ISTO É - Educação

Ilona Becskeházy

Suzane G. Frutuoso

Em novembro, o Ministério da Educação (MEC) divulgou o Censo Educacional mostrando que nunca tantas crianças e adolescentes frequentaram a escola no País como hoje. O contingente de estudantes no ensino superior também é dos melhores da história brasileira. Mas quase ao mesmo tempo, a Fundação Lemann, que desenvolve projetos na área de educação, apresentou ao público a pesquisa “Boletim da Educação no Brasil: Saindo da Inércia?”, realizado em parceria com o Programa de Promoção da Reforma Educacional na América Latina e no Caribe (PREAL). O documento questiona a falta de qualidade no ensino em geral, mesmo com um número maior de alunos nos bancos escolares. Significa que não basta ter mais gente estudando. É preciso investir em conteúdo, professores e materiais. A diretora executiva da instituição, Ilona Becskeházy, especializada em administração para organizações sem fins lucrativos pela Harvard Business School, concedeu entrevista à ISTOÉ na sede da fundação, em São Paulo. Ela explicou porque ainda vai demorar muito para nossa educação estar entre as melhores do mundo.

Istoé - O Ministério da Educação diz que nunca o Brasil avançou tanto na área como nos últimos dez anos. A senhora concorda?

Ilona Becskeházy - O País melhorou em todos os indicadores sociais. Até a altura das pessoas melhorou. No caso da educação, a coleta e a disseminação de dados são itens nos quais o Brasil tirou notas boas. Os sistemas de avaliação do ensino são bem feitos. Foi uma decisão política que o governo tomou alguns anos atrás, na gestão do Paulo Renato de Souza (ex-ministro e atual secretário Estadual de Educação de São Paulo), e mantida ao longo dos outros governos. O site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que se tornou excelente fonte de dados, e a Prova Brasil, que avalia alunos do ensino fundamental, são realizações desse governo. Mas a falta de competitividade da nossa mão de obra é tão gritante que chega a dar aflição. Temos capacidade de riqueza e somos a oitava economia do mundo. Porém, os sete primeiros países na nossa frente têm indicadores sociais muito melhores que os nossos.

Istoé - E por que ainda não chegamos a esse patamar?

Ilona - Esses países conseguiram porque criaram planos de ação muito bem articulados. O Brasil tem quase 50 milhões de alunos na educação básica, de acordo com o total de matrículas. As estrelinhas da educação, como Coréia do Sul e Finlândia, contam com bem menos alunos nas escolas. A Coréia tem cerca de 8 milhões de estudantes. Mas o Brasil é dividido em 27 estados, nos quais os sistemas de educação têm autonomia. Portanto, poderíamos comparar o desempenho desses países com o dos estados. São Paulo tem 6 milhões de estudantes. China e Índia têm uma quantidade fenomenal de gente na educação básica. Se esses países fizerem pequenas melhoras na educação, eles comem o emprego de todo mundo. A China já produz 400 mil engenheiros por ano e a Índia 300 mil. O Brasil produz 30 mil. Engenharia é emprego de qualidade, inovação, agregação de valor na cadeia produtiva.

Istoé - Por que o País demorou tanto para investir em educação?

Ilona - Acho que é uma questão de cultura da América Latina mesmo. Não temos ensino integral. Nem as escolas particulares têm. Há um preconceito contra quem manda o filho para escolas integrais, como se fosse um castigo. Da geração da minha mãe para cima todo mundo estudou em colégio interno. Era normal. Se não fosse interno era para ficar o dia inteiro. Alguma coisa aconteceu no meio do caminho, algo chamado de modernidade, que pessoas começaram a passar cada vez menos tempo na escola. É comum ouvir adultos

dizerem: “ai, o coitadinho está estudando tanto”. Como se fosse um sacrifício. É coitadinho se está apanhando, sem comer ou sem casa. Mas é uma coisa típica do brasileiro. Também, junto com outros países latinos, havia um lado escravagista, de achar que o povo não precisava, não merecia e não estava apto a receber educação. É bem histórico. Sempre foi e ainda é.

Istoé - As matrículas aumentaram no ensino básico. Mas ainda falta qualidade. Por quê?

Ilona - O que se investe em ensino básico por aluno é muito pouco. Cerca de R$ 2 mil por aluno ao ano. Em termos de infraestrutura não somos como a África. Temos escolas com paredes, banheiro, salas de aulas. Mas ainda falta material. E mesmo o que tem é inaceitável para o nível de desenvolvimento que já alcançamos.

Istoé - O ensino médio ainda é um desafio?

Ilona - Sim. Temos só 50% da população escolar no ensino médio. E não vai além disso porque não há fluxo. Um número grande de crianças desiste da escola antes dos 12 anos. Os alunos repetem tanto que abandonam a escola.

Istoé - Há educadores que dizem que o investimento nos professores é a chave para um salto na educação. A senhora concorda?

Ilona - Concordo, mas não dá para esperar. Dois milhões de professores já dão aula. E temos os princípios do funcionalismo público, de estabilidade.

Os professores em exercício não têm boa formação. Vai demorar entre três e cinco gerações para mudar o cenário. Todos eles não vão da noite para o dia melhorar. Algumas decisões políticas têm que ser tomadas de maneira clara, perguntando o que é mais importante para a nação, o que pode ser feito em pouquíssimos anos, ou já amanhã. Não adianta esperar 2022. É se perguntar o que no ano que vem é possível mudar. Quanto e o que os alunos conseguem aprender a mais do que no ano passado. A solução não é só melhorar o professor, mas também mudar a carreira do magistério e colocar material dentro de sala de aula ontem. As soluções existem. Quem já as usa são as escolas particulares. Os professores são muito mais preparados, têm treinamento, livros numa quantidade que o setor público não tem porque o governo não gasta para ter.

Istoé - A melhora no ensino público ainda vai demorar?

Ilona - Infelizmente. Precisa de decisão política clara e movimento da sociedade. Mas as pessoas nem sabem o que pedir. Tem que ser responsabilidade do governo saber que criança aos 7 anos já tem que ler. Não é até os 8 anos. Estamos confortáveis com esse atraso da população. Achamos normal quem está no ensino público não saber o mesmo que quem está no particular.

Istoé - Há estudos que mostram que os pais estão satisfeitos com a educação porque levam em conta hoje ter vagas para todos, merenda, livros e computador nas escolas.

Ilona - Eles não sabem o que é qualidade porque isso é tudo é mais do que eles tiveram. O gasto do Governo Federal com educação nos últimos anos é de 3% do gasto público geral. É uma questão de responsabilidade do governo, sim. Há um século, outros países perceberam que o povo deveria ser educado, quer ele queira quer não. As crianças eram obrigadas a ir para a escola.

Criou-se a partir da autoridade local uma demanda para a educação. Se esperarmos a população clamar por educação, os governos não vão se mexer. O clamor da segurança, da saúde, do saneamento, tudo é mais alto. Porque são necessidades ainda mais básicas que também esperam para serem atendidas.

Istoé - A família é importante na educação dos jovens?

Ilona - Sim. Estados em que há tradição familiar, como Minas Gerais e Santa Catarina, por exemplo, em que família e religião são importantes, os resultados são mais satisfatórios. Enquanto nos estados do Nordeste, em que há desagregação familiar, a educação acaba afetada. Alunos que vêm de famílias estruturadas já vêm prontos de casa, entendem quanto educação é primordial. Na média, resulta em alunos com melhor desempenho.

Istoé - O novo Enem recebeu uma enxurrada de críticas. Qual sua opinião sobre o exame?

Ilona - Vi provas do Enem. Os melhores vestibulares, os mais difíceis, já eram assim. Conteúdo mais raciocínio, que é o que diferencia para entrar numa USP, por exemplo. É tão pequena a diferença que se a prova não for super discriminante todo mundo tira a mesma nota. Tem que ser difícil mesmo.

Porque isso faz com que todo mundo embaixo se adeque para aquilo que exige maior preparo.

Istoé - O ensino não deveria primeiro melhorar para depois as exigências do exame serem maiores?

Ilona - Essa é a lógica do brasileiro. Não tem que avisar que daqui dez anos haverá uma prova difícil. Imagina que você adora batata frita. Se não é seu exame de colesterol mostrar que está no limite, e que isso pode te levar a um risco cardíaco, você não se mexe. Você precisa de algo concreto para ver que está errado. E é sofrido realmente. Os adolescentes que tiveram que enfrentar a prova já sofrem só por serem adolescentes. Sofrem porque estão terminando o ensino médio, uma fase extremamente complicada na vida. Mais essa tensão toda de mudança da prova, deve ter sido um ano pavoroso para quem enfrentou tudo isso e para quem tem filho nessa idade. Mas tem que ser difícil mesmo. Acho o Enem genial para o desenvolvimento da educação brasileira.

Istoé - O vazamento do conteúdo, que adiou em dois meses o exame, não foi um erro grave?

Ilona - O fato de ter acontecido o vazamento da prova dá ao governo a capacidade política de só trabalhar com gente que tenha um serviço top de linha com prova e segurança de gráfica. No fim, acho que foi bom do ponto de vista da evolução do sistema.

Istoé - Mas o MEC parece ter perdido o controle sobre um exame que pretende ser único caminho de ingresso à universidade no futuro.

Ilona - O MEC quis dar uma pirueta, com salto triplo mortal e cair de pé, e aí viu que o passo era maior do que a perna. Mas não estou sofrendo com essa história do Enem. Estou sofrendo de ver, por exemplo, o piso salarial dos professores que teve um aumento. Porque se perdeu uma oportunidade histórica de determinar uma prova para os professores, mostrando se sabem o que vão ensinar, para que tenham direito a receber esse aumento. É necessário estar apto a exercer essa função, altamente importante, de ser professor. O piso pelo piso sem nenhuma troca? Valorizar magistério não é só dar aumento de salário.

Istoé - Por quê?

Ilona - Um professor que não foi bom aluno, não acha importante ler nem fazer dever de casa e ganha R$ 1 mil, será que ganhando um salário de R$ 8 mil vai ser um professor desse valor? Não vai. Salário é importante para atrair as próximas gerações de professores. Para não ser o pior aluno do ensino a se tornar professor, mas o melhor. E para ter um sistema de seleção daqueles super difíceis, igual é o de medicina.

Istoé - O que mais valoriza a profissão?

Ilona - É cobrar. É direitos e deveres. É ser tratado como profissional e não como um coitado. Dizem “ah, coitadinho do professor”. Coitadinho dos alunos! Eles é que precisam do professor para ser seu guia, seu espelho. O impacto que um professor bom tem na vida de um adolescente é gigantesco.

Temos que zelar por esses profissionais. Devem ser bem remunerados e bem tratados, mas também ter um comportamento compatível em sala de aula. Porque na escola pública os próprios professores se xingam, falam palavrão, atendem celular na classe. Esses profissionais devem estar preparados para serem exemplo. E ninguém diz para essa pessoa que escolhe a profissão o tamanho da responsabilidade que é. Para ser médico, você rala para passar. Na primeira aula, tem anatomia e vê um monte de cadáver. Quem não leva jeito para aquilo, sai correndo já no primeiro período. O estudante de pedagogia e das licenciaturas não passa por isso, não enfrenta a realidade das salas de aula.

Istoé - A senhora acredita ser possível existirem faculdades baratas, mas boas, com qualidade?

Ilona - Acho que não. Mas embora uma instituição de R$ 200 dificilmente tenha qualidade, por outro lado esse montão de faculdades levou 5 milhões de brasileiros ao ensino superior. É melhor do que não terem chegado lá. Puxa uma quantidade enorme de gente para cima. Agora, é outra etapa, de garantir qualidade, do governo ter plano articulado com as entidades privadas de ensino superior para direcionar um pouco as carreiras. Precisamos de pessoas qualificadas em determinadas áreas nesse momento de crescimento do País. Não dá para ter só administrador, pedagogo e advogado. Para quê tanto advogado?

Foi um equívoco. As instituições particulares capturaram o imaginário coletivo de ser doutor. É uma ascenção social. E é fácil abrir essas faculdades. Aqui, nessa sala de reunião, eu faço uma faculdade de direito.

Não precisa de infraestrutura. Já para medicina e outros cursos da área de saúde, por exemplo, é necessário um investimento em espaço, equipamento. É custoso.

Istoé - Qual área da educação foi a mais negligenciada até hoje?

Ilona - A gente podia ter feito uma opção por investir no ensino técnico, o que faria muitas áreas no Brasil deslancharem. Parte do desenvolvimento de São Paulo vem de uma rede de escolas de ensino técnico, que atende a mais de 100 mil alunos. E sem dúvida contribui com a evolução do estado. Uma rede que nasceu da visão de pessoas que pensaram, lá atrás, que para o estado crescer o ensino técnico desenvolvido era um caminho. Plantaram, agora colhem.

Istoé - Como você acredita que estará a educação brasileira nos próximos dez anos?

Ilona - Sou otimista, mas porque tem gente batendo o pé. Se, em época de eleição, as pessoas estiverem reclamando de saúde e segurança, e ninguém pedindo por educação, quem é candidato só vai se preocupar com o que o eleitor está reclamando.

REPORTAGEM ISTO É - 12 SET. 2007 - REVISTA Nº 1976

O novo Eldorado dos professores

A formação de profissionais com múltiplas qualificações ampliará mercado para educadores. No ensino médio, há falta de profissionais

É unânime entre estudiosos que, no futuro, o trabalhador não terá uma profissão “ou” outra. E, sim, uma profissão “e” outra. Daqui a cinco ou dez anos, para fechar negócios fora do País, não será suficiente ter um diploma em administração de empresas, por exemplo. Além de falar outras línguas, o profissional deverá conhecer a fundo a história e a cultura do lugar para conseguir as melhores oportunidades. Neste cenário, uma formação em antropologia poderá ser um diferencial positivo.

Em um mercado de trabalho que exigirá cada vez mais profissionais multimídia e superespecializados será necessário um grande contingente de professores para suprir esta demanda por aprendizado. O professor com boa formação e antenado com as tendências será valorizado. “A educação é um bem intangível e que estará em alta”, afirma a estudiosa do futuro Lala Deheizelin, consultora especializada em economia criativa e empreendedora cultural.

O ensino superior privado no País viveu um boom de 1997 a 2003. Nesse período, o total de novos alunos subiu 150% (de 392 mil em 1997 para um milhão em 2003). A flexibilização das regras para a abertura de instituições de ensino, a partir de 1995, favoreceu este crescimento. Nos próximos anos, a ampliação de vagas não será tão rápida, mas seguirá firme. Atualmente, há 3,8 milhões de alunos matriculados em faculdades privadas e a previsão é de que, em 2010, o número de matrículas suba para 4,3 milhões. No caso das universidades públicas, o aumento será de 1,3 milhão para 1,4 milhão.

O ensino médio, porém, já enfrenta déficit de professores. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que são necessários 235 mil profissionais para atender os estudantes. Na disciplina de física, por exemplo, há vagas para 55 mil professores, mas entre 1999 e 2001 só saíram dos bancos universitários 7.216 licenciados na área. Um dos maiores problemas é a baixa remuneração: na capital paulista, onde se paga um dos melhores salários do País, o professor de ensino médio inicia a carreira ganhando R$ 503 por 20 horas semanais, segundo dados da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.

JOSÉ ANTÔNIO - MINHA OPINIÃO/PROPOSTA - REFORMA DA EDUCAÇÃO

Os dados da educação brasileira são desanimadores.

Não se reformará a Educação apenas com investimento na estrutura e salário para os professores.

Educação terá de se tornar CIÊNCIA [de fato e de direito], e como ciência terá de ser aplicada por pessoas qualificadas, com o consequente expurgo de todos os não qualificados que atualmente engrossam as fileiras da categoria.

Engenharia e arquitetura... pelos engenheiros e arquitetos, direito... pelos advogados e magistrados... medicina pelos médicos.

Educação seria por quem então? Sugiro que seja pelos professores, mas pelos professores profissionais, cuja profissão e mercado de trabalho seja regulamentada nos mesmos moldes das outras citadas acima.

Ocorre que, enquanto "categoria" os professores existem de fato mas não existem na forma jurídica, devido sua profissão não ser regulamentada a nível nacional. Regulamentações existem, são inúmeras e variam conforme o município ou estado, sempre atendendo à necessidade do estado de cumprir sua obrigação legal, nunca atendendo a educação de qualidade e o corpo docente que é a quinta categoria brasileira em termos numéricos.

Explicando melhor, os médicos estão reunidos nos CRM, os engenheiros e arquitetos no CREA, os advogados na OAB, e os professores? Onde?...

Encaminhei esta discussão com a Dulce Toledo no grupo afipe yahoo... mas ficamos apenas eu e ela falando sozinhos.

Enquanto categoria regulamentada, e com um Conselho responsável, o local de trabalho da categoria (a escola) passará por reformas urgentes, adaptando-se aos tempos atuais e deixando de ser a mesma sala de aula com alunos enfileirados em frente a um quadro negro, respirando pó de giz que ja existia no século IXX. As outras reformas, que resultariam em um imenso salto qualitativo no nível da educação, ocorreriam quase que automaticamente.

O que eu defendo, pode ser melhor entendido se na sequência, vocês assistirem os 14 minutos deste vídeo.

José Antônio

O difícil é não promulgar apenas leis necessárias, o difícil é se manter sempre fiel a este princípio verdadeiramente constitucional da sociedade, o difícil é permanecer alerta contra a fúria de governar, a doença mais funesta dos governos modernos.

Mirabeau l'aîné, Sur l'éducation publique. p. 69

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Os Quatro Pilares da Educação, segundo a UNESCO - AQUI [sugiro a leitura completa]

Notas 53 - Esclarecimentos e sugestões [LDB] AQUI [sugiro a leitura completa]

Ainda falta muitoDiretora executiva da Fundação Lemann diz que o País só terá uma educação de qualidade em cinco gerações