Carta 23

QUANDO baterem em tua porta, cuidado ao abri-la, poderá ser alguém que há muito se quer. E entrará mansamente e assenhorear-se-á inteiramente de todos os espaços vazios de tua morada.

E deitará em tua cama e tomará do teu café. Lerá teus livros, ouvirá teus discos, verá poesia na crítica, falará de Filosofia, Literatura, Artes e Política, da vida não vivida por ninguém, da energia do corpo etéreo do ser zen.

E, no instante de um flerte pedindo proteção, sedarár-te com teu olhar e lhe fará chorar também, mesmo que teus olhos finjam não quererem se entregar à tal sedução. Em suas retinas se verão juntos, procurando na bagunça dos lençóis, as peças perdidas que há pouco lhe cobriam de seda. E reconhecerá tal lingerie em um corpo que nunca sentiu o teu... e jamais te esquecerá de como a teve bela naquelas vestes negras de transparência duvidosa.

E então, esperará que adormeças e sonhe com sua presença para depois partir no silêncio do não.

Quando baterem em tua porta, cuidado ao abri-la poderá ser alguém que se quer como nunca outro alguém jamais se quis e que poderá não querer receber tanto o teu querer assim.

E, em teu sono sentirá um frio estranho, mesmo entremeio a edredons e a verá em teu sonho a ajeitar a roupa ainda desarrumada e retocar em teu espelho a boca ainda desnudada de vivo batom... e deixará em vermelho um recado reticenciado dizendo: Foi bom...

E, toda a candura só se fará lembrar na carta em fragmentos a quem se quer, porque a única certeza,

de teres deixada algo de você para se lembrar, será quando por acaso olhares na estante esquecido, o livro Cândido, perdido, de Voltaire².

² François-Maire Aurouet (Voltaire) – Filósofo Francês do século XVIII autor de Cândido, entre enúmeras outras obras.

Novembro, de 2002

Westerley

se quer, encontramos também,a nós mesmos...

Quando encontramos alguém a quem

Carta Filosófica Nº 23