompanhadas de comportamentos: um modo de pensar tem um modo de agir que lhe é correspondente. Se as massas prestam o seu consentimento ao Estado capitalista, o Estado torna-se hegemônico, exercendo a direção intelectual e moral da sociedade. Percebendo essa “trama”, Gramsci descobre a importância de um movimento intelectual para difundir novas concepções de mundo que elevem a consciência civil das massas populares e produzam novos comportamentos, de uma reforma intelectual e moral. Descobre, enfim, a exigência política de conquistá-las para outra concepção de mundo, para que elas possam cindir com a direção do Estado capitalista.

É no âmbito da reflexão do Estado ampliado que Gramsci questiona as liberdades civis e políticas do Estado democrático. De nada valiam os direitos conquistados com a ampliação da democracia, como o direito político do cidadão de escolher seus dirigentes e poder ser dirigente, se as massas tinham dificuldades para se organizar politicamente, para se expressar com coerência e de forma unitária e ainda lhes faltavam elementos conceituais para criticar seus governantes.

Esse questionamento mostra sua preocupação em identificar meios para elevar cultural e politicamente as massas. Trata-se de uma perspectiva que vai muito além da formação para a cidadania. Gramsci olha para a educação como um homem político. Pensa um programa educacional, procurando identificar métodos e práticas que propiciem aos trabalhadores sair da condição de subalternidade.

Centro unitário de cultura e escola unitária

Gramsci defende a organização de um “centro unitário de cultura”, cujo objetivo é a “elaboração unitária de uma consciência coletiva”. Sua reflexão envolve análises sobre diferentes possibilidades metodológicas que poderiam propiciar a superação do “senso comum” e a formação do pensamento filosófico. Envolve também a discussão das instituições que atuam na formação de intelectuais, tais como a imprensa e, principalmente, a escola. E o mais importante é que um “centro cultural unitário” precisaria ter uma referência filosófica para orientar o confronto ideológico, seja com o senso comum, seja com as concepções de mundo dominantes. Defende, então, que a “filosofia da práxis” constitua a referência crítica do “centro cultural unitário”.

O “princípio unitário” relaciona-se à luta para a igualdade social, para a superação das divisões de classe que separam a sociedade entre governantes e governados. Ao delinear o “programa escolar” que deveria servir de guia para a organização de um centro de cultura integrado à luta ideológica para a conquista da hegemonia, Gramsci assinala que o princípio unitário ultrapassa a escola como instituição: “O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário se refletirá, por isso, em todos os organismos de cultura, transformando-os e dando-lhes um novo conteúdo”.

A proposta educacional apresentada por Gramsci é a da “escola unitária”. Para esboçá-la, o autor dedica grande atenção à escola clássica, humanista, existente antes da reforma de Giovanni Gentile, introduzida na Itália no início dos anos 1920. Mesmo não sendo democrática, a “velha escola” tinha métodos de ensino que propiciavam a aquisição de capacidades dirigentes e poderiam ser reorientados para as exigências populares de acesso ao saber. O seu princípio poderia ser sintetizado “no conceito e no fato do trabalho”. Estando em crise, ela não podia mais responder às exigências advindas com as mudanças econômicas, sociais e políticas do mundo industrial e, por isso, era preciso encontrar um novo princípio educativo. Frente a essa crise, Gramsci identifica pelo menos três tendências para a organização da escola, com as quais polemiza: a “escola ativa”, a tendência à proliferação de escolas profissionais, a escola única do trabalho.

A “escola ativa” correspondia à iniciativa de pedagogos idealistas, como Gentile, que queriam tomar esse modelo como diretiva da reforma da escola e substituir a escola humanista. Gramsci critica a reforma de Gentile e o fato de a escola ativa ainda estar numa “fase romântica”, na qual foram acirrados os elementos de luta contra a escola jesuíta. Contudo, incorpora ao programa da escola unitária muitos aspectos do princípio da atividade, como a relação ativa entre mestre e aluno. Aliás, é esse princípio que Gramsci relaciona ao conceito de hegemonia, retirando-o do ambiente escolar e alargando-o para toda a sociedade.

Quanto às escolas profissionalizantes, Gramsci considera que sua multiplicação se realizava sem um princípio educativo claro. Ao oferecerem uma pluralidade de qualificações técnico-profissionais, elas pretendiam dar aos trabalhadores a ilusão de que a formação profissional possibilitava o acesso a posições de poder e prestígio na sociedade. No entanto, as escolas profissionais contribuíam para garantir a divisão de classes, já que seu ensino não estava voltado para preparar dirigentes. Elas contribuíam para manter as estratificações sociais em formas “chinesas”.

Para responder aos problemas gerados pela crise da escola humanista e face aos limites das tendências então emergentes, que mantinham as divisões entre governantes e governados, Gramsci indica a escola única, surgida no processo da Revolução Russa. Reforça seu princípio da unidade do trabalho intelectual e manual, mas critica sua proposta de profissionalização precoce, o que a impossibilitava de formar um homem completo. Busca, então, definir uma formação que propicie às classes subalternas não apenas obter qualificações técnicas que lhes permitam se inserir no mundo produtivo como também adquirir uma sólida formação geral que lhes possibilite ampliar sua esfera de participação no governo da sociedade.

O princípio da escola unitária é o princípio do trabalho, formulado em estreita relação com a escola humanista e com sua perspectiva de formar dirigentes. Mas a ideia de trabalho não significa cingir a educação ao trabalho da fábrica, mas partir da “técnica-trabalho” para atingir a “técnica-ciência” e a “concepção histórica e humanista”. Esse é o seu princípio para formar o “dirigente”, isto é, especialista + político.

Para Gramsci, portanto, a formulação de uma proposta para a educação que integre um programa político em direção à igualdade social é referência para a crítica às desigualdades produzidas pelo sistema capitalista e que se exprimem nas diversas instâncias da sociedade e da cultura, como também na escola. Refere-se à luta pela unificação do ser humano como possibilidade de realização, como devir.

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/escola-unitaria/

Gramsci e a Organização da Escola Unitária

Wânia R. Coutinho Gonzales*

Sumário - Os autores nacionais que discutem as complexas relações entre educação e trabalho se apoiam, em grande parte, no pensamento de Karl Marx e Antonio Gramsci. Entretanto, as idéias de ambos têm possibilitado aos estudiosos múltiplas interpretações que nem sempre são consensuadas no meio acadêmico. Esse trabalho tem como objetivos o resgate do pensamento de Gramsci a partir de sua proposta de integração entre educação, trabalho e cultura; polemizar sobre algumas afirmações que são atribuídas ao autor e efetuar comparações acerca da concepção de educação politécnica de Marx e da proposta de escola unitária de Gramsci.

*Wânia R. Coutinho Gonzales é mestre em Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas.

O pensamento de Antônio Gramsci é uma referência obrigatória para discutirmos a relação entre educação e trabalho. Entretanto, utilizamos de maneira recorrente as idéias do autor a partir da apropriação de outros autores tais como: Paulo Nosella, Carlos Nelson Coutinho e Mário M. Manacorda, dentre outros. Por esse motivo considero ser oportuno analisar as idéias de Gramsci acerca da organização da escola unitária expressas, principalmente, em dois capítulos, A organização da escola e da cultura e Para a investigação do princípio educativo, do livro Os intelectuais e a organização da cultura. Neste livro são reproduzidas partes dos Escritos do cárcere, o caderno nº 12 que trata dos intelectuais, da cultura e da escola, escrito em 1932. Ciente de que essa trajetória já foi efetuada pelos autores citados, esse trabalho tem como objetivo enfatizar a abrangência das idéias de Gramsci no que se refere à integração entre educação, trabalho e cultura.

A escola unitária

A educação para Gramsci desempenha um papel fundamental tanto na consolidação da hegemonia como na formulação da contra-hegemonia. 1 Para o autor a hegemonia é assegurada pelos organismos privados e não inteiramente pelo Estado. A organização escolar, ao lado de outras instituições da sociedade civil, auxiliam na consolidação da hegemonia que é exercida essencialmente em nível da cultura e da ideologia. O sistema educacional se constitui num dos canais onde se dá a produção e a difusão da ideologia. Nesse sentido, "a escola é o instrumento para formar intelectuais de vários níveis". 2 No sistema educacional burguês tradicional são formados os intelectuais orgânicos da classe burguesa que contribuem para a manutenção da hegemonia. Existem nesse grupo de intelectuais indivíduos que têm uma concepção de mundo que transcende os seus interesses de classe e auxiliam na formulação da contra-hegemonia. Esses dois tipos de intelectuais são formados na escola mas, no que se refere a esse último grupo, a sua consciência é formada fora da escola, isto é, no partido político. O mesmo acontece com os intelec-tuais orgânicos não profissionais.

Gramsci 3, ao analisar o sistema de ensino italiano, critica a sua dualidade, isto é, a existência de dois tipos de ensino: a escola humanista e as escolas particulares de diferentes níveis. A primeira destinada a desenvolver a cultura geral dos indivíduos da classe dominante enquanto a outra prepara os alunos oriundos das classes dominadas para o exercício de profissões. Com o desenvolvimento da base industrial houve o surgimento do intelectual urbano e a necessidade de profissionalização desses indivíduos nas escolas técnicas.

No que se refere à escola clássica Gramsci afirma que:

A tendência hoje é a de abolir qualquer tipo de escola desinteressada (não imediatamente interessada) e formativa, ou conservar delas tão-somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite de senhores e mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro profissional. 4

Para Gramsci, 5 a solução da crise do sistema de ensino italiano se daria a partir da implantação da escola única de cultura geral, formativa, que equilibrasse o desenvolvimento tanto da capacidade intelectual como da manual. Essa escola forneceria orientação profissional e prepararia os indivíduos fosse para o ingresso em escolas especializadas, fosse para o trabalho produtivo.

Gramsci 6 está atento para o fato de que a criação intelectual e prática, assim como o desenvolvimento de autonomia e iniciativa dos indivíduos, requerem uma certa maturidade. Nesse sentido ele alerta que a fixação da idade escolar depende de o Estado assumir certos encargos que ficam por conta das famílias, afirmando o caráter público da escola unitária. Pois somente desta forma a educação pode atingir todos os indivíduos sem distinção de classe.

A operacionalização da escola única requer mudanças na organização escolar que dizem respeito aos prédios, material científico e corpo docente. É enfatizada a necessidade de um maior número de docentes "pois a eficiência da escola é muito maior e intensa quando a relação entre professor e aluno é menor." 7 As instalações devem ter dormitórios, refeitórios, bibliotecas especializadas, salas para trabalhos de seminário, etc. O autor 8 defende que, na etapa inicial de implantação da escola unitária, apenas um grupo reduzido de alunos tenha acesso a ela. A seleção para o ingresso seria efetuada por concurso ou a partir de indicações por instituições idôneas.

No que se refere à organização da escola unitária o autor assinala que esta deveria englobar as escolas primárias e médias mas com uma reformulação de seus conteúdos, métodos e disposição dos graus:

O primeiro grau elementar não deveria ultrapassar três-quatro anos e, ao lado do ensino das primeiras noções de instrumentais de instrução (ler, escrever, fazer contas, geografia e história), deveria desenvolver notadamente a parte relativa aos direitos e deveres /.../ as primeiras noções de Estado e de Sociedade /.../ O resto do curso não deveria durar mais de seis anos de modo que, aos quinze-dezesseis anos, dever-se-ia concluir todos os graus da escola unitária.9

O autor 10 chama a atenção para o fato de que os jovens das classes mais favorecidas têm em sua vida familiar um ambiente que lhes facilita a carreira escolar. Os alunos urbanos, pelo fato de viverem nas cidades, também dominam noções e aptidões importantes para a aprendizagem. Gramsci 11 defende que na escola unitária devem-se criar condições para que os indivíduos tenham acesso a esse repertório de informações que facilitam o processo de ensino-aprendizagem. A criação de uma rede de auxílios à infância, que atuem paralelamente à escola unitária, também é prevista e tem como objetivo desenvolver nas crianças noções e aptidões pré-escolares assim como "uma certa disciplina coletiva." 12

O autor 13 relativiza o papel da disciplina na escola única na medida em que critica a disciplina existente por esta ser mecânica e hipócrita. Outra crítica ao sistema de ensino vigente diz respeito à distância existente entre os liceus e a universidade, assinalada da seguinte forma:

Do ensino quase puramente dogmático, no qual a memória desempenha um grande papel, passamos à fase criadora ou de trabalho autônomo e independente; da escola com disciplina de estudo imposta e controlada autoritariamente passa-se a uma fase de estudo ou de trabalho profissional na qual a autodisciplina intelectual e autonomia moral são teoricamente ilimitadas. 14

É privilegiado na escola unitária o incentivo de métodos de estudo e aprendizagem que estimulem a criatividade não devendo estes ser monopólios da universidade.

Na escola unitária, a última fase deve ser concebida e organizada como a fase decisiva, na qual se tende a criar os valores fundamentais do humanismo, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático (indústria, burocracia, organização de trocas, etc). 15

A criatividade deve ser estimulada na escola e não deixada ao acaso da vida prática. Gramsci esclarece que:

A escola criadora não significa escola de inventores e descobridores; ela indica uma fase e um método de investigação e conhecimento, e não um programa predeterminado que obrigue à inovação e à originalidade a todo custo. 16

Nesse tipo de escola o professor desempenha um papel fundamental tendo a função de guia amigável tal como acontece de uma maneira geral na universidade. Os docentes devem ter "consciência de seu dever e do conteúdo filosófico desse dever." 17 O docente não deve ser passivo e sim engajado na proposta da escola unitária.

Para o autor a descoberta faz parte do processo criativo e caracteriza que o indivíduo possui método e por isso atingiu a maturidade intelectual. Mas, para se chegar a esse estágio, "a atividade escolar se desenvolverá nos seminários, nas bibliotecas e nos laboratórios experimentais. É [na atividade escolar] que serão recolhidas as indicações orgânicas para a orientação profissional." 18 Na escola unitária devem ser iniciadas as novas relações entre trabalho intelectual e trabalho manual que se estenderão a toda a vida social.

As universidades e as academias também devem assumir novas funções. Para o autor:

Estas duas instituições são, atualmente, independentes uma da outra; as academias são o símbolo, ridicularizado freqüentemente com razão, da separação existente entre a alta cultura e a vida, entre os intelectuais e o povo. 19

A sua proposta consiste em que a academia deve manter um intercâmbio com a universidade e deve possibilitar aos egressos da escola única, que ingressaram no trabalho, acesso ao conhecimento e subsídios para o desenvolvimento de atividades culturais. A sua preocupação é de que os trabalhadores não devem ser passivos intelectualmente. Nesse sentido Gramsci propõe a integração do mundo da cultura com o mundo do trabalho:

Unificar os vários tipos de organização cultural existentes: academias, institutos de cultura, círculos filológicos, etc., integrando o trabalho acadêmico tradicional /.../ a atividades ligadas à vida coletiva, ao mundo da produção e do trabalho. 20

Esses organismos também manteriam um intercâmbio com as universidades. A finalidade dessa iniciativa é centralizar e dar impulso à cultura nacional.

A aproximação entre educação e trabalho se inicia na escola elementar com o objetivo de despertar uma nova concepção de mundo nos jovens.

O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática ) é o princípio educativo imanente à escola elementar, já que a ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem natural pelo trabalho; a atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição, liberta o homem de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para posterior desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo. 21

Essa abordagem permite uma maior aproximação da escola com a vida que, por outro lado, ocasiona uma participação mais ativa dos indivíduos na sociedade.

O autor relata a tendência das escolas em fornecer uma formação com objetivos imediatistas. Esse fato está relacionado à crise da tradição cultural e da concepção de vida e de homem. Ressalta, entretanto, que a escola pode ser formativa e instrutiva, ou seja, rica em noções concretas. Recomenda que:

Deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, um tipo de escola preparatória (elementar e média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. 22

À primeira vista a criação de escolas profissionalizantes pode parecer democrático mas, para o autor, esse tipo de escola acirra as diferenças sociais. Ao invés da qualificação para um determinado posto de trabalho, Gramsci defende que a escola capacite todo o indivíduo, mesmo que abstratamente, a ser dirigente, pois:

A democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados (no sentido de governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada governado a aprendizagem gratuita de capacidades e de preparação técnica geral necessárias ao fim de governar. 23

Gramsci nos alerta que as crianças oriundas de classes sociais diferentes possuem hábitos distintos e a escola deve criar mecanismos para transpor essas barreiras:

Deve-se convencer a muita gente que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante, com um tirocínio particular próprio, não só muscular-nervoso mas intelectual; é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo sofrimento. 24

Mas, para as crianças criadas em familiaridade com o ambiente intelectual, existe uma maior facilidade de concentração. Gramsci 25 defende que a escola deva contribuir para superar as diferenças no que diz respeito ao regime alimentar na medida em que carências nesse sentido ocasionam dificuldades no estudo. Enfim, as diferenças de classe dificultam o êxito dos filhos da classe trabalhadora e medidas devem ser tomadas para suprir essas carências.

Omnilateralidade

Gramsci retoma às idéias de Marx no que se refere a omnilateralidade 26 concepção que diz respeito à realização/emancipação do homem através do trabalho. É estabelecida uma distinção entre trabalho alienado e trabalho produtivo. O primeiro é definido como a atividade que produz algo exterior a si mesmo sendo, portanto, uma atividade exteriorizada e objetivada. Sua característica fundamental consiste no fato de a produção ocorrer não para satisfazer as necessidades do indivíduo e sim as do mercado. O trabalho é atividade humana que produz valor de troca. A produção é direcionada para a necessidade de outras pessoas e o seu produto não pertence ao trabalhador. Este recebe em troca um salário e o transforma em bens de subsistência para sua família. É no regime de assalariado que o trabalho revela a sua essência alienante: uma atividade que produz valor de troca para outro. O próprio homem é convertido em mercadoria e passa a ter valor pela sua capacidade de produzir valor. O homem de sujeito passa a ser objeto daquele para quem trabalha.

A introdução da máquina no processo produtivo reduz, cada vez mais, a intervenção consciente do homem no trabalho. Nessa alienação o trabalho perde todo o caráter de atividade humana, isto é, desaparece a consciência de si pela qual o homem se projeta e se satisfaz no seu produto. No trabalho alienado o homem não produz significados. A contínua repetição de uma determinada operação instala a morte psicológica do sujeito.

"O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício e mortificação." 27 O homem passa a aceitar esse tipo de trabalho como parte de sua natureza humana. Esse fato ocorre na medida em que o homem é educado para aceitar o trabalho como forma natural da existência e não como uma forma alienante, histórica e circunstancial.

Toda a concepção de Marx acerca da emancipação humana só pode ser plenamente compreendida através da oposição entre trabalho alienado e trabalho produtivo. O trabalho para Marx 28 não era uma categoria meramente econômica e sim uma categoria antropológica impregnada de juízo de valor oriundo de sua posição humanista. É através do trabalho que há a plena identificação do homem com a natureza. Marx acompanha o pensamento de Hegel que entendia o trabalho como "o ato de autocriação do homem". O trabalho produtivo é a atividade pela qual o homem desenvolve-se a si mesmo. É a expressão própria do homem, uma expressão de suas faculdades físicas e mentais

Marx 29 defende a abolição completa da sujeição do homem a uma única atividade durante toda sua vida. Esse aspecto deve-se ao fato de privilegiar o desenvolvimento do homem total e universal. Ele adverte que o homem deve ser emancipado da influência mutiladora da especialização. Marx explicita que nas sociedades capitalistas os homens, na maioria das vezes, se dedicam a uma atividade até o fim de sua vida para obter seu salário. Por outro lado:

Na sociedade comunista ninguém tem uma esfera exclusiva de atividade, mas qualquer um pode realizar-se em qualquer ramo que desejar, a sociedade regula a produção geral e torna possível, assim, a gente fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, criar gado de noite, criticar após o jantar, tal como se deseje sem jamais se tornar caçador, pescador ou crítico. 30

A abolição da divisão do trabalho acarretaria a associação do trabalho intelectual e manual.

Gramsci também acreditava que na sociedade socialista o trabalho assumiria características distintas das encontradas na sociedade capitalista. Nessa sociedade o trabalho gera apenas a sobrevivência de cada indivíduo sem contribuir para a formação da riqueza universal. Para ele 31, o trabalho industrial transcende o modo de produção capitalista podendo ser autônomo e criativo, diferentemente do tipo americano, ou seja, o trabalho industrial na forma socialista. Este deve estar sob a direção político-administrativa do trabalhador e gerar cada vez mais riqueza universal contribuindo para a melhoria de toda a organização social.

Gramsci enriqueceu a discussão acerca da relação entre educação e trabalho. Assim como Marx ele 32 privilegia a formação do sujeito na perspectiva da omnilateralidade. Pretende que a educação contribua na transformação dos indivíduos em sujeitos. Ambos almejam que a educação prepare os indivíduos para a sociedade socialista

Considerações Finais

No que se refere à operacionalização da proposta de união entre educação e trabalho de Gramsci e Marx encontramos algumas diferenças entre o trabalho como princípio educativo e a politecnia. No documento Instruções aos Delegados do Conselho Central Provisional 33 Marx defende a tese de que, a partir dos 9 anos, todas as crianças devem se converter em trabalhadores produtivos e que todos os adultos devem trabalhar tanto com o cérebro como com as mãos. As crianças e jovens, de ambos os sexos, deveriam ser divididas em três grupos de acordo com a sua faixa etária: 9 a 12, 13 a 15 e 16 a 17 anos, e deveriam trabalhar 2, 4 e 6 horas respectivamente. A sua proposta de educação politécnica compreende três pontos centrais: educação intelectual, educação corporal e educação tecnológica. O primeiro ponto não é detalhado pelo próprio autor. O segundo tem como objetivo atenuar os efeitos mutiladores da produção através de exercícios militares e de ginástica. O terceiro ponto compreende a educação tecnológica que deve abordar os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, iniciar as crianças e adolescentes a operar com instrumentos de trabalho dos diversos ramos industriais. A combinação desses três elementos colocaria a classe operária acima do nível da aristocracia e da burguesia.

Para Marx 34 a integração educação e trabalho visava à regulamentação do trabalho das crianças, redução da jornada de trabalho para oito horas e abolição do trabalho noturno para os menores. A limitação da jornada de trabalho é uma condição de melhoria e emancipação da classe trabalhadora e possibilitaria o resgate da saúde e da energia física dos trabalhadores assim como asseguraria a possibilidade de desenvolvimento espiritual tanto nas atividades sociais como nas atividades políticas. Marx estava atento para a tendência da indústria moderna de incorporar o trabalho das crianças e jovens e defende a sua regulamentação. Nesse sentido é enfatizado que não deveria ser permitido aos pais e aos empresários empregar, recorrer ao trabalho dos jovens, senão no caso em que este estivesse relacionado com a educação.

Ao contrário de Marx, Gramsci não se refere à inserção das crianças no processo produtivo. O trabalho para ele vai ser inserido na escola a partir de dois elementos educativos fundamentais: noções de ciências naturais e noções de direitos e deveres do cidadão. Gramsci pretende desenvolver nas crianças a capacidade de trabalhar. Enquanto Marx valoriza o trabalho industrial, inclusive o seu aspecto prático, Gramsci privilegia o trabalho industrial como princípio educativo assegurando uma autonomia com relação à fábrica. No que se refere a esse aspecto encontramos opiniões coincidentes entre Manacorda 35 e Nosella. 36 Ambos afirmam que a base da cultura, da educação e da escola é a prática produtiva do trabalho industrial.

Manacorda 37 afirma que Gramsci nega a espontaneidade da criança no processo educativo e que o autor tem uma visão negativa do processo educativo como um desnovelamento. O cérebro da criança é um novelo que o professor ajuda a desenrolar. Esse é um aspecto polêmico na medida em que em outros momentos dos Cadernos o autor nos transmite uma visão mais otimista das crianças. Ao avaliar o ensino da lógica formal ele afirma que:

A relação de tais esquemas educativos com espírito infantil é sempre ativa e criadora, como ativa e criadora é a relação entre o operário e seus utensílios de trabalho. 38

A partir da leitura do próprio Gramsci acredito ser oportuno enfatizar que o autor tem como pressuposto pedagógico da escola unitária a construção ativa do conhecimento, partindo da premissa de que os indivíduos são criativos. Pois o autor chega a afirmar, inclusive, que todos os homens são filósofos:

Ainda que à sua maneira, inconscientemente, já que na menor manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na linguagem está contida uma determinada concepção de mundo. 39

Diferente de Marx, Gramsci detalha, com mais elementos, a operacionalização de sua proposta de implantação de uma escola pautada nos pressupostos socialistas. A importância dessa proposta está no fato de o autor explicitar as diretrizes a serem adotadas na modificação do sistema de ensino como um todo, partindo da integração cultura, educação e trabalho.

Nesse sentido é que Manacorda afirma, com razão, que:

Cabe [a Gramsci] o grande mérito de ter sabido ler em Marx não apenas os temas igualitários e econômicos que a alguns aparecem quase como exclusivos, mas também os temas humanistas da liberdade, da cultura, que alguns não sabem encontrar, e de tê-los retomado de maneira original, aos modernos desenvolvimentos sociais e ao moderno clima cultural. 40

Fonte: http://www.senac.br/informativo/bts/221/boltec221c.htm

NOTAS

1 GRAMSCI, Antonio. Dos cadernos do cárcere. In : COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci .Fontes do pensamento político. Porto Alegre: LPM, 1981. v.2 p.198-199.

2 Id. ibid., p.218.

3 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:. Civilização Brasileira, 1979. p.117.

4 Id. Ibid., p.118.

5 Id. ibid.

6 Id. ibid., p.121.

7 Id. ibid. O autor propõe que as turmas tenham um número reduzido de alunos. Neste, o sentido da palavra "menor" está relacionado a uma maior proximidade do professor com os alunos, objetivando uma melhoria de qualidade do trabalho desenvolvido. [N. do A.]

8 Id. ibid., p.122.

9 Id. ibid.

10 Id. ibid., p.122-123.

11 Id. ibid., p.123.

12 Id. ibid.

13 Id. ibid.

14 Id. ibid.

15 Id. ibid., p.124.

16 Id ibid.

17 Id. ibid., p.131.

18 Id. ibid, p.125.

19 Id. ibid. A distinção efetuada pelo autor entre academia e universidade considera que a primeira refere-se às instituições que desenvolvem trabalhos científicos ligados aos diversos segmentos profissionais, tal como acontece na nossa sociedade onde existem, entre outras, a Academia Brasileira de Medicina, Academia Brasileira de Letras, etc.

20 Id. ibid., p.126.

21 Id. ibid., p.130.

22 Id. ibid., p.136.

23 Id. ibid., p.137.

24 Id. ibid., p.138-139.

25 Id. ibid., p. 139.

26 Id. ibid., p. 130.

27 MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. Excertos de ideologia alemã. In: FROMM, Erich. Conceito marxista de homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. p.184.

28 Id. ibid.

29 Id. ibid.

30 Id. ibid.

31 NOSELLA, Paulo. O trabalho como princípio educativo em Gramsci. [S.l.: s.n.] Mimeo.. Trabalho apresentado na XII Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação-ANPED em Porto Alegre:RS, 26/04/1988 e em São Paulo, 09/05/89 . p.9.

32 GRAMSCI, Antonio. op. cit., (1979) p.130.

33 MARX, K. Instruciones a los delegados del Consejo Ventral Provisional sobre algunas questiones ( 20 de fevereiro de 1867) In: ENGELS, Carlos Marx Frederico. Obras Fundamentales. México: Fondo de Cultura Económica, 1988. La Internacional. v.17. p.15-22.

34 Id. ibid., p.17.

35 MANACORDA, Mário Aligheiro. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez, 1991. (Biblioteca da educação, série Escola, v.5). p.137.

36 NOSELLA, Paulo. op. cit., p.32-33.

37 MANACORDA, Mário A. op. cit., p.141.

38 GRAMSCI, Antonio. op. cit., (1979) p.138.

39 Id. op. cit., (1981) p.221.

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