Tecnologias da Informação

AS TICs, A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ONDE ESTÁVAMOS, ONDE ESTAMOS E PARA AONDE VAMOS – DOIS OLHARES.

Alaíde R. Donatoni

Otaviano J. Pereira

Resumo

Com o objetivo de contribuir com o crescente debate a respeito do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), no campo da educação escolar, os dois autores deste texto propõem responder as três questões que se seguem. Num primeiro momento, uma leitura mais abrangente, universal - respondida por Otaviano Pereira; num segundo momento, a extensão de uma revolução por eles reconhecida, atingindo o campo da educação escolar - respondida por Alaíde Donatoni; num terceiro - respondida por ambos, um olhar atento à formação, inicial e/ou continuada, não só para se adaptar passivamente a esta revolução, mas para enfrentá-la, absorvê-la ou enriquecê-la.

Palavras-Chave: tecnologias; informação comunicação; educação escolar; formação de professores.

Abstract:

Having the objective of contributing to the increasing debate about the usage of the Information and Communication Technologies, in the field of school education, the two authors of this text propose to answer the three questions as follow.

At first, a more reaching and universal reading - answered by Otaviano Pereira. Secondly, the extension of a revolution that reaches the field of the school education recognized by the authors - and answered by Alaíde Donatoni; and thirdly - answered by both, a close look at the initial and/or continued formation, in order not to passively adapt to that revolution but to face it, absorb it or enrich it. Key-Words: information; communication technologies; school education; teacher´s formation.

A revolução comunicacional global: em que avançamos, em que retrocedemos.

Questão 1 – Como você enxerga o quadro da revolução comunicacional global que ora experimentamos?

[Otaviano Pereira] – Desde as primeiras décadas do século recém-terminado, após a I Guerra, a primeira geração dos filósofos frankfurteanos puseram em circulação a suspeita da crise da modernidade. No final da década de 50 e início da de 60, na Europa e EUA, esta suspeita tornou-se mais evidente com o surgimento dos neologismos: neomodernidade (ou ultramodernidade) de um lado, e pós-modernidade, de outro. Desde então, cada tendência, a seu modo, num profícuo conflito de interpretações, vem se interessando pela compreensão do estiolamento do paradigma moderno, espelhado no abalo da identidade de seu protagonista: o sujeito moderno - aquele velho conhecido, integrante de uma classe social determinada, agente social transformador, etc - que, como sabemos, hoje agoniza. O ano de 68, por exemplo, foi o ano emblemático de uma varredura nos valores (e ideologias) que sustentavam as instituições, com suas estratégias de acomodação ao poder, visando seu melhor “funcionamento”, como o canto de cisne do discurso resultante de uma crença utópica, emergencial, quando nos exigia “fazer a revolução a qualquer custo”.

Do lado dos que ainda acreditam rever o projeto moderno, Habermas é certamente o filósofo em maior evidência, desde a segunda metade do século findo, junto com seus continuadores, (Apel e outros). Na Teoria Crítica ou no campo de indagação que passou a ser chamado de “ética do discurso”, após fazer a revisão do projeto iluminista da modernidade, no marco da crise da razão, então cunhada de “instrumental”, aponta para uma “neomodernidade centrada no paradigma da revolução comunicativa”, a partir das “comunidades de interpretação” do próprio mundo, como se fosse um movimento de recostura dos sujeitos no grande tecido da própria globalidade. Trazendo isto para o campo educacional é o que Marques (1992) chamou de “educação na proposta de uma neomodernidade centrada na linguagem pragmática do mundo da vida” (p.555)

Do lado mais radical de uma negação explícita da modernidade, em vista de um paradigma, “pós-iluminista”, Lyotard, inspirado principalmente nos acontecimentos culturais, como a nova arquitetura nos anos 50, traz o termo “pós-modernidade” para dentro da própria Filosofia, a partir de 1967, seguindo de autores como Foucault - na chamada “arqueologia do poder”, disseminado nas instituições sociais, incluindo a escola - Derrida, Rorthy, entre outros. Recentemente, em entrevista ao programa “Milênio” exibido na Globo News, em fevereiro de 2005, o cientista social Boaventua de Souza Santos referiu-se à necessidade de uma “pós-modernidade reativa”.

A nosso ver, para além da crise da modernidade, iniciou-se o descortinar da única civilização que conseguiu expandir-se a ponto de se universalizar, num movimento que Latouche chamou de “ocidentalização do mundo” (1994) - exatamente por ter cumprido seu ciclo neste movimento de universalização, mesmo em seus conflitos com o projeto moderno, por exemplo no movimento de secularização da cultura e de uma “ética do capitalismo” (Weber) forjando a Igreja a passar da ação (como Igreja/estado) à reação, nos caminhos tomados pela Reforma e Contra-reforma; refiro-me à civilização cristã ocidental. Cumpriram-se os objetivos revolucionários (jurídico-políticos, sociais, científicos...) de uma era, incluindo-se a revolução tecnológico-industrial. É o paradigma tecnocêntrico – como já se falou em paradigma cosmocêntrico (grego), teocêntrico (medieval), e antropocêntrico (moderno) – cujos tentáculos agora tendem a destruir a natureza e a sufocar seu próprio protagonista.

Ocorre que nos anos 60 uma outra reviravolta já estava em curso: a revolução comunicacional global - antes mesmo de qualquer notícia sobre Internet, por exemplo. O canadense McLuhan, teórico da comunicação, cunhou expressões como “aldeia global” ou “mass media” e o americano Alvin Toffler nos trouxe a idéia de “terceira onda”; H. Marcuse referiu-se ao “homem unidimensional” e Von Weiczacker naquela época já dizia da irreversibilidade desta revolução a despeito do bom ou mau humor dos próprios filósofos.

Hoje, a revolução comunicacional global produz, ela própria, seus defensores incondicionais, ou mesmo ideólogos, com seus discursos laudatórios, por um lado, e, por outro, seus detratores, com choro e ranger de dentes contra tudo o que é “estratégia de dominação neoliberal”.

Para responder à questão posta, em pouco tempo, como exercício de síntese, para além do maniqueísmo do “tudo presta” ou “nada presta”, ou seja, sem endeusar ou endemonizar a revolução comunicacional com suas teconologias, temos avanços e impasses acontecendo simultaneamente. Trata-se de um epifenômeno profundo, por vezes paradoxal, de que não abrimos mão tão somente de uma constatação: a sua irreversibilidade. Vejamos alguns traços.

a) A revolução comunicacional global, que acontece na superabundância da informação e cria a então chamada “sociedade do conhecimento” (knowledge society) não pode ser confundida em seus (três) termos distintos: comunicação, informação, conhecimento. Sem entrar em detalhes semânticos, cumpre dizer que a matéria-prima de tudo é a informação, disponível à comunicação, e estas duas apresentadas como munição para nós conseguirmos ou não criar (ou articular) o conhecimento. Vejo, contudo, que há um certo “preconceito” contra a informação, sobretudo nos meios acadêmicos - em nome da comunicação e do conhecimento nem sempre possíveis. Às vezes se reforça um divórcio proveniente, em hipótese, da informação, quando o problema não reside na informação em si, mas nos seus critérios de uso em todos os campos da ação humana; por exemplo, por mais que a Internet nos traga “lixos” – por acaso isto não vem acontecendo no campo cultural, onde o mero entretenimento tende a substituir a arte? Na verdade estamos diante de uma boa oportunidade para aproveitar do volume de informações em vista de uma ação pedagógica emancipadora - e isto já não nos abre as chances de recostura do “sujeito” da educação?

b) A revolução comunicacional e/ou informacional global que cria a chamada realidade virtual, a hipermídia, o hipertexto, a cybercultura...não surgiu sozinha, “de repente”, “do nada”, feito “geração espontânea”. Ela veio acompanhada de um conjunto de revoluções no campo da ciência, no momento em que se descortina, para a humanidade, a chamada “era do fim da matéria”, abertas pelas perspectivas da Física quântica, da robótica, da mecatrônica, da tectônica, da informática e inteligência artificial, das novas fronteiras da medicina, como as células-tronco, da micricrobiologia e da engenharia genética, do mapeamento cerebral e da nova relação cérebro-mente, com seus novos códigos, eticamente assustadores - curiosamente também, do profícuo diálogo religião/ciência, tensionado por anátemas desde a era de Charles Darwin - assim por diante.

As novas fronteiras do conhecimento, diante da profusão de informações, nunca dantes tão disponíveis, revolve as epistemologias do conhecimento científico no âmbito da ciência moderna e aponta para o paradigma de uma “ciênca pós-moderna” (Sousa Santos, 1989) não no sentido ainda difuso ou mesmo “ideológico” do termo. É no sentido, pelo menos em tese, de uma infinidade de especilizações convergentes no marco do avanço do conhecimento, que apontam para o fim do recorte de uma ciência linear, positivista e fragmentada – com o usufruto das chamadas inteligências múltiplas, contribuindo para a compreensão das novas práticas de aprendizagem. Trata-se da proposta de uma ciência ( e educação) inter e transdisciplinar voltada para uma concepção holística de natureza, que muito nos aproxima (nós ocidentais) da rica experiência milenar de vida e cultura dos orientais, como expressão mesma de um movimento (global) de aproximação das diferenças, com seus resultados, por exemplo, nas medicinas terapêuticas. O mundo não ficou pequeno à toa; foi, creio eu, para usufruir deste holomovimento intelectual e práxico, global, onde não interessa tanto mais o volume de conhecimento “de tudo” - como no projeto didático de Comenius, na entrada da modernidade, ou no programa cultural do enciclopedismo, no centro dela -, mas “o todo”. É o advento de um novo sentido de “totalidade” que a universalidade moderna não deu conta. E neste todo reside nossa capacidade de escolhas, acima do “lixo informacional”, por exemplo.

c) A revolução comunicacional em curso, entretanto, aponta para desafios aparentemente intransponíveis, pelo menos nesta etapa de “acomodação histórica”. Vejamos. Primeiro: quanto mais se fala em inter e transdisciplinaridade, mais nos afundamos nas especializações que ainda não se convergem e passam a forjar interdisciplinaridades apenas formais. Segundo: quanto mais usamos os meios “frios” para comunicar, não só os acontecimentos, como o sentido deles, mais nos afogamos na banalidade dos fatos, por exemplo, no sentido da morte. Por quê? Certamente porque esta revolução nos atirou num estado existencial de “espera” da próxima notícia ou do próximo ato do espetáculo. É o lado ainda perverso de uma pós-modernidade como “estilo de vida do capitalismo ultra-moderno” (Pereira, 2004). Coincidentemente, no momento da escritura deste texto, acabamos de ter notícias da tragédia da Ásia, na última semana de 2004, com seus quase 300.000 mortos - e que apontou, pela primeira vez, para uma rede de solidariedade universal em tempo real. Conclusão: nem acabamos de contar os mortos, “já esquecemos”, vale dizer, parece que o acontecimento já virou passado. O mesmo acontece com campeonatos de futebol, finais de novelas, etc. Terceiro: reclamamos que a tevê nos retirou as cadeiras das calçadas, mas sentimos falta do jornal da noite, mesmo quando estamos em férias, teoricamente “isolados” numa ilha, numa praia “deserta”. Quarto: reclamamos que o computador aproxima quem está longe (Internet) e distancia quem está perto (família), mas o computador (assim como celular, câmera digital, filmadoras, laptop, etc) não saem mais de nossas vidas e já se encontram em aldeias, literalmente falando, para o bom uso (em postos avançados de saúde, por exemplo) ou para o mau uso (no narcotráfico, por exemplo). Como se vê, é uma situação paradoxal.

Por que isto acontece?

Arrisco-me a dizer que a grande sala de espelhos da relação real/virtual, em que a revolução comunicacional nos atirou, não é algo que se resolve numa simples equação de primeiro grau, porque mexe com um construto de realidade que ainda mal assimilamos. Com a nova “leitura da realidade” a nossa “leitura do tempo” foi profundamente revolvida. O (novo) significado dos acontecimentos, do ponto de vista de uma re-significação (antropológica) do próprio mundo, requer de nós uma nova estrutura mental e isto não se dá da noite para o dia. Por exemplo, só pensávamos no conceito e no trato com a memória - fundamental para a construção antropológica da realidade - no sentido linear do trinômio ontem-hoje-amanhã. Hoje um aluno “viaja” para a Grécia num período de jogos Olímpicos de modo real/virtual e não como “volta ao passado” em lições de compêndios de História – não esqueçamos que a era da universalização do conhecimento moderno não deixou de ser linear. Na sociedade da fusão real/virtual, o passado ou o futuro ( como “espetáculos”) assumem uma síntese, numa espécie de “agoridade” perene a que nosso cérebro ainda não está acostumado a assimilar com tanta velocidade; aprendemos a construir memória linearmente e a linearmente revisitá-la. Isto significa, objetivamente, queiramos ou não, que o construto da realidade, que implica em estratégias de construção da própria existência humana, em vivências plenas de significados, atinge na mira o problema de uma nova subjetividade – com certeza não mais cartesiana, não mais iluminista – em que uma profusão de múltiplas inteligências, valores e estratégias de comportamento entram no jogo de ação-reflexão-acomodação, mais do que nunca. Se nós não somos mais os mesmos desde que inventamos o primeiro machado de pedra, esta transformação perene - da objetividade da realidade, sobre a natureza, e da própria subjetividade – chegou ao paroxismo. É o grande desafio antropológico (e ético) de nossa época.

d) Um paradoxo que se nos apresenta é que o avanço (tecnológico), resultando em impasse (social), traz o problema das fronteiras do ponto de vista das diferenças ou das identidades, mas atravessadas pelas exigências da ideologia e da prática social individualista. Em todos os campos, religioso, cultural, das nacionalidades, etc, resultante de uma civilização dogmática, a modernidade não nos ensinou a trabalhar com as diferenças. O próprio sujeito moderno, em crise de identidade, agora deve ter seu futuro inscrito na emergência do sujeito coletivo - não necessariamente o sujeito “de classe” como o conhecemos, o que, na linguagem gramsciana implica em um “novo bloco histórico”. Não é à toa que a palavra cidadania, e cidadania ativa e global, anda tão em alta. Acontece que, quanto mais falamos em coletivo, uma certa exigência do egocentrismo individualista entra em cena em nome de uma individualidade a ser respeitada, que propõe discursos do tipo: a sua liberdade termina onde começa a minha, e vice-versa. Pura visão de mercado, que precisa do livre arbítrio para sobreviver, até em nome de uma democracia formal, ou seja, uma “igualdade” cujo consenso não resulta de justiça social alguma – não esqueçamos que o fim precípuo do direito é a distribuição da justiça.

Por falar em consenso, há um consenso entre os analistas de que o século XXI terá de ser o século das diferenças, desde que inscrito numa “globalidade” que não se reduza à globalização da economia e onde o conceito e a prática do multiculturalismo, ultrapassem uma postulação puramente voluntariosa, ou mesmo “ideológica” das diferenças. Contudo, estamos longe de resolver os conflitos étnicos, que tensionam as relações políticas, para ingressar pra valer no que o III milênio teve de melhor como anúncio esperançoso. Este ainda é o calcanhar de Aquiles de uma “sociedade do espetáculo” (Guy Débord), já cansada de tanta carnificina, como no Oriente Médio.

Acontece que o espetáculo entra dentro de nossa casa de todas as formas Por exemplo, nunca a invasão da privacidade, no estilo Big Brother ou de fofocas de revistas no estilo Caras deu tanto lucro. Volta a questão do “lixo” (informacional, midiático). Tiririca (alguém se lembra dele?) esteve jogado na mídia simultaneamente a concertos de Beethoven. A tecnologia da sociedade em rede, para geração de espetáculo, é sua melhor ferramenta. Onde está o nosso discernimento para o diferente que faz diferença, para além de pruridos morais de reconforto à nossa indignação? Guardadas as próprias diferenças de tempo e contexto, talvez fosse a hora de revisitarmos a Dialética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer.

e) Para permanecermos aqui apenas em alguns aspectos, temos o dever de tocar no mais penoso dos impasses. Vale dizer: o choque de informação (da revolução comunicacional global em curso) só está sendo possível pelo choque de capitalismo em qualquer canto do planeta. Ultramoderno, hegemônico, concentracionário (ou quaisquer outros adjetivos) sua sobrevivência está expressa em sua extraordinária capacidade de cooptação dos discursos e das práticas, por exemplo, na arte e na literatura. Em que pese sua dificuldade em continuar concentrando riqueza para sobreviver - onde não circula capital não circula mercadoria e emperra a produção da riqueza – mesmo numa sociedade do fim da centralidade do trabalho, nos moldes da lógica moderna da produção, por exemplo, uma sociedade dos serviços, como na informática, do turismo, etc, não parece haver outra saída, pelo menos até onde minha vista pode alcançar. Se a humanidade mostrou, até agora, que tem capitalismo no sangue – que o diga a débacle do capitalismo de Estado soviético e seus satélites, que encerrou, politicamente, o século XX – só uma mente utópica, mas inocente, poderia imaginar a possibilidade de uma revolução comunicacional “sem dono”. Se a burguesia mercantil e industrial foram as donas da propriedade privada dos meios de produção na modernidade fabril, pré-fordista e fordista, por que razão a elite do capital abriria mão do mais caro meio de produção pós-industrial, a informação? É evidente que a revolução comunicacional, que ora experimentamos, trabalha no ritmo da esquizofrenia de mercado que ela mesma tem de produzir. Uma criança que se vê compelida a comprar uma boneca Barbie - estrategicamente criada com a cara adulta de uma madame bem sucedida, com seu escritório, sua casa, etc – é porque há uma ambiência de mercado real/virtual (Shopping Centers e E-commerce) para fazê-la esquecer a boneca anterior. É preciso salientar, contudo, que o capitalismo só põe no mercado o que ele pode ampliar suas vendas em progressão geométrica. Um celular que pagávamos em torno de R$500,00 no Brasil está caindo de preço e deverá ser brevemente distribuído “de graça” porque o que interessa é o atrelamento do consumidor ao serviço prestado. Parece que não temos saídas à vista.

E é no conjunto de “sujeitos” que oscilam entre a emergência de criar o coletivo, única possibilidade para se articular uma cidadania global, ativa e emancipadora e a esquizofrenia real/virtual, numa revolução sem a mínima possibilidade de retrocesso, que passamos à educação.

Questão 2 – Diante deste panorama traçado, o que dizer da relação entre esta revolução comunicacional irreversível e a educação, notadamente a educação escolar?

[Alaíde Donatoni] A educação reflete a sociedade em que se insere. Muitos tentam separar esta questão para resolver o problema da escola, a exemplo de colocá-la ao alcance de toda população. No entanto, o dia em que a sociedade for igual para todos, a escola estará produzindo igualdade no seu interior, democratizando-se e se auto-afirmando.

Embora tudo isso pareça simples, o cenário é preocupante. A escola é um dos espaços de produção de conhecimento, de cultura, que não pode se diferenciar do que está sendo produzido na sociedade. Temos ainda, por exemplo, 100 milhões de crianças fora da escola e 900 milhões de adultos analfabetos (Wertheim, 2003, p. 10). O que fazer com isso? Isso é parte dos problemas não solucionados de um período em que as formas do processo de desenvolvimento do saber, apontam para formas mais evoluídas do saber. Embora presenciemos essa passagem de um período a outro, do século XX ao século XXI, não o consideramos prontamente acabado, mas, por certo, em processo de desenvolvimento, mesmo porque as forças ideológicas da “velha” sociedade encontram-se presentes e procuram se rearranjar camufladamente, passando a idéia, mais uma vez, de que é o “novo” que se apresenta, frente às diversidades de uma nova dimensão social, das novas tecnologias e da ciência cujo papel, na atual sociedade globalizada, não se apresenta de forma linear.

Com todo avanço da humanidade em termos tecnológicos e informatizados, considero que vivemos uma nova fase do capitalismo, numa sociedade essencialmente capitalista. Utilizando-nos das palavras de Duarte (2003, p.13) “Sequer cogitarei a possibilidade de fazer qualquer concessão à atitude epistemológica idealista, para a qual a denominação que empregarmos para caracterizar nossa sociedade dependa do ‘olhar’ pelo qual focamos essa sociedade”.

Vivemos, sim, um tempo de rápidas e profundas transformações, resultado do progresso da tecnologia, da informática, da comunicação, da ciência, na perspectiva de possibilidades de conhecimento e das conseqüentes descobertas no campo da política, da cultura e educação, que deve se estender a todos. “Não sabemos o que moldaria o futuro (...) esperemos que seja um mundo mais justo e mais viável. O velho século não acabou bem” nos diz Hobsbawm (1995, p. 26). Parece que estamos numa encruzilhada em que as velhas maneiras de sentir e de pensar do homem, entraram em colapso. Ou ele se encurrala ou avança. A revolução comunicacional e informatizada está aí.

Buscando este novo paradigma para superar os problemas educacionais, acreditamos que a escola, mesmo com todas as dificuldades, precisa acompanhar essa nova era que se apresenta, procurar uma educação informatizada que normalize e facilite o processo ensino-aprendizagem, transformando as tradicionais aulas em aulas também digitais e criativas e, enfim, a própria natureza humana. Ramal (2000, p. 1) nos fala, referindo-se às formas do uso do computador, que o importante é “torná-lo um novo ambiente cognitivo, ou seja, compreender que no contexto digital mudam as nossas formas de pensar e, portanto, de aprender (...) Cabeças deixam de se analógicas para se tornar digitais”. Logo, aquele professor que transmite conteúdos, que utiliza fichas em aula, que pensa estar trazendo novidades em sala, quando na verdade está parado no tempo, este, vai ser substituído pelo computador, complementa Ramal, de forma bastante contundente e determinista.

A crise da modernidade e sua influência na educação, perpassam a mente humana, sem com isso nos darmos conta de que acabaram as fronteiras que nos separavam de continentes longínquos, exigindo, mais que nunca, a busca das novas possibilidades de trabalho do professor, de novos ambientes de aprendizagem, neste novo paradigma.

É evidente que, tudo isso, sem desconsiderar, mais uma vez, que vivemos inseridos num processo de desenvolvimento capitalista, o que sugere, por outro lado, considerar as relações de produção, seu monopólio e sua exploração do trabalho. Neste sentido, Abranches (2000, p.1) nos diz que se trata do “resultado de uma disputa por hegemonia e monopólio, onde o objeto central agora não é mais uma mercadoria medida pelo tempo necessário para sua produção”. Para este autor, “antes, trata-se de conhecimento e informação como capital necessário para a própria reprodução, não podendo ser mensurado pela simples computação de um tempo fabril”. Há, portanto, um desenvolvimento desigual no campo da revolução informacional, crescendo enormemente as diferenças sociais. Castells (1999, p.41) a esse respeito no fala que “nesse mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais” e complementa: “cada vez mais, as pessoas organizam seu significado não em torno do que fazem, mas com base no que elas são ou acreditam que são. Nossas sociedades estão cada vez mais estruturadas em uma oposição bipolar entre a Rede e o Ser”, complementa.

É sabido que existem opiniões favoráveis e contra a informatização nas escolas, mesmo porque, se considerarmos a rigor essa questão, vamos observar o quanto são carentes as escolas públicas, com relação às novas tecnologias de informação e comunicação. Quando encontramos um computador nas referidas escolas, este dificilmente pode ser utilizado pelos professores, pois, via de regra não dispõem de conhecimento suficiente para manuseá-lo. Assim, a informática que poderia ser utilizada como recurso educacional, que poderia promover mudanças na ação pedagógica e na própria autonomia do professor, fica estocada e armazenada, nas poucas escolas em que se encontram.

Mais uma vez a questão do computador na escola volta à discussão. Será que o professor se sente seguro no momento de usar o computador? Não existe uma certa resistência ao seu uso? Será que saber usar um computador significa ter competência profissional? Evidentemente que não. Não é o saber usar um instrumento de ponta da tecnologia, como o computador, que dará, ao professor, o título de competência. No entanto, é necessário que o professor deixe de resistir às sofisticadas tecnologias e comece a abandonar paradigmas tradicionais de ensino e inicie sua formação junto às TICs. É necessário ser um professor do século XXI e que integre à sua prática pedagógica as novas tecnologias de informação, mas, para que isso se operacionalize é preciso um trabalho coletivo por parte da escola, na construção desse novo professor, para que todos os recursos sejam a ele oferecidos e otimizados.

Os programas de educação à distância, por exemplo, em que pese o esforço de seus organizadores e os importantes cursos oferecidos, não atingem as populações mais pobres, que não têm condições financeiras para pagá-los. Da mesma forma, estudos, pesquisas, textos que deveriam estar ao alcance de todos os estudantes, por exemplo, ainda restringem-se apenas a uma minoria que dispõem do computador. Neste sentido ficam as questões: A serviço de quem estão as tecnologias de informação de comunicação? Como seria possível colocar esse instrumental tecnológico a serviço do bem estar de todos? Seria demais imaginar que todas as sociedades, hoje, deveriam ter condições de igualdade frente às novas tecnologias?

Entendemos que nada mais justo do que incluir o menos favorecido na divisão da riqueza do país, daquilo que ele mesmo produz e constrói e que hoje é voltado ao poder político e econômico e a uma pequena parcela da população. Sabemos, como nos diz Ramal (2004, p. 2), que “está em nossas mãos, agora, a possibilidade de deletar a escola de portas fechadas e cercadas por muros, para deixar nascer a escola da multiplicidade, do hipertexto, do link, das janelas abertas e das salas de aulas conectadas com o mundo”. Sabemos também que, para isso, é preciso vontade política por parte dos gestores envolvidos, que não colocam em risco os interesses econômicos do país, para democratizar a rede computacional e realizar a tão sonhada escola do futuro.

Enquanto toda essa informatização ocorre, num crescimento desenfreado e exponencial, redefinindo e moldando as relações sociais e a própria vida e sendo por elas moldadas, alguns movimentos de trabalhadores, a exemplo dos sindicatos, também são atingidos sobremaneira. É a nova realidade econômico-política atingindo o mundo do trabalho, a educação dos trabalhadores. É o novo liberalismo ditando normas proibitivas e ameaçadoras, fragmentando os movimentos sociais organizados e fazendo crer que tudo está perdido, que não há mais espaço para se resistir aos novos desafios. Os sindicatos e outros ambientes dos movimentos sociais organizados são, ainda, locais de debates, de reflexões por parte dos trabalhadores e demais membros da sociedade, incluindo a comunidade escolar, e têm um importante papel histórico a preservar e levar adiante, em que pese o desemprego imposto pela sociedade informacional. Castells (1999, p. 41) nos diz que “nessa condição de esquizofrenia estrutural entre a função e o significado, os padrões de comunicação social ficam sob tensão crescente”. Assim, nesse processo de fragmentação, existe um clima propício para a geração da apatia e da alienação, dificultando, sobremaneira, aqueles que dependem de uma consciência social organizada que, queiramos ou não, contribui para ampliar a capacidade de raciocínio crítico e analítico, no construto de uma outra relação com o saber social, que encontra respaldo no saber escolar, já que estes não se dissociam.

Além dessas questões, uma outra se torna importante nesse debate que é a questão das competências. Fonseca (1998, p. 307), nos fala que “a miopia gerencial e arrogante e a resistência à mudança, que paira em grande parte no sistema produtivo, devem dar lugar à aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar, ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade dinâmica que caracteriza a economia global dos tempos modernos”.

Evidentemente que se trata de entender, também, que a educação, hoje, deve estar voltada à formação de indivíduos que se dispõem à adaptabilidade do mercado capitalista. E complementa Fonseca. “Com a redução dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, os postos de emprego que restam vão ser mais disputados, e tais postos de trabalho terão que ser conquistados pelos trabalhadores preparados e diferenciados em termos cognitivos”. Portanto, é importante preparar o jovem, formando-o com competência necessária para o enfrentamento do referido mercado. É preciso aqui, não confundirmos essas competências, com as grandes transformações sociais. Duarte (2003, p, 12) nos esclarece que “aos educadores caberia conhecer a realidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mas para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivíduos”. O tão discutido e argumentado “aprender a aprender”, fica destinado a uma educação criativa, que busca formas de interação e adaptação social, sem diluir-se nas grandes transformações da realidade.

Estamos vivendo uma nova fase do capitalismo, de novas construções e avanços, no entanto, é importante salientarmos que, mais importante que nos preocupar com novas denominações a essa sociedade, é buscarmos formas de democratizar o conhecimento, em especial nas relações com as TICs. É estarmos atentos às ideologias criadas pelo capital com o intuito de reproduzir, na sociedade, velhas roupagens como se fossem novas, por exemplo no desejo, nem sempre explícito, de algumas empresas em cooptar a educação em suas estratégias gerenciais renovadas. É não nos iludirmos com novas denominações criadas pela sociedade, que procuram nos confundir com questões singulares, nos afastando das verdadeiras condições em que se encontra a sociedade, em favor de uma minoria que tudo quer e tudo pode.

A ideologia do progresso a todo custo, herança da modernidade, já revela seu esgotamento em toda parte; contudo, os detentores das mais sofisticadas TICs não sairam de cena e, como tal, ditam normas sem qualquer tipo de respeito às diversidades culturais de outros países. O racionalismo do ocidente, o seu modelo econômico de produção e evolução está caindo numa crise sem precedentes, demonstrando que o determinismo econômico está agonizando e que é necessário uma reorientação das forças produtivas mais abertas às diferenças entre as nações, tendo como princípio o respeito e a ética no tratamento dos problemas sociais e educacionais. Por mais que as grandes potências reconheçam, em tese, a diversidade de um país, mais suas ações impositivas refletem a forma reducionista como são tratadas as questões relacionadas à escola e aos seus protagonistas. Estes, situados em quaisquer partes do planeta, vêem-se forjados ao consumo de mais uma “mercadoria”, entre elas a educação, com suas novas tecnologias, necessárias ao aprimoramento das competências para o mercado de trabalho.

Assim, as Tecnologias de Informação e Comunicação, (TICs) neste contexto, são consideradas, no rol das absorções tecnológicas advindas de países centrais, como uma nova ferramenta que, sem um adequado acompanhamento, sem uma política que assegure um projeto de caráter organizacional e que acompanhe professores e alunos, permanentemente, em suas respectivas escolas, correm o risco de não se apresentar como uma nova proposta na educação que poderá nortear e facilitar o processo ensino-aprendizagem.

A resposta qualitativa possível da formação de professores diante deste quadro geral..

Questão 3 – Aproximando agora, revolução comunicacional mais educação escolar com formação de professores, no que resulta?

[Otaviano Pereira] – Resulta num debate que mal se inicia e, ao que me parece, deve ser ainda muito enriquecido, devido sua pertinência tanto quanto sua atualidade.

Mesmo diante de uma pluralidade de autores, (Tardif, Contreras, Nóvoa, Marques, Pimenta...) de diversas tendências ou matizes, que gravitam suas reflexões em torno do tema, quanto sei, não conheço (ainda) uma obra sobre a qual possamos afirmar: este é um “clássico”, na literatura pedagógica, sobre formação de professores. Por quê?

Embora Marx, antes mesmo de entrar no século XX, tenha feito a radical pergunta: quem educa o educador?, ele a fez para muito além de seu tempo, num insight valoroso, porque mexia teoricamente com a questão produtiva de base da sociedade. Todavia, não a fez como pedagogo. Esta pergunta, para ganhar a necessária ressonância na educação, a meu ver tinha que ser feita no campo pedagógico; naquele momento os teóricos da educação estavam ocupados com outras questões. Então, foi preciso esperarmos a crise (ou o fim) da modernidade para que a questão da formação de professores aflorasse com a força que apresenta hoje. O motivo é simples. Historicamente, ainda no contexto da modernidade, a função do professor, aquele que “tudo sabe”, era ensinar ao aluno, aquele que “pouco ou nada sabe”. Portanto, não carecia investir em “formação”, quem já se encontrava “formado”. E isso faz uma enorme diferença, hoje, sobretudo quando pensamos na transformação paradigmática da educação escolar em seus novos espaços aprendentes e na revolução comunicacional que a envolve. E quando focamos na presença do professor, no centro deste quadro, temos problemas. Eles advêm de uma herança profissional, que (ainda) demarcam uma enorme dificuldade de repensar e/ou refazer o percurso de suas funções, dado o engessamento de sua própria formação. Vejamos.

a) Se o tema da formação de professores, inicial ou continuada, é mais ou menos recente na História das Idéias Pedagógicas, muito mais recente ainda é uma formação para o enfrentamento da revolução comunicacional.

Trata-se de uma formação que não deve confundir os novos espaços aprendentes com “escolas carregadas de máquinas de informação” e professores que devem ser “reciclados” para o nosso tempo, visando a livrar-se de seu semi-analfabetismo informático, como às vezes ainda acontece. Entendo que o próprio caráter irreversível desta revolução não nos permite mais perder tempo com discussões intermináveis sobre aspectos positivos ou nocivos das máquinas nas escolas. Enquanto isto acontece, as empresas (de informática) prestadoras ou vendedoras de equipamentos e serviços podem avançar o sinal e começar a pensar pelo educador (e não com ele) a especificidade desta sua relação com o conhecimento, correndo o risco de tornar-se puramente mimético e artificial. Se o conhecimento escolar não começa com uma lúcida gestão da informação, como tarefa de sujeitos envolvidos com as questões do cotidiano escolar (professores, gestores, alunos, comunidade) e dos gestores governamentais, a própria discussão não avança e fica numa lenga-lenga de constatações alienadas, do tipo: “o homem (frágil) frente ao poder da máquina”, etc.

b) A nova mediação que a revolução comunicacional implica, ultrapassa o teor de mera exterioridade sujeito-máquina e deve pôr em jogo uma visão antropológica mais profunda a partir desta revolução. Trocando isto em miúdos, o homem que modifica a natureza, modifica seu modo de ser e cada tempo em que acumula modificações, em sentido crescente, vai supondo mediações diferenciadas, a começar com as ferramentas (como natureza modificada) de intervenção e transformação da natureza como um todo, consigo mesmo e com a sociedade, a partir das relações de trabalho e da produção de cultura.

c) Ora, as ferramentas de conhecimento moderno – com seus processos didáticos próprios: lousa, giz, livro didático, laboratórios, etc – eram lineares. Para além da simplificada questão de se fazer ou não uso das TICs, é que reina o novo campo comunicacional, supondo novas mediações, que o “velho” professor (o professor da modernidade) ainda parece não ter dado ênfase à sua necessidade real. E não se trata de um simples “modismo tecnológico”. O que está em pauta, para valer, é um novo horizonte de construção de conhecimento e, por conta disso, de uma estratégia de construção da existência humana a ser mediada pela educação que, por sua vez, vai sendo modificada pela máquina; sem ser ciclo vicioso, trata-se de completude de mediação – ou totalidade mediada, se quisermos.

d) Uma discussão (no campo da antropologia filosófica) sobre a natureza humana tendo em vista os novos espaços aprendentes (e não só no enfrentamento e adaptação passiva a eles) e dos próprios aprendentes, numa relação agora mais complexa e expandida, apresenta-se como a substância mesma de uma nova Pedagogia – digamos, uma Cyberpedagogia, ou uma Pedagogia da Mediação Tecnológica ou algo similar - que não deve se furtar aos avanços e impasses da revolução comunicacional como se tudo isso estivesse “fora” da educação. E a pedagogia que antes (na modernidade) e em boa hora se preocupava, por exemplo, com a criança, a escola, a sociedade, as relações de produção, as ideologias... agora não pode mais ignorar a revolução comunicacional, produtora, por exemplo, de valores, e da nova subjetividade que daí nasce. Uma formação de professores que ignora este novo quadro já surge extemporânea.

e) Máquinas aprendentes (em meio a sujeitos aprendentes) surgem como o vetor e não como a totalidade única de sentido desta (nova) Pedagogia; e esta não logrará êxitos se não revolver antigos campos de reflexão da própria pedagogia que herdamos: espaços e/ou ambientes de aprendizagem, currículos, didáticas, programas, programas governamentais, inserção da comunidade escolar... porque uma modificação dos fundamentos pedagógicos atinge as questões educacionais em seus núcleos, numa espécie de reação em cadeia e reclama cada vez mais a intervenção do coletivo. Nenhuma revolução estrutural de campos de conhecimento permitiu isso como agora. O apelo por um salto de qualidade na formação de professores, neste aspecto, é de fundamental importância para ajudar o educador a ultrapassar a mera exterioridade homem-máquina e apontar para algo mais profundo que imaginamos, cuja fronteira ilimitada estamos apenas em seu limiar. E então, professor? “Se ficar (parado) o bicho pega...”

[Alaíde Donatoni] A exemplo de vários educadores, considero que a educação tem uma função social e política que, embora distintas, são inseparáveis. Sua função social é a de democratizar o conhecimento e isso ocorre por meio de uma prática específica, ou seja, uma prática pedagógica que, inevitavelmente, contém uma dimensão política.

Isso nos leva à averiguação de termos, hoje, milhares de crianças e jovens fora da escola, o que significa que ainda temos muito o que fazer, muito o que cuidar. Logo, a função social da educação está muito aquém daquela pretendida pelos educadores. Por outro lado, o professor cumpre o seu papel em escolas limitadas, sistematizando, bem ou mal, o conhecimento, com o que tem em mãos. Os alunos, em geral, têm dificuldades em ultrapassar o senso-comum, por melhores que sejam as aulas oferecidas pelos professores. Seria o caso de perguntarmos: para quem essas aulas foram boas, para o professor ou para o aluno? O que acontece com o processo ensino-aprendizagem? Uns culpam a escola, outros os professores, e outros, os alunos. Existem culpados? O que aconteceu e acontece com a formação dos professores? Sabemos que o professor em geral traz a herança de uma formação já extemporânea, fruto de uma ideologia liberal de décadas e décadas de atividades repetitivas. Vamos imaginar o quadro: se ainda temos em nossas escolas professores mal preparados para o enfrentamento da sala de aula no que concerne aos diferentes conteúdos a serem ensinados, o que dizer com relação à sua formação quanto ao uso das novas tecnologias, ao seu entendimento quanto aos recursos da informática e à sua análise sobre as potencialidades pedagógicas que tais recursos dispõem? Embora essas questões pareçam pessimistas, não acreditamos ser impossível reverter esse quadro para além de uma formação cujo conhecimento da realidade social e pedagógica favoreça algumas mudanças culturais e educacionais.

A necessidade de formar professores para que eles possam caminhar junto aos avanços das tecnologias de informação e comunicação está posta em nossa sociedade. Para isso, basta que tais recursos sejam disponibilizados nas escolas, em especial nas públicas. Como conseguir isso, acredito, é no coletivo dos professores e toda comunidade escolar, exigindo dos órgãos públicos responsáveis pela educação, a necessária efetivação das TICs nas escolas, pois, a História não é resultado estabelecido previamente por pessoas ou coisas e não temos mais tempo para esperar a boa vontade de quem não tem pressa. Toda sociedade é produto de um processo histórico em desenvolvimento e, do mesmo modo, a formação do professor também o é, só que delineada mais por recuos que por avanços, até o presente momento.

Belloni (2002) citado por Guimarães (2004) nos fala a respeito da formação do professor na era computadorizada esclarecendo que, “...no intuito de minimizar o sofrimento do profissional que se encontra sozinho diante das complexas tecnologias, é importante pesquisas colaborativas que integrem professores em formação inicial, em serviço, docentes e pesquisadores de universidades. Não podemos ampliar o quadro dos ciberexcluídos”, pois não existem culpados, complementa (p. 43).

Não convém, portanto, que fiquemos no discurso da escola atrasada e dos professores desatualizados. Mais que nunca é necessário superá-lo com ações que visem a implementação de políticas públicas para a formação desses professores e que impliquem em mudanças qualitativas em sua prática pedagógica. O uso correto do recurso do computador, pelo professor, fará com que este mesmo professor, aos poucos, vá delineando um novo caminhar em seu trajeto pedagógico que deve estar acompanhado de uma formação adequada que exija reflexões, trocas e muita comunicação.

Assim, não desconsideramos que as políticas públicas e educacionais devem estar voltadas à formação sólida e continuada do professor, devem estar centradas no momento histórico em que vivemos e que o papel desempenhado pelo professor junto às novas tecnologias de informação e de comunicação é de extrema importância, em especial no que diz respeito às novas funções, formações e qualificações para o seu trabalho. As novas tecnologias na educação escolar, com professores formados para seu manuseio resultará em novos ensinos e novas aprendizagens.

Ademais, a visão de mundo do professor é resultado de sua formação que ocorre na família, nos meios acadêmicos e na sociedade. Tudo isso é refletido em sala de aula. Conseqüentemente, por não ter uma formação adequada que o leve a uma análise crítica de suas condições sociais, de trabalho, etc, o espaço da sala de aula acaba sendo ocupado pela reprodução do social, quando não para as formas apenas tecnicistas de educação, cujos resultados bem conhecemos.

É preciso ter o entendimento de que a formação não se acaba e que sempre estarão surgindo novas formas de aprendizagens. Cada professor deve organizar o seu conhecimento em interação, também, com o computador, a partir de conexões que devem se adaptar sistematicamente a cada conteúdo a ser trabalhado. As TICs estão aí, também a escola e os professores. Essa relação precisa acontecer de forma mais aprofundada para o repensar de antigas práticas, visando novas atuações e oportunidades educacionais, principalmente no caso da escola pública.

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Professores do Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba, MG (UNIUBE) [1]

Alaíde R. Donatoni: Doutorado em Educação na Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP

Otaviano J. Pereira: Doutorado em Filosofia e História da Educação na Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP

alaíde.donatoni@uniube.br

otaviano.pereira@uniube.br

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