Sobre as causas dos rendimentos acadêmicos insatisfatórios

INTRODUÇÃO

Sou aluno calouro na UFOP e, apesar da idade já um pouco avançada, estou feliz e satisfeito por ter adentrado numa Universidade pela primeira vez, e usufruir da oportunidade do conhecimento “in loco” do mundo que eu somente conhecia por meio do contato com os egressos daqui e de outras universidades. Conheço principalmente os professores do Ensino Fundamental da rede Municipal de Belo Horizonte, médicos, engenheiros, arquitetos e técnicos químicos, amigos meus, que estão procurando a graduação devido às brutais diferenças salariais entre os profissionais de nível técnico e os graduados em cursos de nível superior.

As causas dos rendimentos acadêmicos insatisfatórios são muitas e este baixo rendimento citado afeta não apenas os que sentem dificuldade em avançar na graduação acadêmica escolhida mas também aqueles que se graduam e passam, a partir daquela data, a exercer a profissão e aplicar os conhecimentos – bem ou mal – adquiridos junto à sociedade, seja no serviço público ou no “mercado” via empregos na iniciativa privada ou que se estabeleçam como profissional liberal ou empresário.

As consequências dos rendimentos acadêmicos insatisfatórios refletem em toda a sociedade, influenciam sobremaneira e, de certa forma, terminam por moldar o futuro e os destinos das nações e da humanidade. Escrevo procurando proporcionar subsídios a uma reflexão que julgo de suma importância.

A ACADEMIA

Entidade cujo nome vem do grego, devido à transmissão do conhecimento e da ética a serem seguidos na procura do modo de bem viver em comunidade e entre cidades-estado, ministradas por Platão, que fundou sua própria escola de filosofia, nos jardins construídos pelo seu amigo Academus. Esta entidade Academia denomina-se o locus do conhecimento devido ao fato de conglomerar num mesmo local os seres humanos que mais avançaram na busca e na continuidade da construção do conhecimento. Isso confere às Academias aproximadamente 2400 anos de existência gerando o saber e formando cientistas e profissionais que trabalham e pesquisam em diversos setores, tentando inovar, inventar e realizar empreitadas com o objetivo de melhorar a vida do ser humano, ou a própria vida.

De acordo com Robert Goodin, as instituições são padrões organizados de normas, papéis socialmente construídos e condutas socialmente prescritas que se esperam de quem desempenha tais papéis, criados e recriados com o passar do tempo. [1]

O decorrer do tempo e as tentativas de modernização e adequação à evolução humana ocasionou a remontagem e remodelagem da Academia inúmeras vezes e, como resultante destas transformações, temos hoje a entidade norteada por regras estritas e regulamentos rígidos que direcionam e delimitam sua atividade e seu campo de atuação. Regras e regulamentos necessários, devido à instabilidade e complexidade de comportamentos que as diversas ideologias disponibilizam aos seres humanos, dentre estes, os estudantes com rendimentos acadêmicos insatisfatórios, quase sempre, vítimas do sistema.

Existe a possibilidade de que a rigidez destas Leis, Resoluções, Portarias, Regulamentos tenha acorrentado demasiadamente as aspirações de muitos dos acadêmicos. Refiro-me àqueles que sonham com uma Educação-Ensino como processo único e ininterrupto a ser incentivado, promovido e realizado durante toda a vida do indivíduo, num processo que aconteça de forma não fragmentada, cuja responsabilidade está atualmente a cargo de entidades federadas diferenciadas, ocasionando diferentes maneiras de promover a formação das crianças e dos jovens. Esta diferenciação se dá, devido a fatores econômicos do ente federado ou município, localização e cultura do ente federado na heterogeneidade das nossas mega-regiões, políticas públicas educacionais diferenciadas, falta de autonomia da Escola e muitas outras mazelas que afetam negativamente e corroem nosso Sistema Público de Educação-Ensino em todos os níveis.

De acordo com Souza Santos, é possível reconhecer que “as instituições existentes estão a desempenhar pior o seu papel, sendo-lhes cada vez mais difícil conter a frustração dos cidadãos”. Por isso, “se as instituições existentes não servem, é necessário reformá-las ou criar outras”. Para o sociólogo português, até que se conclua o processo de reforma das instituições e de revisão de suas capacidades, “é legítimo e democrático atuar à margem delas, pacificamente, nas ruas e nas praças”, sinalizando um período “pós-institucional” [2]

O CÍRCULO VICIOSO

O ato de refletir sobre “as causas dos rendimentos acadêmicos insatisfatórios” me induz ao pensamento e à necessidade de enxergar toda a floresta e não apenas uma árvore e seus detalhes específicos. É inevitável observar que os Sistemas Educacionais desta nação estão evoluindo, modernizando-se e, cada vez mais exigindo que os professores da Educação Básica sejam portadores de graduação. Este pensamento induz à constatação da responsabilidade da Academia em todo o processo educacional, pois os professores da Educação infantil, do Ensino Fundamental e Médio são – maioria deles, pelo menos nas capitais e grandes centros brasileiros – formados pela Academia e, em futuro próximo por exigência da Lei e também da sociedade, serão todos eles, egressos da Academia.

Estas pessoas que se formam na Academia, depois de concursadas são submetidas às políticas públicas implementadas por prefeitos e governadores. São eles, os professores e as políticas públicas, em última instância, os responsáveis pelo nível de aprendizado, de posicionamento perante a vida e, do interesse ou não pelo conhecimento, dos calouros que chegam à Academia.

Pergunto-me se não estaria na hora de a Academia intervir de forma efetiva e contundente na montagem de políticas públicas que recuperassem em curto e médio prazo os salários de toda a categoria dos professores, elevando-os aos níveis necessários, para que a carreira volte a ser atrativa.

Concomitantemente, sugiro que a Academia deva cuidar de promover mudanças em todos os cursos que permitem ao graduado entrar numa sala de aula, ministrar disciplinas e, promover também a complementação da Educação que a criança e o jovem receberam da família. Estas modificações sugeridas nos cursos deverão iniciar-se pelo estudo, catalogação e sistematização em campo, das dificuldades enfrentadas pelos professores dentro e fora das salas de aula, em todas as Escolas, para habilitar e capacitar os professores futuros a lidar com estas situações inusitadas para as quais não se recebe da Academia a formação adequada.

Nos casos em que esta Educação advinda da família não existir, (e esta é a causa principal do tempo perdido no ato de ministrar os conteúdos no Ensino Fundamental), pergunto à Academia se valeu a pena o registro das milhares de patentes geradas pelo conhecimento construído dentro da Academia. O avanço técnico ou humano proporcionado por estas patentes, após serem comercializadas, industrializadas e/ou implantadas, gerou ganhos monetários para uma pequena e ínfima parcela da população e nenhum ganho para aqueles que não possuem o dinheiro que lhes permita delas usufruir.

Os professores da ativa na Educação Básica, formados pela Academia, não estão aptos a lidar com estudantes vindos de famílias re-configuradas, desestruturadas, inexistentes, criados sem as condições econômicas mínimas, desnutridos, mal amados, envolvidos com a violência desde o berço.

São estudantes que não sabem ouvir, que não assimilam porque não atinam com a necessidade, não leem por desconhecer o prazer contido no ato e desconhecem também as oportunidades que a leitura constante poderá abrir para eles no presente e no futuro. São crianças e jovens carentes de alimentos para o corpo, para a mente e para o espírito.

OS MUROS DA ACADEMIA

Os “muros da Academia” é uma expressão idiomática muito utilizada pelos que nunca estiveram dentro dela e também por muitos dos egressos dela, que de certa forma construíram críticas fundamentadas na visão que a sociedade construiu da Academia, observando-a de fora para dentro.

As Academias, principalmente as públicas, são tidas como um lugar de difícil acesso, que sempre privilegiou o ingresso dos filhos das famílias mais abastadas (elite) e que não prestam contas daquilo que fazem ao seu financiador, o contribuinte.

O pouco envolvimento que se nota das Academias com a sociedade e com a mídia, com a comunidade do seu entorno e com as outras instituições principalmente as políticas, remetem ao pensamento de que as Academias erigiram muros invisíveis ao redor de si mesmas. Falta um potente canal de comunicação entre as Academias e a sociedade que não conhece seus objetivos e sua verdadeira área de atuação. Predomina o pensamento de que a Academia é o lugar de estudar, conseguir um diploma e a partir daí “melhorar de vida”.

Os “muros da Academia”, caso existam de verdade, precisam ser enxergados também de dentro para fora e, numa ação conjunta serem definitivamente derrubados em duas frentes de trabalho simultâneas, uma vinda de fora, outra de dentro.

Uma “mea culpa” admitindo a visão extremamente voltada para o mercado – que não é humano – e um olhar mais direcionado para o ser humano – vítima do mercado – seria uma atitude essencial e necessária para desenterrar a primeira pedra fundamental do muro. Teríamos então uma Academia voltada para a formação de seres humanos plenos, não apenas dos “profissionais que o mercado está a exigir”.

Eis a minha proposta para modificar o panorama: aos calouros, em todos os cursos de todas as áreas, a Academia deve ministrar inicialmente um curso básico-avançado de Humanidades, com duração de semestre inteiro, com as disciplinas Filosofia, Sociologia, Economia e Conjuntura e Globalização. Este básico teria a finalidade de desnudar para os calouros o mundo em que eles estão inseridos. É necessário explicar detalhadamente para eles, como e porque este mundo é assim, quais as ações e atitudes individuais e coletivas podem ser efetivamente implantadas de modo perene, para melhorar ou piorar a vida coletiva dos seres humanos. Ensinar como preservar a biodiversidade que nos rodeia, os caminhos éticos que melhorem a política que conduz nossos destinos e também como agir para conseguir a preservação da nossa da nossa espécie e de Gaia, nossa morada.

[1] Cf. GOODIN, Robert. Teoria del diseño institucional. Barcelona: Editorial Gedisa, 2003.

[2] SOUSA SANTOS, Boaventura de. A pensar nas eleições. Carta Maior

Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17862 - Acesso em: 24 mar 2012.

José Antônio da Conceição