Do Cidadão - Aristóteles

Para bem conhecer a Constituição dos Estados e suas espécies, é preciso em primeiro lugar saber o que é um Estado, pois nem sempre se está de acordo se se deve imputar fatos ao Estado ou aos que o governam, quer como chefes únicos, quer num grupo menos numeroso do que o resto da Cidade. Ora, o Estado é o sujeito constante da política e do governo; a constituição política não é senão a ordem dos habitantes que o compõem.

Como qualquer totalidade, o Estado consiste numa multidão de partes: é a universalidade dos cidadãos. Comecemos, pois, por examinar o que devemos entender por cidadão e quem podemos qualificar assim, pois se trata de uma denominação equívoca e nem todos são unânimes sobre a sua aplicação.

Alguém que é cidadão numa democracia não o é numa oligarquia.

O Critério da Cidadania

Falemos aqui apenas dos cidadãos de nascimento, e não dos naturalizados.

Não é a residência que constitui o cidadão: os estrangeiros e os escravos não são "cidadãos", mas sim "habitantes".

Tampouco é a simples qualidade de julgável ou o direito de citar em justiça.

Para isso, basta estar em relações de negócios e ter ao mesmo tempo alguma coisa a resolver. Mesmo assim, há muitos lugares em que os estrangeiros não são admitidos nas audiências dos tribunais senão quando apresentam uma caução. Não participam, então, a não ser de um modo imperfeito, dos direitos da Cidade.

É mais ou menos o mesmo que acontece com as crianças que ainda não têm idade para serem inscritas na função cívica e com os velhos que, pela idade, estão isentos de qualquer serviço. Não podemos dizer simplesmente que eles são cidadãos; não são senão supranumerários; uns são cidadãos em esperança por causa de sua imperfeição, outros são cidadãos rejeitados por causa de sua decrepitude. Terão o nome que se quiser: o nome não importa desde que sejamos compreendidos. Procuramos aqui o cidadão puro, sem restrições nem modificações.

Com mais forte razão, devemos deliberadamente riscar desta lista os infames e os banidos.

Portanto, o que constitui propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto nas Assembléias e de participação no exercício do poder público em sua pátria.

Há dois tipos de poderes: uns são temporários, só são atribuídos por certo tempo e não se podem obter duas vezes em seguida; os outros não têm tempo fixo, como o de julgar nos tribunais ou de votar nas assembléias.

Objetar-se-á, talvez, que estes últimos não são verdadeiros poderes e não participam de modo algum do governo. Mas seria ridículo contestar esta denominação de quem se pronuncia sobre os interesses maiores do Estado.

Aliás, pouco importa, essa é apenas uma questão de palavras. Não possuímos, com efeito, um termo comum sob o qual possamos colocar a função de juiz e a de membro da Assembléia. Será, se se quiser, um poder sem nome. Ora, chamamos "cidadão" quem quer que seja admitido nessa participação e é por ela, principalmente, que o distinguimos de qualquer outro habitante.

Convém ainda notar que nas coisas cujo sujeito pertence a espécies diferentes, sem outra relação entre si, senão que uma é a primeira, a outra a segunda e assim por diante, não há absolutamente nada ou muito pouco em comum. É o que se observa nas formas de governo: são de diferentes espécies, umas primitivas, outras posteriores. Entre estas últimas devem ser contadas as corrompidas e degeneradas, que vêm necessariamente depois das que permaneceram sãs e intactas. (Explicaremos mais adiante em que consiste a degenerescência9.) Portanto, o cidadão não pode ser o mesmo em todas as formas de governo. É sobretudo na democracia que é preciso procurar aquele de que falamos; não que ele não possa ser encontrado também nos outros Estados, mas neles não se acha necessariamente. Em alguns deles, o povo não é nada. Não há Assembléia geral, pelo menos ordinária, mas simples convocações extraordinárias. Tudo se decide pelos diversos magistrados, segundo suas atribuições. Na cerimônia, por exemplo, os éforos tratam dos contratos; os senadores, dos homicídios; as outras magistraturas, das outras matérias. Acontece o mesmo em Cartago, onde alguns magistrados decidem sobre tudo.

A definição do cidadão, portanto, é suscetível de maior ou menor extensão, conforme o gênero do governo. Há alguns em que o número e o poder dos juízes e dos membros da Assembléia não é ilimitado, mas restrito pela constituição. O direito de julgar e deliberar cabe a todos ou apenas a alguns, e isso sobre todas as matérias, ou somente sobre algumas. Por aí se pode ver a quem convém o nome de cidadão em cada lugar. É cidadão aquele que, no país em que reside, é admitido na jurisdição e na deliberação. É a universalidade deste tipo de gente, com riqueza suficiente para viver de modo independente, que constitui a Cidade ou o Estado.

Comumente, o costume é dar o nome de cidadão apenas àquele que nasceu de pais cidadãos. De nada serviria que o pai o fosse, se a mãe não for.

Em alguns lugares, vai-se ainda mais longe, até dois avôs ou a um grau maior.

Surge, então, a dificuldade de saber como serão eles mesmos cidadãos, este terceiro e este quarto avô. Górgias de Leonte dizia, não se sabe se a sério ou por brincadeira, que, assim como os caldeireiros fazem caldeiras, assim também os habitantes de Larissa fabricavam larissianos, e que era preciso que os larissianos fabricados tivessem os seus fabricantes. De acordo com nossa definição, a coisa é simples. Se participarem do poder público, serão cidadão.

A outra definição, que exige que se tenha nascido de um cidadão ou de uma cidadã, excluiria desta categoria, em contrapartida, os primeiros habitantes e os próprios fundadores da Cidade.

Há maior incerteza a respeito daqueles a quem foi concedido direito à cidadania durante uma revolução, como fez Clístenes em Atenas, quando, após a expulsão dos tiranos, formou várias tribos novas de estrangeiros e até de escravos imigrados. Quanto a eles, a questão não é saber se são cidadãos, mas se se tornaram tais com justiça ou não. Podemos, também, duvidar se eles se tornaram cidadãos de forma legal, não existindo então nenhuma diferença entre a ilegalidade e o erro. Existe, no entanto, uma distinção muito real. Com efeito, vemos pessoas que alcançam a magistratura por meios ilegais, e não deixamos, porém, de chamá-los de magistrados, mas magistrados ilegítimos.

Sendo, portanto, o cidadão caracterizado pelo atributo do poder (pois é pela participação no poder público que o definimos), nada impede de contar entre os cidadãos as criaturas de Clístenes.

A questão de sua cidadania depende também do outro problema anunciado acima, se devemos ou não imputar ao Estado a sua admissão, o que não é fácil de decidir quando o Estado passa da oligarquia ou da tirania para a democracia. Pois então o novo Estado não quer nem pagar as dívidas contraídas anteriormente, considerando-as como feitas não pela Cidade, mas pelo tirano que recebeu o dinheiro, nem quer manter os outros compromissos, pretendendo que certos Estados só subsistem por violência e não pelo interesse comum. Portanto, se o mesmo vício ocorrer na democracia, será preciso dizer de seus atos o que se diz dos da oligarquia e da monarquia absoluta ou tirânica.

As Diversas Espécies de Cidadão

Resta ainda uma dúvida sobre o título de cidadão. Apenas são os verdadeiros cidadãos os que são admitidos nas funções públicas, ou esta qualidade pode convir aos operários? Se os contarmos entre os cidadãos, sem lhes conferirmos os cargos, esta prerrogativa não será mais o caráter distintivo do cidadão; se não os contarmos, em que classe os colocaremos? Não são nem estrangeiros, nem naturalizados. Classificar-los-emos da mesma forma?

Não haveria inconvenientes. É assim que excluímos os escravos e os libertos do número dos cidadãos.

Pois não se deve julgar que sejam cidadãos todos aqueles de que a Cidade não pode prescindir. Quanto a esta denominação, distinguiremos até entre as crianças e os homens adultos: estes são cidadãos pura e simplesmente, aqueles não o são senão em esperança ou imperfeitamente.

Antigamente, entre alguns povos, o artesão e o operário estavam no mesmo pé que o escravo e o estrangeiro. Ainda acontece o mesmo atualmente em muitos lugares, e jamais um Estado bem constituído fará de um artesão um cidadão. Caso isso ocorra, pelo menos não devemos esperar dele o civismo de que falaremos: esta virtude não se encontra em toda parte; ela supõe um homem não apenas livre, mas cuja existência não o faça precisar dedicar-se aos trabalhos servis. Ora, que diferença há entre os artesãos ou outros mercenários e os escravos, a não ser que estes pertencem a um particular e aqueles ao público? Por pouco que prestemos atenção a ela, esta verdade se manifestará; o desenvolvimento só pode torná-la mais evidente.

Já dissemos que há várias espécies de constituição e de governo; há, certamente, portanto, vários tipos de cidadãos, sobretudo entre os que chamamos de súditos. Existem constituições pelas quais os operários e os mercenários devem ser cidadãos, mas existem outras pelas quais isto é impossível, por exemplo, na aristocracia, se é que ela existe, assim como em qualquer outro Estado em que se honrem o mérito e a virtude. As obras da virtude são impraticáveis para quem quer que leve uma vida mecânica e mercenária.

Na oligarquia, em que o bem conhecido como riqueza abre as portas para os melhores cargos, o povo miúdo não é admitido na classe dos cidadãos. Mas os artesãos não estão incluídos. Eles podem enriquecer-se e se tornar cidadãos uma vez que tiverem feito fortuna. Em Tebas, o próprio comércio dificulta o acesso à cidadania. Havia uma lei que exigia que se tivesse fechado a loja e deixado de vender há dez anos para ser admitido.

Existem, em compensação, outros Estados em que a lei atrai os estrangeiros pela perspectiva do direito de cidadania, pelo menos para seus filhos. Em certas democracias, por exemplo, basta para ser um cidadão ter nascido de uma mãe do lugar. Em outros lugares, por falta de cidadãos legítimos, os bastardos são admitidos como tais. A falta de homens força-os a usar desse recurso. Mas, quando a população chega à sua justa quantidade, pouco a pouco se despedem, primeiro as crianças nascidas de mãe ou de pai escravos, depois os que só se ligam à pátria pela mãe, e então só se reconhecem como cidadãos os que foram gerados por dois compatriotas.

Resulta de tudo isso que há várias espécies de cidadãos, mas os verdadeiros são apenas os que participam dos cargos. Quando Homero fala de um fugitivo ou de um vagabundo, é pela exclusão dos cargos públicos que o caracteriza.

Tratado sem nenhum respeito, excluído da Cidade.

Quem quer que não participe dela, com efeito, é como um estrangeiro que acaba de chegar.

Se em algum lugar escondem esta distinção, fechando os olhos sobre os domiciliados que usurpam a qualidade de cidadão, é para iludi-los e disfarçar sua malignidade.