Política e Religião

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Religião.

Rousseau conclui seu "Contrato social" com um capítulo sobre religião. Para começar, Rousseau é claramente não hostil à religião como tal, mas tem sérias restrições contra pelo menos três tipos de religião. Rousseau distingue a "religião do homem" que pode ser hierarquizada ou individual, e a "religião do cidadão".

A religião do homem hierarquizada, é organizada e multinacional. Não é incentivadora do patriotismo, mas compete com o estado pela lealdade dos cidadãos. Este é o caso do Catolicismo, para Rousseau. "Tudo que destrói a unidade social não tem valor" diz ele. Os indivíduos podem pensar que a consciência exige desobediência ao estado, e eles teriam uma hierarquia organizada para apoia-los e organizar resistência.

O exemplo de religião do homem não hierarquizada é o cristianismo do evangelho. É informal e não hierarquizada, centrada na moral e na adoração a Deus. Esta é, com certeza, para Rousseau, a religião em que ele nasceu e foi batizado, o calvinismo.

De início Rousseau nos diz que esta forma de religião é não somente santa e sublime, mas também verdadeira. Mas a considera ruim para o Estado.

Cristandade não é deste mundo e por isso tira do cidadão o amor pela vida na terra. "O Cristianismo é uma religião totalmente espiritual, preocupada somente com as coisas do céu; a pátria do cristão não é deste mundo". Como consequência os cristãos estão muito desligados do mundo real para lutar contra a tirania doméstica. Além disso, os cristãos fazem maus soldados, novamente porque eles não são deste mundo. Eles não irão lutar com a paixão e patriotismo que um exército mortífero requer.

Do ponto de vista do estado, e este é o aspecto que mais interessa a Rousseau, a religião nacional ou religião civil é a preferível. Ele diz que "ela reúne adoração divina a um amor da Lei, e que, em fazendo a pátria o objeto da adoração do cidadão, ela ensina que o serviço do estado é o serviço do Deus tutelar."

A religião do cidadão é o que na sua época chamava-se também "religião civil". É a religião de um país, uma religião nacional. Esta ensina o amor ao país, obediência ao estado, e virtudes marciais. A religião do império romano é seu exemplo.

No entanto, pelo fato mesmo de que serve ao Estado, a religião civil será manipulada segundo certos interesses, e por isso, diz Rousseau, "ela está baseada no erro e mentiras, engana os homens, e os faz crédulos e supersticiosos". E diz mais: a religião nacional, ou civil, faz o povo "sedento de sangue e intolerante".

Rousseau apresenta então sua proposta. Deveria ser concedida tolerância a todas as religiões, e cada uma delas conceder tolerância às demais.

Mas ele quer a pena de banimento para todos que aceitarem doutrinas religiosas "não expressamente como dogmas religiosos, mas como expressão de consciência social".

O Estado não deveria estabelecer uma religião, mas deveria usar a lei para banir qualquer religião que seja socialmente prejudicial. Para que fosse legal, uma religião teria que limitar-se a ensinar "A existência de uma divindade onipotente, inteligente, benevolente que prevê e provê; uma vida após a morte; a felicidade do justo; a punição dos pecadores; a sacralidade do contrato social e da lei".

O fato de que o estado possa banir a religião considerada antisocial deriva do princípio de supremacia da vontade geral (que existe antes da fundação do Estado) à vontade da maioria (que se manifesta depois de constituído o Estado), ou seja, se todos querem o bem estar social, e se uma maioria deseja uma religião que vai contra essa primeira vontade, essa maioria terá que ser reprimida pelo governo.

Refugiado em Neuchatel, ele escreveu Lettres ecrites de la Montagne (Amsterdam, 1762), no qual, com referência à constituição de Genebra, ele advogava a liberdade de religião contra a Igreja e a polícia. A parte mais admirável nisto é o credo do vigário da Saboia, Profession de foi du vicaire savoyard, no qual, em uma frase feliz, Rousseau mostra uma natural e verdadeira susceptibilidade para a religião e para Deus, cuja omnipotência e grandeza são, para ele, publicamente renovadas cada dia.

Espiritualidade e Religião

Texto do pastor René Kivitz - da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo) - inspirado em fato real.

No dia 1°/Abr/2010, o elenco do Santos, atual campeão paulista de futebol, foi a uma instituição que abriga trinta e quatro pessoas.

O objetivo era distribuir ovos de Páscoa para crianças e adolescentes, a maioria com paralisia cerebral.

Ocorreu que boa parte dos atletas não saiu do ônibus que os levou.

Entre estes, Robinho (26a), Neymar (18a), Ganso (21a), Fábio Costa (32a), Durval (29a), Léo (24a), Marquinhos (28a) e André (19a) todos ídolos super-aguardados.

O motivo teria sido religioso: a instituição era o Lar Espírita Mensageiros da Luz, de Santos-SP, cujo lema é Assistência à Paralisia Cerebral.

Visivelmente constrangido, o técnico Dorival Jr. tentou convencer o grupo a participar da ação de caridade. Posteriormente, o Santos informou que os jogadores não entraram no local simplesmente porque não quiseram.

Dentro da instituição, os outros jogadores participaram da doação dos 600 ovos, entre eles, Felipe (22a), Edu Dracena (29a), Arouca (23a), Pará (24a) e Wesley (22a), que conversaram e brincaram com as crianças.

Eis que o escritor, conferencista e Pastor (com P maiúsculo) ED RENÉ KIVITZ, da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), fez uma análise profunda sobre o ocorrido e escreveu o texto abaixo. Tenho o prazer de compartilhar :

No Brasil, Futebol é Religião

por Ed Rene Kivitz

(cristão, pastor evangélico, e santista desde pequenininho)

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa.

Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé.

A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno; ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo; ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai.

E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.

Mas, quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz.

Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.

Uma das mais importantes conquistas democráticas no mundo contemporâneo é a separação entre religião e política. Não é que não tenham nada a ver, mas as relações políticas, sociais, cívicas, não podem ser orientadas pelas opções religiosas. Os Estados democráticos são Estados laicos.

Todos devemos ser iguais diante das leis, sem influência de nossas opções individuais – religiosas, sexuais, de diferenças étnicas, etc. Somos diversos nas nossas opções de vida, mas devemos ser iguais nos nossos direitos como cidadãos.

Os Estados religiosos – sejam islâmicos, sionistas ou outros – fazem das diferenças religiosas elementos de discriminação política. Xiitas e sunitas têm direitos distintos, conforme a tendência dominante em países islâmicos. Judeus e árabes são pessoas com direitos totalmente distintos em Israel. Para dar apenas alguns dos exemplos mais conhecidos.

Um Estado democrático, republicano, é um Estado laico e não religioso, nem étnico. Que não estabelece diferenças nos direitos pelas opções privadas das pessoas. Ao contrário, garante os direitos às opções privadas das pessoas. Nestas deve haver a maior liberdade, com o limite de que não deve prejudicar a liberdade dos outros de fazerem suas opções individuais e coletivas.

Por razões de sua religião, pessoas podem optar por não fazer aborto, por não se divorciar, por não ter relações sexuais senão para reprodução, por não se casar com pessoas do seu mesmo sexo. São opções individuais, que devem ser respeitadas, por mais que achemos equivocadas e as combatamos na luta de idéias. Mas nenhuma religião pode querer impor suas concepções aos outros – sejam de outras religiões ou humanistas.

A educação pública deve ser laica, respeitando as diferenças étnicas, religiosas, sexuais, de todos. Os que querem ter educação religiosa, devem tê-la em escolas religiosas, conforme o seu credo. Os recursos públicos devem ser destinados para as escolas públicas.

Da mesma forma a saúde pública deve atender a todos, conforme suas opções individuais, sem prejudicar os direitos dos outros.

A Teologia da Libertação é um importante meio de despertar consciência social nos religiosos, como alternativa à visão tradicional, que favorece a resignação (esta vida como “vale de lágrimas”, o sofrimento como via de salvação). Mas não pode tentar impor visões religiosas a toda a sociedade que, democrática, não opta por nenhuma religião. Os religiosos devem orientar seus fieis, conforme suas crenças, mas não devem tentar impor aos outros suas crenças.

Religião e política são coisas diferentes. A opção religiosa ou humanista é uma opção individual, da mesma forma que as identidades sexuais, as origens étnicas ou outras dessa ordem.

Misturar religião com política, ter Estados religiosos – Irã, Israel, Vaticano, como exemplos – desemboca em visões ditatoriais, até mesmo totalitárias. Na democracia, os direitos individuais e coletivos devem ser garantidos para todos, igualmente. Ninguém deve ter mas direitos ou ser discriminado, por suas opções individuais ou coletivas, desde que não prejudique os direitos dos outros.

Que possamos ser diversos, desde que não prejudiquemos aos outros. Iguais, nos direitos e nas possibilidades de ser diferentes. Diferentes sim, desiguais, não.

Emir Sader