As Condições da Felicidade Particular - Aristóteles

Cremos ter estabelecido suficientemente em outro lugar em que consiste a felicidade da vida". Contentar-nos-emos aqui em fazer a aplicação de nossos princípios.

Ninguém contestará a divisão, habitual entre os filósofos, dos bens em três classes: os da alma, os do corpo e os exteriores. Todos estes bens devem ser encontrados junto às pessoas felizes.

Jamais se contará entre elas um homem que não tem coragem, nem temperança, nem justiça, nem prudência; quem tem medo até do vôo das moscas no ar; quem se entrega a todos os excessos da bebida e da comida; quem, pelo mais vil interesse, mataria seus melhores amigos; quem demonstra ter tão pouca razão quanto as crianças e os furiosos.

Mas, embora estejamos de acordo sobre isso, diferimos quanto ao mais e quanto ao menos. A maioria, pensando que lhes basta ter um pouco de virtude, deseja ultrapassar infinitamente os outros em riqueza, em poder, em glória e outros que tais. Sobre isto, é fácil saber o que pensar: basta consultar a experiência. Todos vemos que não é pelos bens exteriores que se adquirem e conservam as virtudes, mas sim que é pelos talentos e virtudes que se adquirem e conservam os bens exteriores e que, quer se faça consistir a felicidade no prazer ou na virtude, ou em ambos, os que têm inteligência e costumes excelentes a alcançam mais facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm mais do que o necessário e carecem dos outros bens.

Por pouco que atentemos a isto, a razão basta para nos convencer. Os bens exteriores são apenas instrumentos úteis, conformes a seu fim, mas semelhantes a qualquer outro instrumento, cujo excesso necessariamente é nocivo ou, pelo menos, inútil a quem os manipula. Os bens da alma, pelo contrário, não são apenas honestos, mas também úteis, e quanto mais excederem a medida comum, mais terão utilidade.

Em geral, as melhores disposições e maneiras de ser seguem entre si as mesmas proporções e desproporções que seus sujeitos; se, portanto, a alma, por sua natureza e relativamente a nós, tem um valor muito diferente do corpo e dos bens, seus bons costumes ultrapassam igualmente os dessas outras substâncias. Tais bens só são desejáveis por ela, e todo homem os deseja para a alma, e não a alma para eles. Consideremos, pois, como certo que a cada um cabe uma felicidade proporcional à virtude e à prudência que tiver, e na medida em que age conformemente a elas. Exemplo e prova disto é Deus, que é feliz não por algum bem exterior, mas por si mesmo e por seus atributos essenciais.

A felicidade é muito diferente da boa fortuna. vêm-nos da fortuna os bens exteriores, mas ninguém é justo ou prudente graças a ela, nem por seu meio.

Dos mesmos princípios depende a felicidade do Estado. É impossível que um Estado seja feliz se dele a honestidade for banida. Não há nada de bom a esperar dele, nem tampouco de um particular, sem a virtude e a prudência; a coragem, a justiça e a prudência têm no Estado o mesmo caráter e a mesma, influência que nos particulares; são exatamente os mesmos que merecem de nós a reputação de corajosos, justos e prudentes.

Que isto nos sirva de prefácio. Não podemos deixar de lembrar estes princípios. Como, porém, eles pertencem a uma outra teoria, não nos estenderemos mais aqui sobre eles`. Basta-nos agora ter estabelecido que a melhor existência para cada um em particular e para todos os Estados é a virtude com bastante riqueza para poder praticá-la.

Se alguém quiser contestá-lo, nós lhe daremos em seguida uma mais ampla satisfação.