A Servidão Natural - Aristóteles

Mas faz a natureza ou não de um homem um escravo? É justa e útil a escravidão ou é contra a natureza? É isto que devemos examinar agora.O fato e a experiência, tanto quanto a razão, nos conduzirão aqui ao conhecimento do direito.

Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante do nascimento, são, por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar, outros para obedecer.

Entre eles, há várias espécies de superiores ou de súditos, e o mando é tanto mais nobre quanto mais elevado é o próprio súdito. Assim, mais vale comandar homens do que animais. O que se executa mediante melhores agentes é sempre mais bem executado, partindo então a execução do mesmo princípio que o comando; ao passo que, quando aquele que manda e aquele que obedece são de espécies diferentes, cada um sacrifica algo de seu.

Em tudo o que é composto de várias partes, quer contínuas, quer disjuntas, mas tendentes a um fim comum, sempre notamos uma parte eminente à qual as outras estão subordinadas, e isso não apenas nas coisas animadas, mas também nas que não o são, tais como os objetos suscetíveis de harmonia.

Mas, aqui, me afastarei por certo de meu objetivo.

O animal compõe-se primeiro de uma alma, depois de um corpo: a primeira, por sua natureza, comanda e o segundo obedece. Digo "por sua natureza", pois é preciso considerar o mais perfeito como tendo emanado dela, e não o que é degradado e sujeito à corrupção. O homem, segundo a natureza, é aquele que é bem constituído de alma e de corpo. Se nas coisas viciosas e depravadas o corpo não raro parece comandar a alma, é certamente por erro e contra a natureza.

É preciso, portanto, como dissemos, considerar nos seres animados a autoridade do senhor e a do magistrado: a primeira é a da alma sobre o corpo; a segunda exerce sobre as paixões humanas o poder da razão. É claro que o comando, nestas duas espécies, é conforme à natureza, assim como ao interesse de todas as partes, e a igualdade ou a alternância seriam muito nocivas a ambas.

O mesmo ocorre com o homem relativamente aos outros animais, tanto os que se domesticam quanto os que permanecem selvagens, a pior das duas espécies. Para eles é preferível obedecer ao homem; seu governo é-lhes salutar.

A natureza ainda subordinou um dos dois animais ao outro. Em todas as espécies, o macho é evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção.

Assim, em toda parte onde se observa a mesma distância que há entre a alma e o corpo, entre o homem e o animal, existem as mesmas relações; isto é, todos os que não têm nada melhor para nos oferecer do que o uso de seus corpos e de seus membros são condenados pela natureza à escravidão. Para eles, é melhor servirem do que serem entregues a si mesmos. Numa palavra, é naturalmente escravo aquele que tem tão pouca alma e poucos meios que resolve depender de outrem. Tais são os que só têm instinto, vale dizer, que

percebem muito bem a razão nos outros, mas que não fazem por si mesmos uso dela. Toda a diferença entre eles e os animais é que estes não participam de modo algum da razão, nem mesmo têm o sentimento dela e só obedecem a suas sensações. Ademais, o uso dos escravos e dos animais é mais ou menos o mesmo e tiram-se deles os mesmos serviços para as necessidades da vida.

A natureza, por assim dizer, imprimiu a liberdade e a servidão até nos hábitos corporais. Vemos corpos robustos talhados especialmente para carregar fardos e outros usos igualmente necessários; outros, pelo contrário, mais disciplinados, mas também mais esguios e incapazes de tais trabalhos, são bons apenas para a vida política, isto é, para os exercícios da paz e da guerra. Ocorre muitas vezes, porém, o contrário: brutos têm a forma exterior da liberdade e outros, sem aparentar, só têm a alma de livre.

Limitando-nos aos aspectos materiais, como no caso das estátuas dos deuses, não hesitamos em acreditar que os indivíduos inferiores devem ser submissos. Se isto é verdade quando se trata do corpo, por mais forte razão devemos di-lo da alma; mas a beleza de um não é tão fácil de discernir quanto a da outra.

Não pretendemos agora estabelecer nada além de que, pelas leis da natureza, há homens feitos para a liberdade e outros para a servidão, os quais, tanto por justiça quanto por interesse, convém que sirvam. No entanto, é fácil ver que a opinião contrária não seria inteiramente desprovida de razão.

A Servidão Convencional

Além da servidão natural, existe aquela que chamamos servidão estabelecida pela lei; esta lei é uma espécie de convenção geral, segundo a qual a presa tomada na guerra pertence ao vencedor.

Será justo? Sobre isso, os jurisconsultos não chegam a um acordo, nem tampouco, aliás, sobre a justiça de muitas outras decisões tomadas nas Assembléias populares, contra as quais eles reclamam.

Consideram cruel que um homem que sofreu violência se torne escravo do que o violentou e só tem sobre ele a vantagem da força. Este, pelo menos, é um ponto muito controverso para eles e, se têm muitos contraditores, têm também muitos partidários, mesmo entre os filósofos.

A razão de duvidar e de contestar é que a coragem, num grau eminente, sempre permanece vencedora; que a vitória de ordinário supõe em si uma superioridade qualquer; enfim, que a própria força é uma espécie de mérito. A dúvida só permanece, portanto, quanto ao direito: uns não podem separar o direito da benevolência, outros afirmam que é da própria essência do direito que o mais valente comande.

Destas duas opiniões, a segunda não é nem sólida nem tampouco persuasiva. A superioridade de coragem não é uma razão para sujeitar os outros.

Os que consideram a lei como justa (e o é, com efeito, quando não ordena nada de ilícito) não rejeitam absolutamente a servidão estabelecida pelas leis da guerra, mas tampouco a admitem inteiramente, pois a própria guerra pode ser injusta em seu princípio; ora, jamais um homem de bom senso tratará como escravo um homem que não mereceu a escravidão; caso contrário, dizem eles,

se bastasse pegar as pessoas e vendê-las, veríamos na escravidão personagens do mais alto nível, elas e seus filhos que caíssem em poder do vencedor. Pretendem, portanto, que se considerem estes homens simplesmente como estrangeiros, mas não como escravos, o que, pela intenção, se reduz ao que dissemos, que só são escravos os que foram destinados à servidão pela natureza.

É preciso convir, com efeito, que certas pessoas são escravas em toda parte e outras, nenhures.

O mesmo ocorre com a nobreza. Consideram a dos povos cultivados como pura e existente em toda a parte; a dos povos bárbaros, como local e boa somente para eles. Distinguem o homem livre do escravo, a nobreza do vulgo pelas vantagens e vícios de nascimento. Como diz a Helena de Teodecto:

Escrava, eu? Que homem tão audacioso

Poderia chamar assim uma filha dos deuses.

Os que partilham desta opinião não diferenciam o escravo do homem livre, o nobre do plebeu, senão pela distância entre o vício e a virtude; e, como o homem vem do homem e o animal do animal, acham que o bom só pode vir do bom.

Pode ser esta a intenção da natureza. Mas, longe de ser sempre bem-sucedida, muitíssimas vezes ela sofre desvios.

Embora a distinção entre o homem livre e o escravo por natureza tenha seus partidários e seus adversários, pelo menos não resta nenhuma dúvida de que se encontram em todos os lugares combinações de pessoas nas quais a uma cabe servir e à outra comandar, assumindo o papel para o qual a natureza as predestinou. O comando de uma pode ser justo e útil, e a liberdade da outra, injusta e funesta para ambas.

O que convém ao todo convém também à parte; o que convém à alma convém igualmente ao corpo. Ora, o escravo faz, por assim dizer, parte de seu senhor: embora separado na existência, é como um membro anexado a seu corpo. Ambos têm o mesmo interesse e nada impede que estejam ligados pelo sentimento da amizade, quando foi a conveniência natural que os reuniu.

As coisas são diferentes quando eles só estão reunidos pelo rigor da lei ou pela violência dos homens.

Local original do texto:

RECORTE do arquivo A Política - Aristóteles -.-www.LivrosGratis.net-.-.pdf disponível para download na internet

Acesso em 24/maio/2011